Por Barbara Duffles
Já estava desconfiado há anos. Mas, ao completar seu 40º aniversário, Toby não teve mais como fugir. Definitivamente – e disse isso mirando-se firme no espelho – ele era uma farsa. Que ninguém lá fora me ouça, pensou.
A constatação deixou Toby frustrado. Por mais que, vez ou outra, uma vozinha do além tentava convencê-lo de sua inutilidade, a auto-estima sempre lhe disse que ele era o máximo. Agora Toby sabia que estava mais para mínimo, e as centenas de livros de autores consagrados em sua estante, lidos pela metade ou intocados, assinavam embaixo que ele realmente era uma farsa. Longe de ser o intelectual, o culto, o sensível, características que os outros lhe creditavam, e que ele piamente acreditava.
Rememorou seus textos, escritos desde a adolescência até então, e percebeu como eram rasos. Todos nada mais eram que variações do mesmo tema, as palavras se repetiam, o estilo se manteve, cansativo. Como puderam comprar seus livros ao longo desse tempo?
Lembrou-se do que dizia às mulheres para conseguir dormir com elas. “Além de escritor, também sou pintor”. Fail, fail, fail. Os quadros mal pintados, ou abandonados por fazer no quartinho dos fundos diziam o oposto. Que feio.
Toby agora estava diante de um dilema moral: revelar ou não ao mundo que era uma farsa? Assumir publicamente que é mais raso que um prato de salada, ou seguir fingindo profundidade, causando inveja em amigos, comendo mulheres incríveis, ganhando dinheiro sem derramar uma gota de suor?
Toby não tinha coragem de renegar-se. Não aos 40 anos. Não ia manchar sua existência por isso. Afinal, o resto do mundo, pelo menos a maioria, também é de farsantes. Gente que entra para a história com base em mentiras. Ele é que não ia ser bobo de queimar o próprio filme.
Resolvido o embate consigo mesmo, Toby deu um sorrisinho cínico para o espelho e desceu para o salão, onde acontecia o lançamento de seu mais novo best seller, “A inteligência é para poucos”.
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Barbara
Sem saber o motivo, começou a pensar no próprio nome. Barbara. Repetiu-o algumas vezes, estranhando a sonoridade. Barbara. Barbara. “Nome bruto”, pensou. Olhou-se no espelho e encarou a imagem. “Então essa sou eu”. Não se reconheceu. Reparou em cada detalhe do rosto refletido: olhos, nariz, boca. O buraquinho no lado esquerdo da bochecha. Esta pessoa era ela, assim como era ela o nome estranho repetido diversas vezes. Mas nada lhe era familiar, nem o nome, nem a imagem. Em seu mundo interior, Barbara era uma figura sem forma, uma sensação, um buraco negro que ora se esticava, ora se encolhia. Não tinha rosto, muito menos uma palavra que a designasse. Ela era seus sentidos, era o que enxergava, ouvia, pegava, comia e cheirava. O espelho lhe mostrou um ser desconhecido. Um ser chamado Barbara, que, por acaso, ela era mesma. Muito prazer.
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sexta-feira, 25 de outubro de 2019
O dia em que o farsante encarou o espelho
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