segunda-feira, 28 de outubro de 2019

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O sentido das coisas,
onde o achar, senão nas próprias coisas?
Ou algo está por trás
da rumorosa vida de um inseto,
da quietude da flor, do meu espanto,
vivendo-nos tranqüilo,
e cada dia que passa nos absorve um pouco?

Ou nos reabsorve apenas?
Ou já fomos num antes de nos sermos,
a que aos poucos voltamos?
Voltamos de mãos limpas, silenciosos.
O que vimos foi pouco e não bastou,
como o êxtase não basta,
e não basta a memória de ter sido.

As coisas não esplendem,
e nós somos apenas um reflexo
imperfeito do oculto,
como o rio reflete fugazmente
a delicada sombra de uma fronde,
movendo-se tão alta,
que embaixo só memória dessa altura
fosse o reflexo na água.
As coisas têm um brilho para dentro,
que lhes é inerente,
do mesmo modo que o homem tem uma alma,
e não entende, e vive
num vazio de quem a não tivera.

Ele, no entanto, que arde.
Ele, no entanto, que ama e se devota,
como o não faz um bruto,
nem ave, ainda a mais bela e delicada,
nem planta ainda a mais tenra e mais sensível,
nem nuvens, que só passam,
livres de amor, de sonhos e cuidados.

De Marly de Oliveira

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