sexta-feira, 12 de julho de 2019


Folheia meus fios na sombra de leis que secam a existência de um povo amordaçado pelas próprias vestes.

Retira da cruz esmaltada nossa mártir confusa. Sacrifica um espaço na linha de produção falsificada pelos lobos. Reproduz a poesia mola, seca uma caatinga inteira no peito metrópole. Seca.

Eu estarei entregue. Atada nos cortes congressistas e clérigos. Eu estarei ali. Na morbidez noturna de uma iluminação falha da periferia em nós.

Alumia meus versos. Que estou morta na voz enlamaçada e latina dos pedintes do centro.

- Uma pedra queimada.

Minha alma se dobra e aquece o umbral da Júlio Prestes.
Mune esse tempo ruim que malsina nossa paz. Vai. A chuva ácida é literatura de pergaminho nos bueiros atolados.

Eu escrevo sob um rancor oxidado. Sem medo.

Saca essa arma entre os olhos e salva, nos lampejos aluados, as esquinas de estrofes anêmicas.
O poder suga até a última tripa.
Vem. Limpa a poeira dos dentes.
Pois a linha de frente acabou de se render.

Folheia meus fios com os dedos mais leves no assentar de cor e liberdade.

Governo nenhum candonga a miséria que levo na boca em percal.

Folheia meus fios na loucura mais tênue do assimilar de vida.

Salva um dia por vez.
Sem temer.
Camila Passatuto
Do livro "Nequice: Lapso na Função Supressora" (Editora Penalux)

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