sexta-feira, 12 de julho de 2019


acordou triste, atropelou a sujeira das tardes e leu poemas. poemas antes da raiva primeira, antes que o tempo a quebrasse em partes vadias - de versos e gozos - e o olho direito do medo minguasse sua cor-tragédia.

e leu poemas antes da fuga:

"Uma gota alquímica me mantém.

Mas falta-me o estado de graça,
Posterior à falência do corpo -
Os Olhos ainda escamam a acidez -
trigos giram púrpuras na palidez da
Compreensão improvável -" Mariana Basílio

"Há uma parte de mim
onde a saudade é
vermelha
cálida e gotejante

E enquanto não vens
Estranhas tulipas explodem
na umidade insana do desejo
Compreensão improvável -" Simone Teodoro

"para que possas regressar
ao teu túmulo de rosas,
é preciso que desmembres o sol
em astros menores,
e, nua, deves percorrer os dias
com a leveza dos gatos" - Samuel Malentacchi

"eu sou triste mas coloco comida
pro gato diariamente
bebo água corro alguns metros
peço comida chinesa e te ouço
eu sou triste mas me esforço
eu sou triste mas às vezes esqueço..." - Izabela Orlandi

"alguma coisa me segura
o olho para que não desregule.
estranho princípio que se atém
aos meus órgãos vivos." - Ana Cristina Cesar

Acho que foi o calor. Ou muito advérbio, sei lá. Você leu minha tatuagem, ligeira entre goles na limonada batizada, e ignorou todo o espaço que abrigava ruínas untuosas na aleatória padaria do antigo Sacomã.

Quarta-feira. Meio-dia. Certeza que foi o calor. Você tirou Rimbaud da bolsa - quem anda com um peso desses em eras infernais? - descontinuou meu reparo à oratória insubordinada, que era empregada no pensamento, nas ideias de poder e destroços, naquele instante.

Aliterou e travou minha atenção. Fazia uns 37 graus e as cores do ambiente transmutavam entre fígado na chapa e moedas de 50 centavos.

Foi o suor. Talvez tua língua a saborear o salgado do buço acalorado, ou o alarme do relógio de pulso que reclamava atenção, pois, ai de nós, a vida que se interrompia, por descuido da ordem industrial de telhas a constatar o progresso de cidade, em seu umbigo cinza, a nosso favor.

E teus olhos anunciavam despautérios, notícias falsas, filmes velhos e trens lotados de inocências. E eu gostava das mensagens silenciadas pelo futuro não executado de um "oi".

Matem as vírgulas!

Vestia um vermelho desbotado e roubava a admiração do que é bellus. E o mundo deixou de respirar, guerras explodiram as cabeças do poder, a lama secou, Pompéia furtou de nós qualquer ideal, as crianças foram enterradas nuas e os jornais riram do meu susto coagido.

Acho que foi o calor. Quem mais diria?

As pessoas nas ruas continuaram tristes, os cães atropelados de propósito e nenhuma luta dignou seu fim. O desajeito matou mais dos nossos e a poesia não matinou uma esperança sequer.

No entanto. Meio-dia. Sacomã.

Levanto. Beijo tua boca de menina desconhecida. E vida segue sem juízo, quente, refém dos filhos de ódio e molestada desde o rebentar de mulher.

Entretanto,

Com gosto de moça na boca -
dizimada de pele e sangue -
saio ensolarada
da padaria.

Pão de Queijo R$ 4,50
e nada de poesia,

General.

Camila Passatuto


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