sábado, 11 de março de 2017

O Futuro

Eu sabia que tinha feito um poema
quando dissipei as manadas de estrelas
e fundei a angústia
nos meus pequenos dias
em Itapetininga.
Eu sabia que a viola e cachaça
e o copo e a ponta do cigarro
eram meu sacramento
e as flores do desespero
e a traição do capital
e a solidão do proletariado
semeavam a minha querência
e eu tinha que orquestrar
a santa distribuição.
Eu sempre amei meus dias pequenos
de crescer o musgo nas pedras
descansadas no sombreado
de árvores,
a açoita-cavalo-miúdo
que faz corte no vento
e sangra o ar.
Eu não me esqueço da ferida.
A vida foi.
Essa perdiz que não se notou existir.
Fico de sentinela na beira do campo.
Estou cansado e tenho a morte.
Deus deve ter nascido pros lados daquele outro
fim de mundo.
Onde se dobrou de escuro.
Lá correu uma estrela cadente
e pousou a harmonia de tantas cordas
celestes
na canção que me vai fazer dormir.
Não guardarei mais o mundo.
Sou a consumação das flores,
seu mais tardio desejo,
a presença estival do sol
na saudade de longas
estações de frio.
É de graça:
esse país me atravessa
como a lança medieval
dorme seu perfume
sobre a vítima.
Vão encontrar, milênios mais tarde,
em escavações,
entre dejetos de animais extintos,
vestígios
de um amor calcificado
que de nada mais vai servir.
Arqueólogos do futuro
concluirão que algum deus fracassou.

Fiori Esaú Ferrari

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