(R.B. Côvo)
- Alô! Alô!
Pausa. Suspiro. Nervoso miudinho.
- Alô! Alô!
Repetição. Esse “alô” uma e outra vez repetido, toda a
repetição é uma perda de tempo, angustiante, incômoda, desnecessária. Radical,
eu? Não! Um amor que se repete, por exemplo, é um amor desprovido de magia. E
numa dama, a de todas a mais bela, o segundo gesto não resulta tão gracioso
quanto o primeiro. O beijo, então, devo pô-lo a salvo de tais considerações.
Todo mundo lembra o primeiro beijo, já o segundo quem o lembra?
Cinco dias. Em cinco dias as coisas se repetem. Acordo às
sete da manhã, tomo um duche, escovo os dentes, visto aquela fardinha ridícula
à escuteiro, corro para a parada, pego o ônibus até ao trabalho...
Começou segunda-feira, vinte de junho, cinco horas da manhã
tocou o telefone. Levantei-me rápido, assustado, “pode ser alguma coisa com
meus pais, eles são velhos, doentes”, atendo, “alô, alô”, e nada, ninguém fala,
silêncio absoluto, respiração leve. Insisto mais um pouco até alguém desligar
do outro lado.
Hoje é sexta. São dez da manhã. Não fui trabalhar. Terça,
quarta, quinta, sexta, o telefone teimou em acordar-me. Brincadeira chata, de
mau gosto, recuso-me a acreditar que algures no mundo existe alguém tão imbecil
que se lembre de me aborrecer todos os dias às cinco da manhã. E, por que eu?
Não poderia ter sido outro o escolhido? Eu nunca quis, Deus sabe, ser o
escolhido, o eleito. Se me puderem deixar sozinho comigo mesmo sou feliz.
Trim! Triiim!
Hesito. Ainda fico meio na dúvida entre levantar-me ou não
levantar. Nunca ninguém me liga e estou tão bem enrolado nos meus cobertores.
No máximo será minha chefe reclamando da minha demora. Chefe é como telefone,
chato, repetitivo, fastidioso. E hoje é um dia diferente, daqueles que poucas
ou nenhumas vezes se repetem. Hoje não vou. Para todos os efeitos estou doente.
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