quarta-feira, 13 de novembro de 2019

NOTÍCIA DE OUTONO, 1987, JERUSALÉM



O poeta está morto
no entanto eu me levanto às seis e trinta da manhã
porque é hora.
O sol do fim de verão não perde tempo,
as folhas ainda brilham carregadas de frutos da noite rapidamente
comidos pelo vento.
O poeta está morto e eu leio o jornal onde anunciam
sua morte.
Cirrose?
Coração?
Tristeza?
Alguns morrem de alegria.
Foi o câncer? Um golpe de ar? Cansaço?
Diante do jornal tomo a xícara de café, pronto para o dia.
O dia também é uma fatalidade.
Imaginem, o poeta está morto apesar do barulho das crianças.
Elas brigam, brincam, gritam, pouco importa,
o entusiasmo é o mesmo. Assim como é mesma a rotina desta manhã —
ou não seria rotina —
embora nela se estenda a sombra do poeta morto.
Morto, imóvel, impassível feito qualquer morto,
apesar do silêncio dos velhos,
apesar do riso sem-vergonha dos velhos.
Pregões pintando o ar.
Frutas, verduras, brinquedos.
Sempre se arranja algo pra vender que a vida urge.
O leite dos filhos nunca espera. A operação da
mulher, o carro,
a passagem de ônibus, o bilhete de loteria,
a camisa nova. A camisa nova.
Tudo pela hora da morte.
Ah, a morte pública do poeta.
Um automóvel, outro, mais outro, parece um rio.
Olhares bailam em saltos fluidos.
Ninguém anuncia o apocalipse.

Moacir Amâncio

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