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segunda-feira, 6 de março de 2017

" O trabalho de tradução de um poema deve levar em conta o sentido do poema, os efeitos sonoros, a métrica, as rimas, o jogo de palavras, os trocadilhos, os duplos sentidos, as polissemias e ainda procurando obter um efeito poético vivo equivalente na outra língua.
A tradução tem muito de malabarismo, ou melhor, de caminhar na corda bamba. Você se arrisca a escorregar e cair a cada passo e, mesmo que tenha conseguido chegar quase ao extremo da corda (ou do texto), o escorregão é sempre um desastre, a queda uma escoriação no seu ego. Talvez seja por isso que os tradutores temem, em especial, os falsos amigos - essas palavras que nos parecem familiares, iguaizinhas às nossas, mas que, na verdade, constituem uma tremenda casca de banana no caminho do escorregão. "

Ivo Barroso, tradutor e poeta.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

A face da fonte

De início, nada;na clara superfície,a face refletida é a sua- perfeição, imagem -aequétipo do belo.Mas além dessa que vê, há outra , que a fonte não reflete ,nem muito menos pode ver em seu momento de verdade .Sobre ela, Narciso reflete agora: o belo em que sói gratificar-se é apenas o que vê na face da fonte, ou antes a imagem vista por ela , unidimensional, daguerreótipo das águas . Só ele tem acesso às múltiplas feições ,aos heterônimos íntimos,às cambiantes prismáticas, estroboscópicas, que estão além, por trás da própria face.Se  pudesse , debruçado sobre a fonte , tocando a com a mão ,fender em mil estilhaços líquidos esse retrato estático, e dentro dele ver o que só vê a mente , o belo começaria a desfazer-se: o tempo , a solidão,o aquém do sonho, a pequenez de tudo, essa ânsia insopitada- o feio.

Ivo Barroso
tradutor

fonte:O que narciso acha feio.in Mosaico.Nicolau ano VII.n52