terça-feira, 22 de outubro de 2019


O vento sopra e espalha meus cheiros
Danço no rastro de uma melodia
Giro-me na jira dos dervixes
Penso com o tambor do peito
Digo a melodia do desejo
Ajo onde os olhos põem minhas mãos
Invento o tempo na casca oca e úmida de uma árvore
A umidade e o tempo enrugam minha pele
Ainda que a luz me falte, me restará a voz e minha possibilidade de cantar
Chamo um novo dia na chama da vela, que quase ilumina minha noite
Evoco ancestralidades e tempestades
Toco meu terreiro com pés e mãos nus
Piso o chão sagrado com o inteiro do corpo
Diluo-me em águas e pântanos
O Pentecostes é minha língua de fogo sobre a tua pele
Eu me perfumo com o cheiro agridoce de tuas virilhas
Uma canção profética já me anunciava
Pelo amor me alinho ao cosmo de palavras e sons
Eu te busco em meus pensamentos, palavras e atos
E assim tu estás comigo

Servidão de passagem

Somos e não somos americanos.
Somos e não somos índios, africanos.
Somos, não somos: refugiados
imigrantes, minorias em rede
guetos globais.

Reféns do capitalismo
somos o capitalismo.
Somos, meu bem, seus bens
na periferia da ordem mundial.

Subjugados pela comunicação
neocomunicadores xenófobos
capitães do mato na selva de pedra
nas infovias do silício inválido.

O que deixamos de ser
é algo de abstrato
quando se pensaria concreto.

Algo delicado
de urgente para além da fibra ótica
ainda filamento, ainda Gaia
e a guardiã da memória

agridoce, ribonucleica
impulsivamente humana.

Os fantásticos arranjos da espécie
motos contínuos, perpétuos desastres
extrusão nos vidros
estrugir nas pedras, montanhas

rochosas ao amor.

--
RTD

in: Uma casa perto de um vulcão (Patuá, 2018)

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