segunda-feira, 1 de julho de 2019

Arame farpado


(por Ramon Barbosa Franco)



"- Descendo aqui, o 'sinhô' chega 'nu' seminário de Jesus".

O lavrador, que havia se afastado da turma que colhia algodão na beira da estrada, dava a coordenada para aquele homem de pele clara e sotaque estranho. Voltou para os colegas e ficou observando, à distância, o viajante que cortava chão somente com as duas pernas.

"- Nessi mundão a gente vê cada um".

Ficou colhendo, ensacando os tufos e o sotaque estranho seguia seu rumo. Lembrou que aquele tinha qualquer coisa de gente da colônia, do pessoal que morava para depois do trecho represado do Paranapanema. Tinha lidado com a colheita de soja por lá e lembrava do jeito dos velhos, que os novos chamavam sempre de 'oma' e 'opa'.

"- Que será que ele vai fazê no seminário de Jesus?".

Seguiu a colheita.

No outro dia, a turma tinha descido mais a plantação, no mesmo rumo para o seminário. Ele se achegou num tronco da cerca de arame farpado, tinha uma bolsa pendurada. Mexeu, viu apetrechos que lembravam os de dentista.

"- Deve ser do homi de onti".

Recolheu e amarrou na cintura, junto com o saco onde jogava o algodão.

"- Um dia ele 'vorta' pelo estradão e eu entrego".

Não voltou e os apetrechos, que depois ficou sabendo que eram de médico, serviram de relíquia para atestar uma história que ele contava com emoção:

"- Por esta 'luiz' que me 'alumia', aquele homi era o 'tar' de Menguele! Certeza, o seminário ficava em Assis. E ele se escondeu lá".





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