Horas a fio a observar o pequeno exército de formigas.
Marchavam sobre a mesa, capturavam migalhas e restos de açúcar, invadiam o pote
mal fechado de geléia. A cabeça apoiada sobre os braços, só os olhos de fora,
bem abertos.
Imaginava.
Persegui-las, esmagá-las uma a uma, afogá-las em leite
quente.
De onde vinham? Esquadrinhava os azulejos à procura da
fresta. Abre-te, sésamo! E se jogasse lá dentro um pouco de álcool, e depois
enfiasse um palito de fósforo aceso pelo buraco?
Imaginava.
Gritos desesperados, as pequenas pernas esturricadas como
gravetos em miniatura.
Imaginava. Só.
Só imaginava.
***
Parada diante da estação, vestida de cinza no tom da parede,
fazia-se invisível. Gostava de ficar ali, oculta no mimetismo urbano,
observando as pessoas.
Iam e vinham aos borbotões. Formigas.
Casais riam juntos, alguns de mãos dadas. Crianças portando
mochilas. Outras, menores, puxadas pela mãe que desfiava aos ouvidos desatentos
algum discurso moralizante. Adolescentes em turbas barulhentas esbarravam numa
velhinha que precisava do corrimão como apoio. Todos disputando a entrada
estreita do trem que, implacável, partia em trinta segundos.
Imaginava.
Do que riria a moça? Que livros, naquelas mochilas? Que
travessura teria feito a pequena que chorava e se lambuzava de lágrimas e
chocolate? O que lhe diria, se fosse ela própria aquela mãe?
Os olhos procuraram furtivamente o mostrador do relógio.
Meia hora de atraso.
Imaginava.
Na trupe adolescente, devia dar-se uma quadrilha: Carlos
amava Dora, que amava Paulo, que amava Lia... A velhinha lembrou-lhe a avó.
Saudade.
Uma hora. Tantos rostos, menos aquele.
Uma hora e meia de atraso. Ele não vem mais.
Imaginava ainda.
Haveria, decerto, um bom motivo. Morreu alguém. Foi
assaltado. Ele próprio podia estar morto. E se jogasse sobre ele um pouco de
álcool e depois um fósforo aceso? Gritos desesperados, o corpo viril retorcido
e carbonizado. Um resto.
Só.
Teria sido um bom encontro, se ele tivesse vindo. Talvez
fossem felizes. Talvez tivesse aprendido a amá-la. Talvez tanta coisa.
A noite caía e mais cinza a cidade mais a escondia, desfeita
de formas junto à rua borrada de chuva e de gente.
A vida passava. Continuava só.
Só imaginava.
Marcia Szajnbok
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