- Para Lêdo Ivo.
Aqui não se vê vergonha.
A cara do povo é robalo,
Caranguejo, lodo, lama.
O sonho? Como sonhá-lo
Entre a terra decomposta
E o mar? Nunca só suponha
O tamanho da alegria
Das crianças a brincar
Com inverterbrados cães,
Brinquedos sujos de barro,
Cipós, garrafas de plástico,
Camaleão na cabeça,
Atração para os turistas.
Aqui vive a dor quem ama
O peixe fritado em posta,
As picadas dos mosquitos,
As moscas, mormaço, maré,
Camarão, chama-maré,
Lagosta, mexilhão, craca.
A vida apenas é o que é:
Caranguejo aratu, uçá,
Guaiamum... Tudo atolado
No arcabouço das raízes
Aéreas... Graça das garças
A ver o porvir ruir
Rente à predatória luz
Da esperança. O litoral
Biodiverso abriga o tempo
Da promessa, do progresso.
Aqui toda praça pública
É canoé. A luz elétrica
É o farol... De vez em quando
Deuses aparecem cá,
Além das mãos calejadas,
Feitos martins-pescadores.
Os moradores não choram
Pelo leite derramado,
Não cantam a vã vitória
Das sangrentas e sagradas
Guerras
diárias... Seus prantos
São tais
lágrimas crustáceas!
Adriano Nunes
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