quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

O velho e o neto



No quarto, o velho Doca contorcia o rosto como se fizesse careta para a morte, que estava para chegar.
Na sala, a família orava para que a morte viesse e levasse logo aquele sofrimento do pai exemplar, do carinhoso avô, fiel e amado marido.
O netinho caçula ouvia e entendia tudo com muita tristeza, apesar da pouca idade, cinco anos. Estava com o peito apertadinho, lembrava-se do seu avô jogando bola, narrando as jogadas e gritando, mesmo quando ele errava o chute: “Goooooooooool! Do meu netinho”. Lembrava-se também do velho brincando de esconde-esconde, enfiando-se nos lugares mais prováveis e mais fáceis de ser encontrado, só para dizer sorrindo: “Achooooooooooou!”
Com essas lembranças, o menino entrou escondido no quarto do avô. Todos haviam se recolhido, estavam cansados das noites em claro. Dentro do quarto, o pequeno se aproximou do velho, que, ao vê-lo, desfez a careta e conseguiu tirar, não se sabe de onde, talvez da alma, um sereno sorriso. Então, o menino disse prontamente: “Vovô, não podemo perdê tempo, temo que se esconde da morte, igual quando o vô fazia quando bincava comigo”. Encantado, o velho mantinha o ar sereno. O neto continuou: “Vamô, vamô escondê atás da porta, e quando essa morte ir embora, a gente vai jogá bola e eu vou fazê bastante goooool”.
O velho, disfarçando sua dificuldade e as dores, levantou-se e meio que arrastado pelo neto foi e ficou atrás da porta, o pequeno cobriu-o com um cobertor e juntos ficaram agachados.
No dia seguinte, a mãe do menino, filha do velho, entrou no quarto e viu o velho agachado, com semblante tranquilo. O menino se acordou, olhou para o avô e falou para sua mãe: “Tava brincando de esconde-esconde, mas a morte não sabe brincá e achou o vovô”.


JDamasio Conto dos Contos e Outros Contos / 2001

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