Não tenho certeza se inventei o som dos pés magros a comer a
rua maldita e discretamente expurgada de um desvario matutino, ou as poças do
líquido urbano que de praxe hidrata pombos e pneus carecas - como mãe de peito
cheio e dolorido.
Afundo as ideias na cena melodiosa, abarrotada em gemidos de
fome e céu, no denso e uniforme borraceiro, imperfeita por sentidos e direções.
Não sei do pertencer de cada elemento, disposto a fino ajuste, no passar de
gente triste e apressada.
Por mim, tanto faz.
É na ponta do ser que posso sentir o real de mundo. Algum
deus desatina compasso entre o medo e o peso do ar, que se rarefez apenas para
patinar meus pulmões e murchar desejos, nesta manhã.
Tenho os pés doentes de mundo. Deve ser por isso.
Pisei, sem querer, no resto de um gato morto. Nada senti.
Foi esses dias.
A morte seca, sem miúdos e sem pulsar, não move minha
atenção, meu amor ou, até mesmo, meu nojo. No entanto, desconfio que tal
repente foi um sonho.
O pouco de corpo crava a carne no centro de um universo
difuso e sonolento. Não tem ninguém nas janelas, nos córregos, na rotina de um
domingo amaldiçoado. Observo minha base diluir e unir-se ao chão sujo, bem no
meio da cidade. E ninguém por perto a fim de relatos futuros.
A chuva leva meu sangue para o bueiro da General Osório. E a
cidade me tem pelos pés, enquanto fico nula ao transmutar meus temores. Afundo
a vida na dor melodiosa dos desprezos meus. E isso acalma.
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Entrada na emergência
Nulificação parcial dos dedos,
Pé esquerdo.
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Não tenho certeza
se inventei meus
pedaços, general.
Camila Passatuto
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