O mundo é mudo
Ao fim dos lábios.
Ao fundo, escuto
O que não falo.
O tempo estúpido
Ressoa, aos badalos,
O sexo hirsuto
Em que me esbaldo.
Às vezes, duplo,
Quase me plasmo
No chão absurdo
De onde não parto.
Às vezes fumo
O vão cigarro,
De maio a julho,
De julho a maio.
Às vezes grunho
O nome estático
De pedra e húmus,
De âmbar e cacto.
Às vezes sumo,
Outras me gabo
Do verso abrupto
Que sempre estrago.
O que é o mundo
Senão um fardo?
Ou então um segundo
Ao fim de um sábado?
De modo búdico
Pergunto aos brados,
De Órion a Arcturo,
A João e a Arnaldo.
Porque é seguro
O voo sem pássaro,
O lucro a juros,
O gozo a prazo?
Como, aos apuros,
Vejo nos pratos
O bife, em júbilo,
E o ovo a cavalo?
No ventre rústico
Onde me flagro,
O tempo, súbito,
É só um estalo.
Dura um minuto
No olho estrábico
Do amor telúrico
Que finjo e traio.
O mundo é imundo
Ou só um flato?
O órgão bem úmido
Com que me castro?
Às vezes pútrido,
Às vezes clássico,
Por que pergunto
O que me indago?
Escrevo ao público
O que sou em lapso,
À flor do púbis,
Ao som do orgasmo.
Quase em decúbito,
Nunca me acho
No mundo em fuso
De junho a março.
Sigo confuso
No poema ávido
De sons abstrusos
E versos trágicos.
Chego, inconcluso,
Ao fim e ao cabo
De quase tudo
Onde não caibo.
Mas como, anárquico,
O nada engulo,
E alcanço a nado
Os pelos púbicos?
Como abro e agarro
O dorso diurno
De um sonho grávido
De falo e discurso?
Aos poucos traço
O rumo em surto
De onde, sem rastro,
Aceito o mundo.
Mas logo o expurgo
De modo tácito,
Atrás do arbusto
Do corpo elástico.
Do mundo expulso
O som exato
Do poema enxuto,
Do verso ácido.
Resta, difuso,
O gosto em travo
De todo o vulgo
De vãos vocábulos.
Talvez prelúdio
Que nunca acabo
Do canto rústico
Que findo em ágio.
Ricardo Leão, 2018