“…depressa me canso de mim… olho à minha volta e só vejo
recordações… uma terna claridade invade o meu quarto e me rodeia de mansinho…
já reparei várias vezes: vem sempre acompanhada do silêncio!… nunca soube o
porquê de tal evento… é uma luz difusa, lenta, como que surgindo a medo e com
ela, um opaco silêncio… algo que nada traz a não ser paz… mas trazê-la já é
bom… e é nesses momentos que me sinto só… e sabem porquê?… porque não tenho com
quem partilhar esse momento!… algo que sempre desejei fazer um dia na minha
vida: partilhar a minha solidão… dizer a alguém: “…Vês?… Estás a ouvir?… A
minha solidão está aqui, é isto que vive aqui comigo… Entendes?…”… mas nunca
consegui e nunca o consegui porque nos momentos em que a solidão me visita eu
nunca estou acompanhado… engano, estar acompanhado estou mas apenas de mim
mesmo e dessa luz e desse silêncio… já somos três… estendo-me então no leito
dessa luz e deixo-me levar pelo barulho do silêncio que me invade… nunca é
tarde para experimentar novas sensações, só que esta é já demasiadamente minha
conhecida e então apenas nos olhamos e nos aceitamos mutuamente… nada mais
fazemos senão partilhar aquele momento, uma partilha a três numa solidão
solitária de um só… estendido nela e com o silêncio deitado a meu lado, olhamos
o tecto que lentamente se separa de nós em tons de cinzentos cada vez mais
escuros… passo os braços pelo silêncio e aperto-o de encontro ao meu peito…
sinto o seu respirar lento e compassado… é um som simpático, eu sei, mas ao
mesmo tempo ousado na medida em que invade o som do bater do meu coração… e o
silêncio deixa de ser silêncio para ser um baque surdo ritmado aqui, ao meu
lado, deitado… no entanto, continuo abraçado a ele e ele sente-se bem porque
acarinhado… é um abraço puro mas forte… ingénuo mas apaixonado… é apenas um
abraço de silêncio compartilhado num leito de claridade a escurecer em lentos
tons que tem o anoitecer… porém, já quando o tecto se separa de nós e nos
abandona entregues que ficámos à luz das trevas que entretanto nos envolvem, o
silêncio se aperta contra mim e me possui… penetra-me fundo e a respiração
torna-se ofegante, sufocante… o que até então era um prazer compartilhado passa
a ser dor e algo que corrompe… penetra-me cada vez mais fundo e a dor aumenta…
o bater e o som do meu coração ultrapassa o silêncio que entretanto se esvai
num orgasmo de sons delirantes de espasmos gigantes que se avolumam dentro de
mim… o tecto já não existe, a obscuridade ainda persiste com mais intensidade…
é um estar sem vida, sem morte e sem idade… apenas habita em mim numa eterna
cumplicidade… respiro o espaço que me rodeia… e a escuridão cai sobre tudo e me
envolve como uma teia… já tenho mais uma companhia… o doce sono vem de mansinho
amparar meu corpo e cobre-o com carinho… adormeço lento, extenuado de tanta
amargura, numa vã procura do próximo amanhecer que de novo me vai trazer o fim
de tarde, neste terno ciclo de amor e ódio em que espero pela eternidade…”
Joaquim Nogueira
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