O importante neste conto quase mínimo é que ele traga momentos
muito breves de felicidade, para quem o lê e para quem o escreve. Pode ser
assim. Um homem que, por circunstâncias de uma viagem de carro, deve passar a
noite com sua cunhada numa pousada à beira de estrada, no interior de Minas.
Ambos estão fatigados de uma longa viagem, de Goiânia, onde residem os pais
dela – e ele estava lá justamente buscando um carro –, até o Rio, onde eles
dois moram. Vêm se revezando na direção e agora é ele quem dirige. Estacionam o
carro no pátio da pousada e, como são pessoas modernas, nem precisam dizer que
dormirão no mesmo quarto, pois é tão natural isso, que esses quase parentes
dividam um aposento. Como ela é mulher do seu irmão, seria impensável que os
dois transassem, mas, para evitar qualquer mal-entendido, pediram duas camas de
solteiro, embora estejam as duas camas lado a lado. E avisaram aos respectivos
companheiros lá no Rio, pelos celulares, que haviam decidido passar a noite na
estrada, pois estão cansados.
Quem vai primeiro no banheiro é ele, toma uma chuveirada rápida,
com água morna, depois veste uma bermuda limpa, que trouxe numa sacola, uma
camiseta sem mangas e vai deitar-se na cama que lhe cabe. Ela, ainda vestida,
cruzou com ele em direção ao banheiro, tocou-lhe o braço com um dedo por um
momento infinitesimal de tempo, à guisa de um cumprimento brincalhão.
O banho dela é mais demorado, pois lava a cabeça,
livrando-se da poeira da estrada, depois usa o secador. Por uma pequena fresta
da porta, ele a vê passando para lá e para cá, mas não dá para distinguir claramente
nenhum detalhe de seu corpo. No entanto, pensa nela graciosa, como sempre
pensou.
Pela mente do quarteto inteiro, os dois irmãos e as duas
moças, já se passaram fantasias em que se trocam os parceiros. Apenas
fantasias, pois não são modernos a esse ponto e também temiam o que poderia
acontecer a partir daí. Nenhum dos dois foi fiel na vida aos respectivos
companheiros, mas envolvendo outras pessoas que não irmãos ou cunhados, pois
caso contrário a coisa poderia ser grave, talvez definitiva, cheia de culpa.
Mas ambos estão sentindo um prazer quase inocente com a
intimidade que ora desfrutam. Porém, ele não quer embaraçá-la e cerra quase
totalmente os olhos quando ela sai do banheiro enrolada numa toalha. No quarto
quase escuro, pois há apenas uma luz baça que ficou acesa no banheiro, ela
certifica-se de que os olhos dele estão fechados, como quem já dorme. E pega em
sua maleta de viagem uma camiseta e uma calcinha, e só então tira a toalha do
corpo. Depois vai ao banheiro e apaga a luz.
Agora está tudo imerso num breu tão negro que ela tem medo
de tropeçar numa cadeira ou nas camas. Então vai à janela do quarto, visível
apenas por frestas, e puxa a correia da cortina, deixando a janela um pouco
aberta, para que não sintam calor à noite (ah, deve ser isso). Há algumas luzes
no jardim da pousada, suficientes para iluminar um pouco o quarto e para que se
projetem no corpo muito branco da mulher – através das frestas e da abertura na
cortina – num leve balançar-se, folhas e galhos das árvores do jardim, enquanto
se ouvem os ruídos de muitos insetos.
Com o coração a bater forte, o homem, com seus olhos
entreabertos, vê a mulher nua, as folhas e os galhos se mexendo no corpo dela,
numa espécie de caleidoscópio de sombras. É uma visão magnífica e o homem acaba
por abrir inteiros os olhos.
Intuindo que está sendo espiada, ela olha diretamente para a
cama, ele não mais disfarçando que a observa, mas depois ela finge que continua
a olhar pela janela, de perfil. E sorri, como se fosse para ninguém em
especial. E, em vez de vestir-se imediatamente, pois traz a camiseta e a
calcinha nas mãos, ela se dá um pequeno tempo, para que ele a veja bem,
inclusive de frente e de costas. Depois, com gestos muito sedutores e agora
meio séria, começa a vestir-se vagarosamente, com uma sensualidade ainda maior
do que se estivesse se despindo.
Ambos sabem que nada deverá acontecer entre eles e ela agora
termina de se vestir e vai deitar-se na cama, cobrindo-se com um lençol. Não se
dão nem boa-noite, pois, para todos os efeitos, já deviam estar dormindo. E de
fato ela adormece logo, mas ele não. Conserva a imagem dela na mente e está
muito excitado, mas seria detestável se se satisfizesse sozinho. Preferível
continuar a pensar nela nua, cheia de folhas e galhos refletidos em seu corpo tão
belo e magro: que ele sente como não menos que maravilhoso.
Na manhã seguinte, eles se vestem cada um a seu tempo, ele
no banheiro, ela no quarto, tomam café juntos e seguem viagem. Jamais tocarão
no que aconteceu àquela noite, claro, mas para a vida inteira compartilharão
aquele segredo: que ela se deixou ver e ele a viu, por um breve tempo, que foi
dos mais significativos na vida deles dois.
Quanto aos seus verdadeiros companheiros, terão sentido a
desconfiança, quase a certeza, de que algo se passou entre eles àquela noite,
mas sem saber o que ou como, exatamente. E, enquanto pensavam em
probabilidades, logo após eles dois terem chegado, sentiram um enorme desejo de
foder. E, após o almoço, entregaram-se loucamente a seus parceiros fixos.
O tempo passa e chegou o Natal. Houve uma festa de família e
se deram presentes. Ela deu um livro para ele que, ao abri-lo, viu que era uma
coletânea de poemas selecionados de John Keats, no original. E, com uma voz
inocente, ela lhe disse, com um sorriso angelical: “Você deve conhecer aquele
famoso verso de Keats, não: A thing of beauty is a joy for ever”?
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