terça-feira, 29 de outubro de 2019

Eterno baile de máscaras


Esse é um trecho da introdução, e uma singela homenagem aos meus amigos barnasianos:



Antes de proceder ao projeto de pesquisa propriamente dito,
caro leitor, ou leitora, é imprescindível que você subverta sua percepção de realidade. Para isso você vai entrar em um bar. Mas este não é um bar qualquer e, portanto, você precisa conectar-se a um dispositivo eletrônico com acesso à World Wide Web. E deve logar-se à uma rede social. Feito isso ache um ícone de livro. Se tiver dúvida, ao lado do ícone estará escrito “Bar do Escritor”. Um clique e você estará dentro.
Não se preocupe, você pode entrar sem se fazer notar. Aviso, porém, que este ambiente é sedutor, e qualquer interação cativa. Não caia na tentação de tecer qualquer comentário. A Palavra, nesse bar, é equivalente às sementes de romã ingeridas por Perséfone: um vínculo permanente com o inferno de germinar poesia, de engendrar a prosa cabal das almas, e o diálogo com as profundezas. Interação perpetrada e você só poderá sair à luz da razão pelo tempo estritamente necessário
ao suprimento das necessidades mais básicas, sendo a mais
importante delas prover condições de pagar a conta da Internet. Uma vez proferida qualquer palavra, surgirão frequentadores, avatares irrompendo na virtualidade. Você precisa passar por eles. É um teste, fique ciente. Mas é tudo cena. Não se deixe assustar por esses bebuns (que é como eles se denominam na fanfarra). Logo você reconhecerá suas vozes, ansiará pela presença deles, adotará seu léxico e sentirá orgulho de ser mais um barnasiano ou barnasiana (que é como eles se denominam em despretensão solene). Já não parece tão ruim, não é?
Mas pare! Não aja antes de saber que este é um bar criado à imagem e semelhança dos seus melhores sonhos, um bar encerado, polido e ornamentado pelos melhores artífices da irrealidade, e no qual todos cumprem a lei de beber até cair nos braços da Musa. E a ressaca...bem, você já assistiu ao filme Matrix? Pois é, “bem vindo ao deserto do real”.
Se você decidir- ou não conseguir deixar de- exprimir sua
própria perplexidade, saiba que ainda não existe tratamento para adictos desse bar. Será possível levar a vida com alguma qualidade, mas logo você fará de tudo para prolongar a embriaguez, e quando a ressaca vier tentará abrir filiais do bar no deserto do real. Acredite, é certo que você fará. O sintoma mais grave da adicção é arcar com a
produção de livros, na esperança desse artefato mágico prolongar o êxtase e o sentimento de pertencimento ao Bar do Escritor ou qualquer outra rede literária. Em pouco tempo você estará bradando em saraus,militando em praça pública e angariando espaço em feiras e bienais.Vai fazer sim! E vai todo prosa, mastigando a língua e arrotando poesia,
numa indiferença crônica ao ridículo. Pensando bem, não entre no bar. Só leia o projeto. É sério. O projeto.

P.S. : "Eterno baile de máscaras é um poema do F. Celeti, in: IEMINI, Giovani (org), Bar do Escritor- Anarquia Brasileira de Letras. Brasília: LGE


Iriene Borges


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