acordou triste, atropelou a sujeira das tardes e leu poemas.
poemas antes da raiva primeira, antes que o tempo a quebrasse em partes vadias
- de versos e gozos - e o olho direito do medo minguasse sua cor-tragédia.
e leu poemas antes da fuga:
"Uma gota alquímica me mantém.
Mas falta-me o estado de graça,
Posterior à falência do corpo -
Os Olhos ainda escamam a acidez -
trigos giram púrpuras na palidez da
Compreensão improvável -" Mariana Basílio
"Há uma parte de mim
onde a saudade é
vermelha
cálida e gotejante
E enquanto não vens
Estranhas tulipas explodem
na umidade insana do desejo
Compreensão improvável -" Simone Teodoro
"para que possas regressar
ao teu túmulo de rosas,
é preciso que desmembres o sol
em astros menores,
e, nua, deves percorrer os dias
com a leveza dos gatos" - Samuel Malentacchi
"eu sou triste mas coloco comida
pro gato diariamente
bebo água corro alguns metros
peço comida chinesa e te ouço
eu sou triste mas me esforço
eu sou triste mas às vezes esqueço..." - Izabela
Orlandi
"alguma coisa me segura
o olho para que não desregule.
estranho princípio que se atém
aos meus órgãos vivos." - Ana Cristina Cesar
Acho que foi o calor. Ou muito advérbio, sei lá. Você leu
minha tatuagem, ligeira entre goles na limonada batizada, e ignorou todo o
espaço que abrigava ruínas untuosas na aleatória padaria do antigo Sacomã.
Quarta-feira. Meio-dia. Certeza que foi o calor. Você tirou
Rimbaud da bolsa - quem anda com um peso desses em eras infernais? -
descontinuou meu reparo à oratória insubordinada, que era empregada no
pensamento, nas ideias de poder e destroços, naquele instante.
Aliterou e travou minha atenção. Fazia uns 37 graus e as
cores do ambiente transmutavam entre fígado na chapa e moedas de 50 centavos.
Foi o suor. Talvez tua língua a saborear o salgado do buço
acalorado, ou o alarme do relógio de pulso que reclamava atenção, pois, ai de
nós, a vida que se interrompia, por descuido da ordem industrial de telhas a
constatar o progresso de cidade, em seu umbigo cinza, a nosso favor.
E teus olhos anunciavam despautérios, notícias falsas,
filmes velhos e trens lotados de inocências. E eu gostava das mensagens silenciadas
pelo futuro não executado de um "oi".
Matem as vírgulas!
Vestia um vermelho desbotado e roubava a admiração do que é
bellus. E o mundo deixou de respirar, guerras explodiram as cabeças do poder, a
lama secou, Pompéia furtou de nós qualquer ideal, as crianças foram enterradas
nuas e os jornais riram do meu susto coagido.
Acho que foi o calor. Quem mais diria?
As pessoas nas ruas continuaram tristes, os cães atropelados
de propósito e nenhuma luta dignou seu fim. O desajeito matou mais dos nossos e
a poesia não matinou uma esperança sequer.
No entanto. Meio-dia. Sacomã.
Levanto. Beijo tua boca de menina desconhecida. E vida segue
sem juízo, quente, refém dos filhos de ódio e molestada desde o rebentar de
mulher.
Entretanto,
Com gosto de moça na boca -
dizimada de pele e sangue -
saio ensolarada
da padaria.
Pão de Queijo R$ 4,50
e nada de poesia,
General.
Camila Passatuto
Nenhum comentário:
Postar um comentário