terça-feira, 12 de novembro de 2019

O DITO SEXO E A TAL CIDADE





Miguel Castro

O esforçado Jojo la Rue não consegue fazer-nos rir. Acredito que o sotaque cerrado dificulte a teatral tarefa, no meio de tantas anedotas de algibeira a sair ao ritmo e táctica de coelhos da cartola, impecavelmente brancas e dobradinhas, como lenços prontos a sujar de rompante, e umas piadas de politica emoldurada, cujos contextos são para um português vizinho de Espanha, perfeitos estranhos.

A restante meia dúzia de clientes pingados presta mais de uma atenção quase reverência às cervejas, do que ao candidato a comediante anunciado à porta deste Otto`s Shrunken Head (a cabeça mirrada do Otto), nome fantástico para um bar algo polinésio na Rua 14, leste, entre as avenidas A e B. Vim cá à procura de uma pequena Meca do rockabilly ao vivo e furioso, num pequenérrimo e suado palco, após uma conversa esta tarde com um empregado da Trash and Vaudeville, uma loja de roupas incríveis em St Marks Place, e rocker amador numa garagem em Brooklyn Heights com uns tais Skinny Boy Jones, promissores, ao que me queria fazer ver.

Só não me vou embora por Trisha. Quase uma hora de conversa depois de a ter visto, e tão revisto, na mesa ao fundo, tenho uma daquelas certezas irredutíveis de querer tê-la bem mais perto de mim do que os dois palmos de diálogo e alguns risos entre nós, enevoados pelo fumo do seu cigarro. O sincero desejo de sexo demorado e explícito, é me implícito. Afinal de contas, e da sua terceira Budweiser, separei-me em Portugal há dois meses e não é todas as noites de sexta-feira que ando por Nova Iorque e encontro uma ruiva de Queens, não acompanhada, francamente bonita, neta de irlandeses, à beira de um fim de semana sem os dois filhos que andarão a melgar o pai, e ex-marido.

- Estás com tempo? Queres andar por aí? Ir a outro sitio qualquer? – pergunta-me com o tal brilhozinho nos olhos que me parece ser aquele de que uma antiga canção do Sérgio Godinho fala.

Andar por aí, hang out, como se diz nesta cidade tão viva, onde as noites são tão intensas como sexo, é uma óptima sugestão, para já.

Lá fora apercebo-me do esgar da lua, surpreendida, e logo depois, à luz da montra de mais uma de prováveis centenas de lojas de conveniência geridas por indianos, entendo o porquê.

É que Trisha é mesmo bonita.

OK. Jogo. Tudo ou nada, não é? Aposto tudo.

Uns passos de silêncio subitamente acanhado à frente, e que ameaça desatar a pigarrear, paro e pergunto-lhe olhos nos olhos, e olhos no passeio, se há algumas expectativas reais, umas probabilidades daquelas bem boas, de…pois…portanto…bom…isto é…ou seja…de em breve irmos para a cama.

E até nem estamos nada longe do hotel onde estou hospedado.

E os táxis nesta terra, de lentidão têm pouco, são por vezes conduzidos por uns clones do Fitipaldi, regra quase geral também indianos, e com turbante.

- Temos a minha casa em Queens – sorri - quem sabe noutra ocasião qualquer. Estou a gostar demasiado de te conhecer para arriscar estragar tudo com uma rapidinha.

Mas quem falou em rapidinhas? A fulana deve estar mal habituada. E muito menos estragar. Argumento e tento. Portuguese do it better. Asseguro e rio.

- Olha a tua volta, ó Lisbon guy – Trisha sorri-me durante mais tempo, e consegue fazer-me cócegas no coração.

Faço o que me pede.

- Gostas do que vês?- pergunta-me depois de eu em para aí cada dez minutos de companhia lhe ter ciclicamente apregoado que adoro Nova Iorque.

- E agora deixa-me olhar bem para ti – pede-me com um ar sério.

Aceito e deixo-a ler-me o rosto. Eu próprio começo a achar que valerá a pena ver página a página desta mulher com tanto de rapariga, e dar-lhe uma bem merecida atenção.

- Primeiro tens que me deixar gostar de ti, entendes? – oferece-me um beijo surpresa ao meu queixo. – Como tu gostas desta cidade.

Entendo.

Trisha sugere-me um Rodeo Bar, onde a Country Music acontece, e a Bluegrass arrasa. Sou todo ouvidos, pernas e pés.

Trisha pelos vistos, botas e gostos, também.

Trisha dá-me o braço.

E caminhamos.

Algures na 8ª avenida ganho uma noite no sofá da sua sala. Com oferta de pequeno almoço.

***

Sobre o autor
Miguel Castro nasceu em Julho de 1967 em Lisboa. Cresceu sempre com vontade de escrever e a alimentar-se de doses maciças de música. Aos 16 anos desistiu de perseguir e atormentar o seu pai quando este finalmente lhe comprou uma guitarra eléctrica e um amplificador.
Em 1986 ingressa na Faculdade de Ciências de Lisboa para cursar Geologia.
Integrou a formação de várias bandas com as quais, e também a solo, percorreu o circuito universitário dos cafés-concertos e alguns bares em Lisboa. Em 1991 grava a sua primeira canção numa colectânea de novos grupos e artistas, editada ainda em vinil, num LP.
De 1992 a 1994 foi professor no ensino secundário e em 1995 formou na Amadora a banda pop Porquinhos da Ilda com a qual decidiu definitivamente fazer da música uma profissão a tempo inteiro. Graças à irreverência, humor peculiar, sonoridade, e a animada presença em palco que os caracterizava, os Porquinhos da Ilda realizaram centenas de concertos por todo o Portugal e editaram 3 álbuns, destacando-se o hit radiofónico “Canguru” em 1997.
Em 2000 fundou, a sua primeira empresa de management e produção de espectáculos, a Oink Música, e tornou-se responsável oficial pelas carreiras de Porquinhos da Ilda, Império dos Sentados, e Woodstone. Em 2002, após muitas viagens e experiências, a conselho do médico e de amigo deixou de beber álcool.
Um dia ao fim de uma tarde sentou-se e escreveu a sua primeira de várias pequenas histórias. Um hábito que ainda hoje prevalece.
Em 2003 fundou a Espanta Espíritos, empresa de management, agenciamento, e produção, que gere as carreiras de grupos do panorama musical português como Corvos, Verdes Anos, Dina, e Mariária, entre outros. No verão de 2004 começou a escrever o seu primeiro romance ANDA CÁ FAZ-ME TUDO O QUE QUISERES, que foi editado em Setembro de 2005 pela Sete Caminhos.
Actualmente Miguel Castro continua a ser músico, como sempre foi e será, coordena os espectáculos infantis da Espanta Espíritos e é co-produtor da cantora e compositora Dina. Adora o seu filho Afonso, o rock`n`roll, ir para estrada, viajar, e escrever. Está até com ideias de preparar o seu segundo romance.
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