quinta-feira, 3 de outubro de 2019


Andava pelas ruas como se estivesse dentro de uma película de plástico. Não tocava ninguém nem era tocado. Via, mas não era visto. Mais: via a si mesmo como se de fora, como num sonho. Dentro de sua cabeça uma voz contínua narrava-lhe o que lhe ocorria, como se tivesse um narrador dentro de si. Ou melhor: como se fosse um personagem, um personagem de si, um outro de si. Ao final das ruas um crepúsculo opaco punha tons de cinza no cenário. Sim, era um cenário -- e ele sentia que não existia fora da ficção. Se o narrador calasse, ele extinguiria-se. Mas isso não lhe causava pânico. Ao contrário: uma paz absurda o entorpecia. A vida podia ser só isso -- uma sensação de não pertencer-se -- e estava bom.

Otto Leopoldo Winck

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