Sim, cativante leitora, gentil leitor, fiquei devendo
algumas explicações, depois da deplorável barafunda de assuntos com que os
tenho vitimado, nos últimos domingos. Mas, apesar de tudo, creio que acabei
esclarecendo mais ou menos a questão da gordura do coco e discorrendo um pouco
sobre a inconstância do que nos apresentam como perenes e irretorquíveis
verdades científicas. Não cheguei, contudo, a dizer direito o que via nisso de
relevante para as mulheres. Hoje essa grave lacuna, como é destino de todas as
lacunas, será preenchida.
No domingo passado, escrevi que havia novidades científicas
para as mulheres, relacionadas com o coco. Disse também que não sabia se era
caso de as mulheres desconfiarem de mais esse achado científico. De minha
parte, creio que sim - e não somente porque os achados vivem se contradizendo,
mas porque minhas contemporâneas sofreram bastante, por causa da verdade
científica. A maioria das queridas leitoras, todas na flor da idade, talvez não
possa recordar o tempo em que a gente se referia às mulheres, a sério, como
"o sexo frágil" ou "o belo sexo" e as considerava umas
instintivas mais ou menos destituídas de real inteligência. Claro que essa
maneira de ver se originava na ciência vigente. Sem achar que estavam ofendendo
ninguém, os homens e muitas mulheres repetiam uma porção de besteiras sobre as
mulheres, nenhuma delas abertamente desmentidas pela ciência e algumas até
confirmadas.
As besteiras se estendiam sobre todas as áreas, inclusive
aquela em que o óleo de coco está ganhando destaque, ou seja a tensão
pré-menstrual. Pois é, a cada dia aparece uma matéria em algum jornal ou
noticiário, anunciando essa maravilha. Desconheço a posologia e não estou
receitando nada, mas li que, num porcentual altíssimo, as mulheres que sofrem
de TPM ficam curadas ingerindo óleo de coco diariamente, do qual já existem não
sei quantas marcas em circulação. Espero que as sofredoras fiquem boas mesmo,
mas, como disse domingo passado, tenho algumas lembranças do progresso da
ciência e do conhecimento comum sobre a questão, que talvez devam ser
ponderadas.
No começo, não havia menstruação. Ou seja, não se falava
nisso na presença de homem algum, a não ser o médico, a cujos consultórios as
mulheres só iam acompanhadas. Geralmente eram os homens que tinham irmãs que
começavam a revelar aos outros a existência desse estranho fenômeno, encarado
por muitos com ceticismo. Os mais sofisticados pegavam anúncios de Modess na
revista O Cruzeiro, em que apareciam misteriosas mensagens cifradas, dirigidas
às mulheres e mencionando "as antiquadas toalhinhas". Mas não se
mostrava nem a toalhinha, nem o secretíssimo produto anunciado. Havia grandes
discussões masculinas sobre o que seriam as antiquadas toalhinhas e até hoje
não faço delas uma ideia clara. Neném, um amigo de infância, certa vez abriu um
pacote de Modess para ver como era e o descreveu como "um travesseiro de
gato", o que não contribuiu muito para o entendimento. E a moça não ficava
menstruada, ficava "incomodada", ou até "doente".
O conhecimento comum e o conhecimento científico sobre o
assunto, tanto quanto eu saiba, diferiam apenas na terminologia. Em Itaparica,
não se usava a expressão na presença de alguém do sexo oposto, mas a
menstruação era designada como "boi", em falas como "acho que o
boi dela chegou, você precisa ver como o feijão está salgado e mal
catado", "ele disse que vai casar com ela e eu retruquei que não
tinha nada contra, só fiz lembrar que a família dela tem os bois mais brabos da
ilha e ele que se precate, porque vai tomar porrada todo mês". Quando eu
era menino e ficava na quitanda de Bambano para ouvir as conversas dos adultos,
a finada Lindaura, de finado Cartésio (nomes mudados por uma questão de
discrição), às vezes passava batendo os tamancos e assoprando forte e Bambano
comentava que "compadre Cartésio hoje vai se ver, espere só ela abrir a
cancela e soltar esse boi". E de fato, quando sentia que o boi de Lindaura
estava perto, Cartésio sempre arranjava uma viagenzinha de negócios a Salinas e
ficava por lá até ele acalmar.
Era mais ou menos o que a ciência dizia, com outras
palavras. Questão de personalidade da vítima de bois brabos, histeria. Quando a
infeliz se queixava de cólicas que a deixavam rolando na cama, o médico, como
eu vi acontecer, só faltava dar uma risadinha de condescendência para com o eterno
feminino (sim, havia também o eterno feminino) e explicava que as cólicas eram
psicológicas. "Está tudo em sua cabecinha", dizia o médico a uma
paciente que evidentemente não tinha dor nenhuma na cabeça, mas na barriga
mesmo.
Agora, ao que parece, as cólicas não são mais psicológicas e
a ciência reconhece a existência da TPM. Segundo me contam, entidades
científicas questionam essa existência, mas outras não só a aceitam, como ainda
acharam algo pior, chamado Transtorno Disfórico Pré-Menstrual. Pela descrição,
a mulher nas vascas do TDPM é capaz de metralhar a vizinhança ou jogar o gato
no liquidificador. Óleo de coco nela, atual palavra de ordem. Como eu disse
antes, espero que dê certo mesmo e, a julgar pelo material que me mandaram
depois que falei nele, deveremos entrar em breve na Era do Coco. Aliás, lá na
ilha já entramos, com resultados ainda duvidosos, o que dá pra rir dá pra
chorar e até cheiro bom tem sua hora. Um toureiro (marido ou amancebado com
mulher de boi brabo) lá do Bar de Espanha se ofereceu para um teste e, de fato,
o boi da sua dele santa esposa amansou muito, depois que ela passou a tomar
leite de coco várias vezes por dia.
- Mas eu suspendi o tratamento - disse ele. - Muito antes um
boi brabo do que o sujeito ir deitar e achar que está dormindo com uma moqueca.
- João Ubaldo Ribeiro
Estadão.20/05/2012
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