Homens de minha geração, nascidos no início da década de
1960 e que estão na fronteira dos cinqüenta anos, um pouco para lá, um pouco
para cá, vivem o que poderia ser chamado de desadolescência. Grosso modo, a
adolescência é aquela fase em que nós temos que aprender a domar as rápidas
mudanças operadas em nosso corpo. Descobrimos que não somos mais crianças e
sabemos que não nos tornamos adultos. Na desadolescência, por razões inversas,
somos novamente instados a aprender a conviver com as rápidas mudanças operadas
em nosso corpo. Não somos mais jovens e ainda não nos tornamos velhos.
Diferentemente do outro ciclo, as mudanças são operadas para pior, pelo menos
no plano físico. Inevitavelmente, mais para uns, menos para outros, surgem
limitações no consumo de alimentos, de bebidas e de atividades físicas. Nem
falo da virilidade, pois esse é um problema que só atinge pessoas que não
conhecemos. Dia desses, naquelas conversas descontraídas que sucedem o futebol
de veteranos, um amigo pontificou: “Você sabe que a idade está chegando quando
o trabalho dá prazer e o prazer dá trabalho”. Como ninguém ali vivia situações
semelhantes, todos riram à farta. Se vivêssemos em outra época histórica,
estaríamos próximos da velhice. Alguns dos livros clássicos de reflexão sobre a
velhice foram escritos por homens que haviam acabado de ultrapassar os sessenta
anos. Exemplo: Cícero escreveu “De senectute” aos 62 anos. Hoje, graças aos ganhos
civilizatórios, a estimativa de vida se elevou e a velhice passou a ser
sinônimo de idade mais avançada. O filósofo contemporâneo Norberto Bobbio
escreveu o seu texto “De senectute”, veiculado pelo livro “O tempo da memória”,
já octogenário. Qualquer que seja o parâmetro, são perturbadoras as linhas que
Bobbio escreveu sobre o caminho sem volta: “A descida em direção a lugar nenhum
é longa, mais longa do que eu imaginara, e lenta. A descida é contínua e, o que
é pior, irreversível: você desce um pequeno degrau de cada vez, mas ao colocar
o pé no degrau mais baixo sabe que nunca mais vai retornar ao degrau mais alto.
Quantos ainda existem eu não sei. Mas de uma coisa não tenho dúvida: restam
cada vez menos”. Quem já se convenceu de que é velho é motivado a desenvolver a
proverbial sabedoria diante da inevitabilidade do passar do tempo. Situação
mais complexa é vivida pelos que se encontram na desadolescência. Minha geração
nasceu e cresceu na década de 1960, famosa pelo culto à juventude. Pode não ter
entendido na época, mas ouviu Beatles, Rolling Stones e The Who. Naquele
período repleto de maniqueísmos, eram divulgadas máximas como: “Não confie em
ninguém com mais de 30”; “Melhor morrer do que ficar velho” etc. Mesmo a
ingênua versão brasileira da beatlemania era chamada de “jovem guarda”, com
acento no primeiro termo. Passado o choque da descoberta da desadolescência, a
ultrapassagem do que se convencionou chamar de meia idade expõe, de um lado,
que é um privilégio não ter ficado pelo caminho e, de outro, que a estrada
segue muito além dos 64 anos cantados pelos Beatles no álbum “Sergeant
Peppers”. Se, como diz Bobbio, só restam degraus para baixo, melhor que não
sejam poucos e que saibamos ultrapassar cada um com resignação, dignidade e
prazer, ainda que isso dê algum trabalho.
Reginaldo Benedito Dias
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