segunda-feira, 20 de novembro de 2017

"Invocação de Orpheu"


1.

O canto é minha explicação,
mesmo que diga o que não sei.
Sou o sentido do que se transforma,
do que resiste à petrificação

e não conheço o declínio. Ó vós que ouvis
o que vos diz Orpheu, sabei que tudo
repara o tempo, salvo a morte,
mensageira do escuro, poderosa,
que põe nos corações desde o princípio
seu germe vingador. Nenhuma Fúria
se lhe compara, nenhum sustento é eterno,
mesmo se subtraído à seiva que arde
nas veias grossas do mundo. Sois mortais
e vosso sacrifício há de ser grande,
que nada nos é dado sem o cobro
dos deuses.

Ouvi, no entanto, vós, que a ilusão
buscais sempre na vã agitação:
eu vos ensino a insubmissão do amor,
a inquietude que leva até o inferno
em vida, o êxtase, o delírio. Eu vos ensino
a dor e vos ensino a cólera,
que ela vos salve de vosso destino

menor e implacável. E vos ensino a glória.


De Marly Oliveira

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