terça-feira, 31 de janeiro de 2012

"Qualquer idéia que te agrade,
Por isso mesmo...é tua.
O autor nada mais fez que vestir a verdade
Que dentro em ti se achava inteiramente nua..."

Mário Quintana

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Pedem-me um poema
um poema que seja inédito,
poema é coisa que se faz ven
do,
como imaginar Picasso cego?

Um poema se faz se vendo,
um poema se faz para a vista,
como fazer o poema ditados
em vê-lo na folha inescrita ?

Poema é composição,
mesmo da coisa vivida,
um poema é o que se arruma,
dentro da desarrumada vida.

Por exemplo, é como um rio,
por exemplo, um Capibaribe,
com o Tejipió, Jaboatão.
Para fazer o Atlântico,
todos se juntam a mão.

Poema é coisa de ver,
é coisa sobre um espaço,
como se vê um Franz Weiss-
man,
como não se ouve um qua
drado.

João Cabral de Melo Neto

Cordel

O homem religioso
Que quer seguir para a luz
Não deve entrar na política
Pois dobra o peso da cruz
Por fim vai sair da ética
Da santa lei de Jesus.

Minelvino Francisco Silva.

Cordel

Cada vida é um destino
De inpenetrável sigilo
Não há na terra quem possa
Desvendá-lo ou corrigi-lo
Somente o Divino Mestre
É quem sabe defini-lo.

Expedito Sebastião da Silva.

Cordel

Não se engane com o mundo
Que o mundo não tem que dar,
Quem com ele se iludir
Iludido há de ficar.

João Martins de Athayde

Cordel

A humanidade campeia
Nutrida por um consolo
A mulher não quer ser feia
Nem o homem quer ser tolo.

João Martins de Athayde

Cordel

A esperança do pobre,
Quase toda é vice-versa,
O peixe cai pela isca,
O velho pela conversa,
A galinha pelo milho,
O pobre pela promessa.

domingo, 29 de janeiro de 2012

A MOAGEM DO FERRO E A PELANCA POÉTICA

Breves Considerações Acerca dos Açorianos

Marcelo Backes

Tenho tudo a perder, nada tenho a ganhar a não ser minha liberdade de dizer não. Fui eu que não recomendei a publicação de Como se moesse ferro de Altair Martins pela Editora Mercado Aberto. Depois disso, o autor lançou seu livro “cooperativamente” pela WS Editores e alcançou a glória de ser indicado à finalíssima da Categoria Contos do Prêmio Açorianos de 2000. É fato. Publicada no início do ano 2000, a coletânea de contos causou histeria na província e fez do autor um meteoro nos céus da literatura sul-rio-grandense. Charles Kiefer chegou a dizer que “Humano”, o mais bem-acabado dos contos do livro, é um dos três melhores da literatura gaúcha de todos os tempos.
O livro é mediano, vá lá. Ao já referido “Humano” eu inclusive – inclusive eu – alcanço adjetivos de muito bom com algum esforço. Mas tem algumas imperfeições e excessos e não pode, portanto, estar entre os três melhores da literatura gaúcha. “El espectro del sex appeal” e “Como se moesse ferro”, o conto que dá título à coletânea, chegam a ser bons, mas os restantes não passam de medíocres. Como obra, a coletânea se evidencia um ramo torto do realismo mágico, viciada de verborragia até a medula.
Se tem a virtude de tentar fazer algo psicológica e lingüisticamente novo na província, fugindo à temática histórica e alicerçada no enredo que caracteriza a literatura do Rio Grande Sul, Altair Martins está longe de ter alcançado êxito na empreitada. Esta é, inclusive, uma limitação que tem a ver com idade e obra, à qual poucos conseguem fugir. Não fosse a histeria tão grande, aliás, e eu me calaria. Afinal de contas, Como se moesse ferro é o primeiro livro do autor. Sendo como é, no entanto, algumas coisas tem de ser ditas para o bem do critério nas letras rio-grandenses.
Veja-se o conto “Humano”, por exemplo. Ele é bom mas não pode estar entre os três melhores da literatura gaúcha. E nem estou falando da dezena de contos de Sérgio Faraco melhores do que ele, do Negro Bonifácio de Simões Lopes Neto, de alguns contos de Dyonélio Machado; também não estou pensando em Aldyr Garcia Schlee e Moacyr Scliar – que nem sequer comparecem à lista kieferiana –, nem citarei contos de Lourenço Cazarré, Fernando Neubarth, Cíntia Moscovich e Amílcar Bettega Barbosa – para mencionar apenas alguns –, que tem contos melhores do que o “Humano” do Altair. Na mesma intenção, nem penso em citar os gaúchos que publicam sua obra fora daqui, como Fausto Wolff e Flávio Moreira da Costa, para contestar o julgamento de Kiefer. Quanto ao próprio Kiefer, contista premiado, eu me furto de lembrar seu nome, uma vez que ele próprio se auto-exclui da nata.
Fato é que “Humano”, de per si e tão-só pelo jeito que inicia, deveria ser sumariamente eliminado de qualquer lista tão sumária. Ora, principiar um conto repetindo três vezes o mesmo parágrafo – o que ademais sintetiza o excesso sengraçante do livro –, para em seguida declará-lo ruim numa piada auto-referente é pra matar. Se o que se vê depois supera o bom, ainda se vê excesso dispersivo. Eu sou daqueles que afirmam que frases curtas podem ser, muitas vezes, veículos de idéias curtas, mas isso não me leva a aprovar frases inteiras sem sentido, que não fedem nem cheiram para o enredo de um conto e muito menos para a história da literatura gaúcha. Falo de construções como: “Pois que naquela noite quente ele sentiu-se tão humano quanto a casca do fruto do limoeiro”. Tá, e daí? Depois disso, e ainda no mesmo conto, há imperfeições miúdas como a inversão de “já” e “até” na frase: “E enfim, vendo-o, ela já até gostava daquela dorzinha miúda”. Ora, invirta-se o “já” e o “até” e se verá como a frase adquire mais força e ritmo! Há outros excessos, mas há também frases de talhe esbelto, como “não cobriu a ferida da mulher com seus olhos pretos”. Mas ser um dos três melhores, barbaridade...
Mesmo no premiado conto “Como se moesse ferro” há excessos, redundâncias nefastas, metáforas pueris, humor sengraçante e pelanca poética por toda parte. Ou alguém vai dizer que a frase “Saíram da igreja em uma nuvem de feijões, porque o homem que batia ferro não gostava de arroz” é um achado inteligente, de humor adulto?! E na metáfora “o esmeril de sua pesada manápula”, então... Quem se atreve a declarar que o adjetivo não matou boa dose da poesia numa redundância tola! E o final do conto? Aquela brincadeira é uma facada no próprio ventre. No mais, as aliterações nauseabundamente excessivas estão longe de ser poéticas, e eu me furto do exemplo pela falta do espaço.
Nos outros contos há trocadilhos bobos como aquele que se refere a João Abelardo, o “Chefe de família” – um conto aliás previsível. Ora: “Caminha até com moderação. Embora falasse, não saberia como moderar um só verbo”. Isso chega a ser pueril! Por vezes, Altair destrói seus achados na prática do excesso, na verborragia, na gordura engordurada da poesia em prosa, ele diria. Uma frase como “João Abelardo poderia ser outro homem, sem pedras nos rins” seria boa, não viesse acompanhada do excesso repetitivo de “sem pedras nos rins, sem pedras no sapato, sem pedras no sofá e na cama da casa”.
Nos demais contos, que vão no meio-campo da obra, vê-se a ruindade daquilo que chamei de ramo torto do realismo mágico. São aglomerados de sensações sem sentido, às quais se arranca qualquer senso de realidade  sem lhes dar um subsolo consistente de mito ou de psicologia. São amontoados de palavras altissonantes, coloridas a força, sem função em si e no contexto. De exemplo: “A roupa era sempre a mesma, de um branco que, com o tempo, passou a ser branco luminoso e perturbador. Era como se ele esperasse, calmo e seguro de si, uma hora sem hora marcada, que viria, sem cor ou branca”.
Voltando ao Prêmio Açorianos do princípio, é impressionante o número de livros que a WS Editores pôs na Final do Prêmio, derrubando editoras tradicionais como L&PM e Mercado Aberto. Nas categorias Conto e Narrativa Longa, três dos quatro finalistas foram editados pela WS e um pela Editora da Universidade.
Eu sou claro e direto, caro leitor, e nunca escondo as cartas da intenção na manga da situação. Por isso sou obrigado a dizer que a brasa da Mercado Aberto queimou sob meu assado em 1999. Mas que fede de estranho o fato de O dia em que o papa foi a Melo de Aldyr Schlee não ter aparecido na finalíssima da Categoria Contos, bem como o fato de Viagem aos Mares do Sul, de José Carlos Queiroga, não ter figurado na finalíssima da Categoria Narrativa Longa, ah, isso fede! A ausência do livro de Schlee – grande contista, miseravelmente esquecido por Kiefer em sua lista “entendida” –, imagino que tenha sido pelo fato mui significativo de ter apenas dez por quinze (em qualidade e unidade a obra supera Como se moesse ferro do apostrofado Altair). Já na Categoria Narrativa Longa, dá vontade de calar a boca e descansar a pena. Agora que Viagem aos mares do sul foi deixado de lado, no entanto, sobra dizer que dois dos maiores romances da década nem chegaram a ser indicados para a final do mais afamado prêmio literário do Rio Grande do Sul. Falo do já referido romance de Queiroga e de Tratado da altura das estrelas de Sinval Medina. Menos mal que o último alcançou justiça com os muito mais palpáveis 100 mil de Passo Fundo. Queiroga, provavelmente, será lançado ao esquecimento. Com isso não estou questionando a autoridade de um dos eleitos na Categoria Narrativa Longa, só de outro. A torta de girassol de Rosângela de Mello é, este sim, um livro novidadeiro, sobremaneira interessante e merece estar na final. Mas Lâmina Cega de Luís Dill é tão-somente um livrinho bom e até redondinho, como outras tantas e dezenas lançadas no Rio Grande.
Estou curioso para ver até onde vai a histeria na província. Vá lá saber, contudo, o que a eloquência de tantos louvores, capas e orelhas (tenho de dizer que a avaliação de Sergius Gonzaga na orelha do livro é equilibrada, faz reparos, é comedida e, de longe, a mais acertada que li até agora) pode alcançar. Mas isso é de direito e pode ser feito. A influência do “Clube do Livro”, mais uma vez unido para exalçar uma obra, que tem o agravante de nem ser grande coisa, tem de parar por aí. É definitivo: na busca coelhonetiana de produzir Rosa, a moagem do ferro deu pelanca poética.

sábado, 28 de janeiro de 2012

Escribas

É noite
calçadas acordadas
fingem-se mortas
esparramadas

na palidez da lua
tardios versos são injetados
boêmios aos goles
cantam a nudez da rua

à noite
segredos regulam as mentes

quantos serão os devotos das
sarjetas
que anoitecem heróis
para despertar poetas.

Maira Vicenzi Knop.RS

A embarcação da vida

A embarcação da vida
leva muitos passageiros.
Para uns é longa, para outros,
breve é a travessia.

Rápida como o vento,
ela singra o mar do destino
sem prestar atenção à onda
traiçoeira
que, pouco a pouco, dia adia,
vai se apoderando
de incautos passageiros.

a cada escala,
novos viajantes
vão se alojando,
os lugares vagos, ocupando
e ela nunca fica vazia.

Lá vai ela, flutuando
e, em seu bojo, vamos nós
até que, um a um,
sejamos tragados
pela gigantesca onda
do destino.

Antonia Nery Vanti (Vyrena). RS

A Teoria do conto e a bola

"Fazer um bom conto é como costurar uma bola de futebol.As costuras  têm de estar por dentro , o número de elementos , de gomos, deve ser o exato para dar forma ao círculo, você vai juntando, costura, ajusta  e no final do arremate, aquele bico para encher a bola, vai para dentro e você olha e ela é um círculo perfeito. "
Charles Kiefer. RS
Autor de A Poética do Conto.
No 33° aniversário, da morte do meu pai, um pássaro entrou na minha casa. - Bom dia pássaro o que você quer de mim? O pássaro deu algumas voltas sobre a minha cabeça, cantou algo que não consegui traduzir em língua humana e foi embora com suas asas de memórias. Nós fazemos as poentes entre uma coisa e outra? Por que o mistério do infinito fica bicando nosso cotidiano aqui e lá. E eu que achava que já tinha aprendido suficientes línguas estrangeiras
procuro agora uma escola chamada "Passaredo".


Glória Kirinus

Rock'n curitiba

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Pensando nas visitas inesperadas que recebo: um dia, uma lagartixa na parede do meu quarto. Outro dia, um passarinho de bico azul bicando minhas gavetas e ainda um besouro rinoceronte disputando o espelho comigo. Pode? Mas a história não termina aí, a galinha equilibrista da minha vizinha e o galo garnizé (é assim mesmo que se escreve?) do vizinho resolvem marcar uma conversa no meu quintal. Não, a história destas visitas não termina aí...Formigas apressadas ensaiam desfile, bem antes do carnaval, no tapete da minha sala.
Gloria Kirinus

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

sábado, 21 de janeiro de 2012

A Morte e o Beduíno

Não sou dos que veem no deserto um portal entre o céu e o homem, entre o inferno e o homem, embora ninguém duvide de que se trata do mais dramático e importante "teatro de religiões". A coisa me parece bem menos grandiosa; tenho fé em que seja bem mais simples e difícil e solitária: o deserto, imensa pátria baldia, é também um portal entre o homem e sua morte.



Seríamos deuses se não morrêssemos; não haveria necessidade de criá-los. (Recentemente, ouvi de Amós Oz algo de profunda exatidão inventada: Deus não acredita em religiões.) Atravessaríamos o deserto como quem vai entre árvores frutíferas e jasmineiros.

E se eu dissesse que o deserto é o mar que perdeu tudo, que perdeu rigorosamente tudo senão a fome feroz da existência, estaria falando apenas de um outro deserto que é a alma humana. E estamos sempre falando de um outro deserto que é a alma humana.

Por isso, paupérrimos, mesquinhos, os desertos são de tal maneira luxuriantes. Não existe espaço alegórico melhor, melhor geografia afetiva para nossa condição banal e extrema: quem pisa o deserto é de imediato um moribundo – não há quem pise o deserto sem que caminhe, coma, durma e ame à beira da morte, debaixo de um céu belíssimo e indiferente.

Digo isso tudo para dizer o contrário: mas, quando são sinônimos perfeitos imaginação e memória, tudo pode ser rápida e incoerentemente, como que por ventos contra-alísios, posto do avesso. Um exemplo, a fábula árabe que invento agora:



Tempo mítico, a areia emperrando o mecanismo do relógio, veio a Morte em missão ao deserto da Líbia. Buscava um certo beduíno, pouquíssimo visto, esquivo, reputado imortal pelos rumores. Por três anos e três noites (na medida arbitrária da eternidade), a Morte rastreou e farejou-o. Leu pegadas, deteve as caravanas, comeu carne de cobra e gafanhotos, bebeu água de cacto, cuspiu areia, espreitou semanas em oásis, chamou-o pelo nome...



As crianças tuaregues cantavam nas travessias



– a Morte te alcança

imortal beduíno

sob a luz da lua

sob o sol a pino –



os versículos de um arpoador de estrelas.





Jamais conseguiu alcançá-lo, nunca a menos de duas ou três horas de distância. Ainda assim, seu olhar agudo viu-lhe rebrilhando, quilômetros à frente nos gigantescos bancos arenosos, o alfanje prateado – de tão longe e perto, a Morte,

al-quebrada, às vezes tomou por vésper ou farol o brilho daquela lâmina.

A insolação por fim começou a enlouquecê-la. Dizem ainda que a areia é capaz de amontoar-se, frestas microscópicas adentro, na caixa craniana, na cava das órbitas, e parir um escorpião minúsculo que arruína a visão e ferroa o juízo. A Morte, derrotada, sentou-se nas areias, sorriu idiota contra a lua. Abandonou-se ali, agudamente viva, latejando. E hoje passa os dias, em pleno deserto, com modos ridículos de gaivota...



Se o desfecho das fábulas deve ser edificante, o vento prossegue edificando suas dunas (ou muros somente dos grãos dispersos de areia). E se fosse o nada, apenas ele, a moral da história?



***



Em tempo: suponho que o tal beduíno há muito já é morto; morte de outra qualidade, diga-se, debaixo do mesmo céu belíssimo e indiferente: arquetípica, encenada – um suicídio? de cujas minúcias e conclusão sabe-se apenas que não restam ossos.

Os mais exaltados, no entanto, juram que sempre fora e será o Vento. O vento vestido, sua carne mais fina que a cambraia mais fina. Túnica e turbante vazios flamulando no lombo de um cavalo.



Rodrigo Madeira




Elis Regina

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

A flor dentro da árvore - Bárbara Lia



A reinvenção de Bárbara:
não vim quebrar as pernas do sol


Se você está aqui, amigo leitor, devido ao bonito título desse novo livro da poeta e romancista Bárbara Lia, A flor dentro da árvore, saiba que a mim ele atraiu. Uma coisa dentro da outra, de múltiplos sentidos, nesse caso também define a concepção do volume. A partir da leitura da epígrafe da poeta Emily Dickinson (1830-1886), que inaugurou junto com Walt Whitman a moderna poesia norte-americana, o leitor pode desconfiar que os títulos dos poemas, sempre entre aspas, sejam versos, ramos de Emily, e se o faz, acertam em cheio.
O que nos poetas costuma ser um dos rostos do acaso, parir versos a partir de um trecho de leitura, Bárbara sistematiza, poema a poema, e com voz própria. Emily, assim, figura como uma paixão inseminadora. Não que seja a única: poetas, escritores, músicos, artistas plásticos, filósofos, seres míticos e ficcionais são citados, como se de todos a poeta e a obra necessitassem para existir.
Com voz forte e corajosa, Bárbara diz a que veio: “Não nasci para resfriar o mundo/ Neste lento cortejo de omissões/ (...) Não vim quebrar as pernas do sol/ (...) Nasci para amar sem lastro/ Para dançar no pátio/ It’s my way” (“Até que os serafins acenem com seus chapéus brancos”). E pugna pela transparência diante do outro: “Teço/ Um ego-vidraça/ Para que enxergues/ Meu Eu// Teço/ Uma nuvem lassa/ Cortina que qualquer mão/ Atravessa// Teço/ Um hímen de fumaça” (“Uma migalha de mim”).
Bárbara dá a ver como um mero sinal impacta: “Til a til emendados/ Sinuosa corda/ Negra/ Infinita// (...) Til a til retirados/ De cada não/ Que ouvi na vida”. Contudo, a voz lírica não se submete: “De não em não/ Alçar estrelas” (“Rota de Evanescência”).
(...)
- fragmento da apresentação do Sidnei Schneider - Poeta, tradutor e contista. Autor dos livros de poesia Quichiligangues (Dahmer, 2008), Plano de Navegação (Dahmer, 1999) e tradutor de Versos Singelos/José Martí (SBS, 1997).


***



“Até que os serafins acenem com seus chapéus brancos”


Não nasci para resfriar o mundo
Neste lerdo cortejo de omissões
Estas palavras interditas
Suspensas

Não vim quebrar as pernas do sol
Silenciar cada bemol
Não vim para arrebentar o anzol
Do velho de Hemingway

Sou mar e trovão no coração
Nasci para amar sem lastro
Para dançar no pátio
It is my way

Bárbara Lia
A flor dentro da árvore (2011)

Trens Triturando Trilhos - Poesia


Leitura da poesia - Trens Triturando Trilhos - Osasco 2006: Bárbara Lia - gravação de Thais Sakasegawa

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Três mulheres


carregavam filhos de sal

que se desfaziam na chuva

Assis de Mello
estrelas


sondam

dos olhos de um sapo

Assis de Mello

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Ouvindo o silêncio

O silêncio fala por mim
nas entrelinhas
das estrelas cansadas

O silêncio esmaga
a garganta dos justos
fere a consciência
dos que não querem sorrir

O silêncio severo
desagrada as flores
amantes

O silêncio pleno de vozes
grita a bondade
dos crentes
de almas sedentas de luz.

Alvina Tzovenos. RS
A poesia existe nos fatos.Os
casébres de
açafrão e de ocre
 nos verdes da
 Favela, sob o azul
cabralino, são
fatos estéticos.

Oswald de Andrade

Ricardo Pozzo recita seus poemas no Wonka Bar no lançamento de seu livro

Habeas Corpus

Amei em legítima defesa
seu corpo de delitos,
Seu olhar que me deu voz de
prisão ...
Fui álibi de uma beleza criminosa
que tomou minha vida como
refém,
Me sequestrou o coração.
Violou minha libido de reputação
ilibada,
A sangue-frio atirou-se contra
mim à queima-roupa e
Depois evadiu-se, abjurou,
Destino ignorado e incerto:
Me largando na cena do crime,
Sobre a cama em decúbito
dorsal.
Hoje me encontro aqui em sursis,
Esperando um habeas-corpus
Pra todos esses anos de tristeza
que eu paguei.

Dr Pashion/PHD-HLP

O Álibi da Libido

Havia naquela sala outra pessoa
que se deitava e salivava
debruçada sobre mim.
Se alimentava de pele morta dos meus
dias e regorgitava meus desejos.
Prometia e voltava
cometendo sempre o mesmo crime
imperfeito e com-sentido,
tornava a me violar e distender
o hímen de homem complacente.
Trazia entre os dentes um ritmo
impróprio e eletrificava meu dia,
tinha o cheiro das minhas horas mal
passadas:
Me re-metia, aos poucos, pelas portas
de um porto , pelo parto de cada
manhã.
Pipocava seus fogos fictícios
no céu escuro dos meus orifícios,
da minha cabeça silenciosa...
Estalava meus ossos na arte do ofício
na arte do artifício...
Na alma fria, intocada, me
entocava...
Embócava lava, aliviava, alinhava,
conspirava contra minha dor,
transpirava e me inspirava,
expirava e respirava meu amor,
me provocava sua9s) dores.
Me levava a matutinas ereções
solares...
Me pegava no colo,
me pegava na veia
pegava no nervo exposto,
no músculo,
maiúsculo,
nervo másculo...
Expandia os sentidos
em todos os meus sentidos,
E era tanta a falta de sentido,
que ressentido
ficava sentado com os sentidos todos
embaralhados...
fazia-me coo-romper o verso, o
orgasmo,
subverter o verbete,
romper o verbo,
(verborragia)
derramar a rima.
Provocando a combustão espontânea da
emoção,
Incitando as minhas carnes ao fogo-
fátuo,
Excitando ao jorro farto do tempo
ejaculado.
Permitindo paz e prazer pulularem
a esmo num mesmo pequeno corpo
cansado...
E numa boca fria, ressecada, pingava,
fazia,
passava sua língua quente e afiada,
molhada de poesia...

Corazón H Lopez


Paradeiro

Se te endureces a artéria cômica,
Se te entopes a veia poética,
Se te estancas o nervo
simpático,
Se te esclerosa a prematura
prosa,
Se brochas assim que
desabrochas...?
-Autópsia na alma!
Na poesia, epilsepsia,
Hérnia na métrica,
Verrugas  no verso...?
-Necropsia nas fantasias!
Na trova, atrofia
Na rima arritmia ?
Ultrasonhografia!
(Chek-up para que
nada escape ) !
-Acudam,
o Profeta mudousse!
-Vejam,
o Menestrel se fez de surdo !
-Absurdo,
o Visionário se fez de cego !
Não há mais cavaleiro
andante,
Errante, sem corcel,sem
berrante;
Perdeu o fio da meada,
(Quixote que se lança
e na ponta da lança só
esperança),
Cadê Sancho Pança?
Quem deixou de castigo a
criança 
que caía em si fazendo tanta
estripulia,
estancando a sangria por
onde escorria
tua alegria?
Quem tapou o furo
por onde vazava
teu futuro ?
Esqueceram de te avisar
e decretaram o teu fim?
Como eu te acho,
quando te procuro
e não te encontro mais em
mim ?

Netinho

Livro do Ricardo Pozzo

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Quando o silêncio só se ouvia
uma face diante o outro se esquecia
na voz muda da exclamação fechada
pesando chuva de tijolos.

Vazio amedrontador disparando sudores
das trêmulas vontades.

Ora qual o carinho de uma voz conhecida
cobrindo o sentimento com o alento de um sorriso
beijando a luz de um olhar com a palavra amor
voando para longe num afeto.

Suicídio tolo a inação que a vontade confere àquele que muito deseja.
O silêncio torna-se noite em meio ao abismo
e as palavras sombras que se ocultam nos escombros
de covardias vis
na desconstrução dos dias que não mais amanhecerão.

Era só tocar-lhe o rosto que o rosto lhe falaria as mãos.

Uma taça meio vazia meio morta

cinzas nesse papel velho

vida que voava sem jamais

ter conhecido asas

Wilson Roberto Nogueira

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

A roda do tempo vai levantando areia
e cada grão é soprado pra tão longe.
Mas continuam sólidos na memória do tempo.

Wilson Roberto Nogueira

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Fugaz

O tempo tem passos largos
e carrega tantos dezembros
que não sobram horas
para caminhar
sobre as conchas.

É impossível
alcançar os pássaros
tatuados no céu.

Tudo é tão rápido
e fugaz !

Linney Jeanne Palma. RS

Marcha da camisinha

(ou o soneto em que os feios justificam os fins)

carnavla, suor, balões de camisinha
peidos de confetes , espermas em serpentina...
entre tantas, a sua máscara
me chama de meu príncipe !

maquiavélica, você soletra
o mau hálito dasmarchinhas.
sei que os feios justificam os fins
e uma de Vênus... você quer dar !

bêbada de tantas fantasias,
botou uma camisinha listrada
na minha perna de pau de pirata e...

(aí a poesia escapole)

finjo ser um sacerdote
enquanto você roga
dentaduras para espermatozódes !

Jorge Barbosa Filho
Quando o silêncio só se ouvia ,uma face de fronte a outra se esquecia

na voz muda da exclamação fechada pesando chuva de tijolos.
Vazio amedrontador disparando suores das trêmulas vontades.
Ora qual carinho de uma voz conhecida cobrindo o sentimento como alento
do sorriso a beijar a luz do olhar com a palavra amor voando
para longe um afeto.
Suicídio tolo a inanição que a vontade confere a quem muito deseja
vontade sem braços chama a queimar sem dar sinal de vida
até que vida não mais haja.
O Silêncio torna-se noite em meio ao abismo e as palavras sombras que se ocultam nos rochedos.
Tocaia de lobos adagas prateadas na escuridão fantasma da covardia
Palavra proscrita que derrama o fogo nas entranhas até ecoar no vazio das luzes que vagam
ocultas em rochas que cobrem as covas de amanheceres de Sol.
Era só tocar-lhe o rosto que o rosto falaria às mãos que tocarias nas cordas do coração .
Resta uma taça meio vazia meio morta como um vinho que vinagrou

e as

Cinzas nesse papel que voava sem jamais conhecer asas.


Wilson Roberto Nogueira

Dicas para se visitar lugares sem fazer uso de papel moeda ou cartão de crédito

1. Relativizar a distância proposta e escolher entre pegar carona ou o atrevimento de ir caminhando.



2. Vigiar a noite.



3. Repousar de dia.



4. Cuidar para que não roubem seus calçados.



5. Frequentar os melhores restaurantes pela porta dos fundos, de preferência após as 14 horas para almoçar sobras.



6. Improvisar talheres.



7. Perceber que o que é pouco pode tornar-se suficiente pois até a sobra pode faltar.



8. Usufruir o vento no rosto.



9. Discernir que a sobrevivência é feroz apesar de consistir naquilo que é simples.



10. Abdicar do rigor da higiene.



11. Consequentemente, abdicar do flerte.



12. Não frequentar estabelecimentos comerciais pela porta da frente, a não ser que esteja necessitando de adrenalina, porém aguente consequências.



13. Aguentar consequências.



14. Usar do filtro lúdico ao perceber olhares de estranhamento, pois eles diminuirão na medida em que você se tornará invisível.



15. Contemplar estrelas.



16. Ao mesmo tempo, aguçar os sentidos frente aos perigos, ou seja, revitalizar o selvagem.



17. Escolher o coletor; abdicar do caçador.



18. Compreender a diferença entre o desprezo, o menosprezo e a compaixão*



19. Destilar as horas, sabendo que só há o hoje, cingido entre duas refeições [se houver sorte] e um lugar seguro para repousar.





Ricardo Pozzo

domingo, 8 de janeiro de 2012

FICÇÃO - ananse (textos e imagens)


laguinhos brincam de balanço





no crochê de fio de prata





lendo as estórias de Ananse

texto e foto : Susan Blum

sábado, 7 de janeiro de 2012

Atirei um limão n’água
e fiquei vendo na margem.
Os peixinhos responderam:
Quem tem amor tem coragem.

Atirei um limão n’água
e caiu enviesado.
Ouvi um peixe dizer:
Melhor é o beijo roubado.

Atirei um limão n’água,
como faço todo ano.
Senti que os peixes diziam:
Todo amor vive de engano.

Atirei um limão n’água,
como um vidro de perfume.
Em coro os peixes disseram:
Joga fora teu ciúme.

Atirei um limão n’água
mas perdi a direção
Os peixes, rindo, notaram:
Quanto dói uma paixão!

Atirei um limão n’água,
ele afundou um barquinho.
Não se espantaram os peixes:
faltava-me o teu carinho.

Atirei um limão n’água,
o rio logo amargou.
Os peixinhos repetiram:
é dor de quem muito amou.

Atirei um limão n’água,
o rio ficou vermelho
e cada peixinho viu
meu coração num espelho.

Atirei um limão n’água
mas depois me arrependi.
Cada peixinho assustado
me lembra o que já sofri.

Atirei um limão n’água,
antes não tivesse feito.
Os peixinhos me acusaram
de amar com falta de jeito.

Atirei um limão n’água,
fez-se logo um burburinho.
Nenhum peixe me avisou
da pedra no meu caminho.

Atirei um limão n’água,
de tão baixo ele boiou.
Comenta o peixe mais velho:
Infeliz quem não amou.

Atirei um limão n’água,
antes atirasse a vida.
Iria viver com os peixes
a minh’alma dolorida.

Atirei um limão n’água,
pedindo à água que o arraste.
Até os peixes choraram
porque tu me abandonaste.

Atirei um limão n’água.
Foi tamanho o rebuliço
que os peixinhos protestaram:
Se é amor, deixa disso.

Atirei um limão n’água,
não fez o menor ruído.
Se os peixes nada disseram,
tu me terás esquecido?

Atirei um limão n’água,
caiu certeiro: zás-trás.
Bem me avisou um peixinho:
Fui passado para trás.

Atirei um limão n’água,
de clara ficou escura.
Até os peixes já sabem:
Você não ama: tortura.

Atirei um limão n’água
e caí n’água também
pois os peixes me avisaram,
que lá estava meu bem.

Atirei um limão n’água,
foi levado na corrente.
Senti que os peixes diziam:
Hás de amar eternamente.

 Carlos Drummond de Andrade
As árvores perderam as folhas no outono.
Coração de pedra, vento frio, amor eterno.
Toma-me tudo que se espalha pelo chão.
Deito-me de lado, pendo a cabeça,


aguardo


o toque dos seus lábios no branco lírio desse mármore



***



Pela janela

Essa noite

Você



calor do vento
entrou pela janela e
soprou seu hálito
quente
em mim.

Umedeci.



***

Ele faz com os olhos.
Aqui, de longe,
Tremo inteira quando pisca.

Adriana Versiani
(Ouro Preto-MG, 1963).
Co-editora das publicações Dazibao.
Foi co-editora da coleção Poesia Orbital e do Jornal Inferno.
Pertence ao conselho editorial da revista Ato.
Publicou O barquinho pelo mar, A física dos Beatles e Dentro passa

Reflexos

Gostosa. Despertava adormecidos gigantes por onde passeassem suas curvas de artista de cinema mudo, sua cabeleira de cachos, seu sorriso de te encontro logo mais. Passo firme, ombros retos, peitos empinados e a certeza de quem chegou pra ganhar. Tudo e todos. Uma loteria pra qualquer um que soubesse sussurrar ao pé do ouvido o abre-te sésamo daquela caverna onde todos e qualquer um era espeleólogo. Despreocupada pois que a vida nada mais era do que o descompromisso de amores tantos e tão únicos. Tão efêmeros e tão eternos.

Triste. Despertava de sonhos onde artistas de cinema, mudos gigantes, passeavam pelos cachos de sua cabeleira com sorrisos de nunca mais. Passo trôpego, ombros caídos, peitos sugados e a certeza de quem nunca chegaria. Um prêmio de consolação pra quem chegasse em último lugar naquela caverna onde todos e qualquer um era ninguém. Preocupada pois que a vida nada mais era que o descompromisso de amor nenhum. Tão efêmeros e tão eternos.

E, entre elas, apenas o espelho.

 Ro Druhens 
– Escritoras Suicidas
Não vou pôr-te flores de laranjeira no cabelo
nem fazer explodir a madrugada nos teus olhos.

Eu quero apenas amar-te lentamente
como se todo o tempo fosse nosso
como se todo o tempo fosse pouco
como se nem sequer houvesse tempo.

Soltar os teus seios.
Despir as tuas ancas.
Apunhalar de amor o teu ventre.

Joaquim Pessoa

Certas noites de abandono

Certas noites de abandono

Daquelas que roubam o sono

Aquelas que têm lua linda

Noites em que a mágoa não finda

*

Certas noites de abandono

Verões com cara de outono

Serões com cara de ainda

Em que aguardo tua vinda

*

Certas noites de abandono

Pedem colo, querem dono

Mas tua voz me melindra

E a taça já não brinda

*

Certas noites de abandono

Convertem-se então em motim

E eu, triste, assisto ao fim

Desse rei que ora destrono

 Tatiana Alves

EM MEIO À MULTIDÃO

Amante




Em meio à multidão de homens e mulheres
percebo alguém a chamar-me através de sinais secretos e
divinos,
ninguém mais reconhecendo, pai, esposa ou esposo, irmão ou
ninguém mais próximo do que estou;
alguns se confundem, mas esse não – esse alguém me conhece.

Ah amante e igual sem falha,
sabia eu que me havias de descobrir com tão débeis disfarces
e quando te encontrei soube que te descobria pela mesma
coisa em ti.

Walt Whitman

Folhas de Relva





Mas há a vida

Mas há a vida
que é para ser
intensamente vivida, há o amor.

Que tem que ser vivido
até a última gota.
Sem nenhum medo.

Não mata.

Clarice Lispector

Tratado oblíquo da solidão

  1   
(solidão)
sol sem luz
quando se está só e
(avassaladoramente) 
mal acompanhado.

  (solidão)
dia sem sol 
quando se está só 
sem o próprio corpo 
(sua bengala). 

(solidão)
sombra do sol quando se está só
e são  (no mundo)
mudo e morto.

2
comparada à minha, a solidão dos outros
é cortina opaca de banheiro
rosa murcha entre seios lembrança
apagada em lençóis
de gelo.
minha solidão é como um deus
sem cara sem sexo sem tamanho
em um pequeno mundo efêmero.

3

minha solidão é maior do que a (solidão) da minha mulher
do que a (solidão) dos meus filhos do que a (solidão)
dos que ainda não nasceram

minha solidão é maior do que
a (solidão) dos amigos que deixei de beijar
(enquanto eram amigos) maior do que a (solidão) dos inimigos
que deixei de matar
(enquanto eram vivos)

minha solidão é a
(solidão) dos que estão suspensos
entre a lembrança e o esquecimento
sem pontes tapetes arames fios de navalha (nem isso).

6
solidão apavora (ou inspira?)
solidão devora e vomita

solidão enregela (ou dinamita?)
solidão é escuro e ausência

solidão é silêncio (ou abismo?)
solidão é desejo e desolação

solidão é espera (ou suicídio?)
solidão é avesso e abandono

solidão é pergunta (ou escolha?)
solidão é falta e disfarce

solidão é leito seco
de um rio seco rio sem leito
ou leito sem rio
sem corpos úmidos deitados nele?

11
dizem que a solidão
é fumaça de cigarro
numa sala muda

mulher nua
e seu batom
abandonados no tapete 

         luz de abajur
tão distante que a
mão não alcança

homem e seu destino
na escuridão
da página em branco.



23

                            meus filhos longe
         dos meus abraços
         (longe)
         dos meus olhos
         envelhecendo longe
         de mim
         dos meus rios
         florestas
         mares ladeiras
         bares
         cafés da manhã

                            eu tão longe de mim
         dos meus sonhos
         da lua (imóvel)
         na moldura da janela
         da sirene da polícia
         do motor da cidade

                            eu só
         (tão longe)
         a música esculpindo (cenários)
         memórias
         (totens) para a saudade longínqua.


Tonico Mercador, poeta e jornalista, autor de diversos
livros, entre eles Perversos. tmercador@mac.com

Fonte revista electronica Tanto

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Branca de neve esquia,
jura por Deus que não teve aulas.
Aprendeu a escalar vendo cabras
Aprendeu a cantar ouvindo os pás-
saros
Aprendeu a viver
escutando o lamento das pedras.
Agora ela é grande.
Cresceu com a relva.

Alex
Projeto Sêmem do Sol

Brasília

Uma manhã ensolarada chegou como que trazida pelo vento e pelas águas cristalinas. É dia claro e silencioso em Brasília. O lago, a torre, os prédios do poder central, enfim a alvorada. Brasília que fez de meu irmão um homem, mas que também, com seus ares secos, fez dele um menino grande e feliz, trazendo-o de volta com suas memórias e saudades. É Brasília que esqueceu de mostrar a ele a realidade congelada de nossa cidade. Para ele , muitos gritos de dor e marcas passadas foram silenciados pelo movimento ou pelo magnetismo daquelas ruas . Brasília , que não tem geografia mas sim geometria , batizou tantos amores que se foram para lá, a fim de simplesmente sepultá-los e remetê-los novamente ao sul . Não é desta vasta Brasília que falo, mas da Brasília de meu irmão, que me encanta por sua ousadia e frieza , mas que me atemoriza pelo silêncio de sua noite. A Brasília que emprestou sua beleza construída de arquitetura, em forma de felicidade, para meu irmão e ele, por tanto buscar sua paz, soube recebê-la e acomodá-la no local mais confortável que possui: seu coração . Não falo dessa Brasília dos jornais, dos homens e do poder:a Capital, mas da Brasília que sempre me veio romântica e feliz pelas palavras de meu irmão. A Brasília de tantos amigos e abrigos, a Brasília que não está impressa  na insensibilidade de um  mapa , mas a Brasília que, junto com ele, fui descobrindo aos pedaços, um pouquinho a cada dia . Falo dessa Brasília onde finalmente voltei a ver meu irmão feliz: um sorriso no rosto, um amor no coração. Espero que, ao final de cada dia , Brasília seja abençoada e durma em paz, embalando todos os sonhos de quem lá encontrou o que chamam de felicidade e que, no fundo no fundo, é apenas a vida de cada um. Rogo para que, sempre que preciso, como já o fez, Brasília receba meu irmão, renovando-lhe todos dos sonhos e anseios. Uma manhã ensolarada chegou como que trazida pelo vento e pelas águas cristalinas. Era a manhã de Brasília.

Curitiba 15/11/1999

Alexandre Schwartz
Manifesto Arte .Fevereiro 2004

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Orgulho pela metade

manhã e ela
vizinha de cama
do banho confuso

você não foi
feita pra mofar
na cabeça

onde aborto tudo
enfeitado
e opaco.

João Pedro Wapler. RS

Vida em Comum

Da vida em comum, não nos
restou muito.
Há o riso compungido, as
lágrimas cristalizadas, os
abraços amolgados pelo
sofrimento irrestrito.
Da vida em comum, o que há
de ter renascido
Senão, quiçá, em confronto
com as gracilidades amenas
do cotidiano partilhadas,
Um resquício de grito.
Porque há de ter ficado,
Mesmo que intimidada
A vontade de gritar,
vigorosamente tudo que
outrora fora vivido
E que morre, displicentemente,
porque já nos é vago e
dolorosamente insípido.

Amanda Rosales Gonçalves Hein. RS

Viuvez

Vesti-me
de morte
e saudade
à tua partida.
Mas tão logo
amanheceu;
preferi a nudez
instigada
por novas
descobertas e,
magicamente ,
renasci.

Nilton Silveira. RS

Era

Sorvendo essas e outras
palavras
Cuspo você nessa tela
comportada.

Do outro lado da cidade
Cabeça no travesseiro
Você deve ser pouco selvagem.

Aqui o silêncio é contrário
Diz entre mãos que estão sós
Brincando de mãos alheias.

Meu corpo ganha voz
Repete um suspiro já antes
ouvido
O som que você não ouve que
é seu.

É que hoje acordei suando
Depois de sonhar a noite
inteira
Com suas mãos tocando as
minhas.

O barulho dos seus dedos
Arranhando o colchão sem
lençol
Eu ouvi de olhos fechados
A noite inteira em claro.

Depois olhei para o lado e você
não estava
Era só o silêncio tocando
minha mão direita
E suas duas mãos ainda sob o
seu travesseiro.

Ulisses Borges. RS