posso envernizar minha paixão.
posso dar-lhe uma nesga de brilho,
poli-la como aos sapatos burgueses,
os tecidos que encantam os salões,
as lantejoulas que efervescem a noite.
posso mesmo escavá-la como se faz com o furúnculo,
e, adentrado o seu pus,
arrebentá-la nas encostas de mim.
posso derivá-la em vida, cachoeira viva
que nunca será rio.
posso, então, o quê!
nada. nada posso
que não seja a sua própria carne,
seus espamos,
sua efusiva e momentânea fúria.
de tudo
o risco na pedra
vai dizer.
e só.
2.
a fúria, a tortura, os desejos
são caldos que engrossam a noite.
tensos, passamos pó sobre as feridas,
lambemos nossas almas de pedra,
reviramos cada estalo, cada medo.
os ruídos adentram nossa veia
como fogo da morte.
nada nos diz o silêncio. sobre nós
as formigas ressaltam seus desejos.
a chuva perdida sobre as portas
entrava as dobradiças, enferruja os homens.
a veia de minas, o chão de minas
nos confunde.
resta buscar o que sobrou do amor.
Romério Rômulo Campos
Valadares
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