sábado, 30 de setembro de 2017

Das partilhas simbólicas


Poesia
tem baixo valor agregado.

Economicamente estéril
não gera lucros.

Não movimenta mercados futuros
ou dívidas passadas.

É apenas
coleção de imagens & palavras.

Que na imperceptível solidez
se desfazem no ar.

No entanto
repousa profunda em nós.

Como um segredo cálido.


 Ricardo Mainieri           

Consumo, logo existo


Meus olhos passeiam
pelas prateleiras
do supermercado.

Nenhuma paisagem
acessível ou nova.

Desfilam produtos
meros substitutos
de uma carência que só cresce.

Confortavelmente
em meio a efeitos & luzes.
o consumo é climatizado.

O acidente de trabalho
o salário aviltado
o desgaste da natureza
ficaram fora de foco.

Na mente
a música natalina
e a esperança de amor & paz...


 Ricardo Mainieri             

RELICÁRIO



Traga-me resquícios do teu passado
para que eu prove somente o necessário
das lembranças que guardaste
nesse teu íntimo e sagrado relicário.
Mostra-me, pedacinho por pedacinho,
segredos de alcova em diário,
para que eu sinta o proibido gosto
de conhecer as entranhas de teu santuário.
Em troca, mostrar-te-ei os carnais prazeres
e já sem nenhum recato,muito ao contrário,
deixarei que toques atraves do meu decote mil vezes,
sentindo seios que te desejam , sem qualquer temerário .
E, acendendo em nós aquela ideia profana
não teças mais nenhum comentário:
ama-me no chão,na rua, na cama
sem fazeres registro da entrega ,nesse teu breviário.
E então,, serei eternamente tua caça
e tu, como meu bom proprietário
cubra-me de tudo o que lasciva me faça
virar erótica lembrança nesse teu relicário.

Marcia Tigani_março 2011


VELHO BARCO



Coração, velho barco
que no mar das paixões
quanto navegastes,
calmarias e,tempestades
enfrentastes,mantiveste
o leme a prumo, nem da rota
desviastes.
Coração, ainda tens força
para uma nova aventura.
Sinto-te, seguro, não cansado
mas mais maduro.sossegado.
Coração, como é bom
ter-te ainda em plena atividade,
não quero que por falha minha
te sintas sobrecarregado,
os mares a serem enfrentados,
não são tão bravios, as ondas
mais fracas, não tão altas.
Mas sempre é bom manter-se
alerta, da calmaria ao ciclone
são segundos, e podes por acaso
fraquejar.
É bom coração estares atento,
sem se sentir, assoma o vento
e nos recifes de um amor,
podes naufragar.

(Roldão Aires)


GUME DE GUEIXA

  
Sou uma única mulher
quando a trombeta anuncia
um inverno sem tropeços.

Os legionários da palavra
espiam sua falta de dados
como me fiz por nenhum motivo
conheço o luxo de ser nua e insofismável
inquestionável é a questão e o próximo dia.
Também invoco nas santas armações
da luta contínua por porto algum
as desculpas estilhaçadas em farpas
dos ausentes cansados em dentes de ogro.

Mas me canso descanso de meu fel.
Ardia na boca do estômago a fúria da pretensão
– esqueci-a retaliada no sofá branco e bagunçado –
deve haver algo melhor do que essa faca
gume de gueixa
a ponta de prata que rebola a qualquer ultraje
para dentro através da margem.

e porém... como dizia tenho azia
dor de baço e um cansaço...
aí retomei a pena e o pó dos livros
a lide das pernas e a busca do pão
pensei no amor como um condimento vespertino
dos enfeites adiei o aprumo e por três ou quatro
minutos dos restantes sorri e adormeci
ali ao pé do carvalho planto, morena,
serena e de orvalho em pé e sombra
afogada e deslumbrada
– o nome daquele é o mesmo deste?
Estes os problemas e sua função.


 - JANDIRA ZANCHI

MEIO DE BANDA



num dia assim
meio de banda
esqueço a bolsa
solto a vida
faço samba
só danças comigo
se fores bamba
ou deixa-me sozinha
a brincar com os pés


(Cristina Desouza)

Sonhar utopicamente



Despojar-me-ei dos meus medos,
Caminharei sem descanso, neste chão
Com a dureza das agruras da vida
E alcançarei o limiar deste meu alvorecer,
Numa busca incessante do razoável!
Deixarei perdidos no tempo,
As vivências insalubres, sem sentido
E terei inexoravelmente de encontrar
A razão, para um viver sem anseios desatinados,
Nesta selva de empedernidos contrastes!
Espero que neste longo caminho,
Galgado sob intempéries de olhares de viés,
Encontre as ruelas da tranquilidade,
Que me permitam atingir a indiferença
À maldade e ignorância,
Da bestialidade humana!
Irei sempre fintar as rasteiras da vida;
Quero somente encontrar a alvura da solidariedade,
Iluminada pelo sol da esperança,
Chegar ao ocaso da serenidade
E ser envolvido no manto lunar da felicidade.


José Carlos Moutinho

HOMENAGEM A ANTERO DE QUENTAL


Antero de Quental

Os que amei, onde estão? Idos, dispersos,
arrastados no giro dos tufões,
Levados, como em sonho, entre visões,
Na fuga, no ruir dos universos…

E eu mesmo, com os pés também imersos
Na corrente e à mercê dos turbilhões,
Só vejo espuma lívida, em cachões,
E entre ela, aqui e ali, vultos submersos…

Mas se paro um momento, se consigo
Fechar os olhos, sinto-os a meu lado
De novo, esses que amei vivem comigo,

Vejo-os, ouço-os e ouvem-me também,
Juntos no antigo amor, no amor sagrado,
Na comunhão ideal do eterno Bem.

1

“Na comunhão ideal do eterno Bem”
Sagrando o nosso amor a cada verso,
E ter em minhas mãos este Universo
Aonde o ser feliz deveras vem

E em todos os momentos diz de alguém,
No qual meu sentimento siga imerso
Por mais que o caminhar mostre diverso
O rumo onde se expressa o que contém.

Divina providência feita em luz
À qual um brilho raro me conduz
Levando a cada dia um infinito

E nele alçando além do simples gozo,
Um templo feito em glórias, fabuloso,
Tornado muito mais que um mero mito.

2

“Juntos no antigo amor, no amor sagrado,”
Seguimos rumo ao éter. Sou feliz
Em ter sob os meus olhos o que quis,
Vivendo muito além deste passado,

O dia sempre estando iluminado,
A sorte que desejo já bendiz
E o tempo sem remorso ou cicatriz
Transcorre num caminho ora traçado

Por mãos abençoadas, redentoras,
Aonde outrora em noites sofredoras
Ditara a solidão, venal e a atroz,

E quando me percebo junto a ti,
Renasço e recupero o que perdi,
Felicidade ouvindo a minha voz.

3

“Vejo-os, ouço-os e ouvem-me também,”
Encantos sem igual que me entorpecem,
E neles os desejos já se tecem
Traçando este futuro que ora vem

Dizendo do passado sem ninguém,
As dores que vivemos não se esquecem,
Mas quando em nossas vidas amanheces
O sol toda a beleza em si contém.

Não posso mais seguir sendo tristonho
E quando um novo tempo; assim componho
Trafego por estrelas, constelar.

E posso até dizer que sou feliz,
O amor que me invadindo tanto diz
Permite por espaços navegar...

4

“De novo, esses que amei vivem comigo,”
Os sonhos mais felizes que eu pudera
Traçando novamente a primavera
Trazendo ao trovador, encanto e abrigo.

Por vezes tão diverso do perigo
O mundo em luzes fartas se tempera,
Criando este palácio da tapera
Mostrando todo encanto que persigo.

Alcançarei além do simples fato
No qual com todo o brilho me retrato
Ungindo o meu caminho em paz imensa,

E tendo teu amor, enfrento as dores,
Seguindo meu amor, por onde fores,
Ao fim felicidade é recompensa...

5

“Fechar os olhos, sinto-os a meu lado”
E tento perceber a maravilha
Do sonho que deveras luzes trilha
Traçando um novo dia abençoado.

Há tanto um sofredor, desalentado
Não via estrela imensa que ora brilha,
A sorte se tornando uma armadilha,
O encanto em desencanto destroçado.

E quando eu percebi tua chegada
Imagem tão sublime e delicada
Fazendo do meu canto, uma alegria.

E agora que percebo quão feliz
O mundo aonde o sonho expus e quis
Tocado tão somente por magia...

6

“Mas se paro um momento, se consigo”
Vencer os dissabores mais constantes
Sabendo quão sobejos, delirantes
Os mundos que deveras eu persigo,

No encanto sem igual quero e prossigo
Vivendo sem temores, radiantes
Delírios entre cantos deslumbrantes
Jamais imaginando dor, castigo.

Querendo estar contigo o tempo inteiro,
O encanto se mostrando derradeiro,
Não mais comporta o medo e o sofrimento,

E tendo nos teus olhos os meus guias
As noites não serão atrozes, frias,
Tampouco sobre nós o imenso vento...

7

“E entre ela, aqui e ali, vultos submersos”
Assim a noite passa turbulenta,
E quando se pensara em quem me alenta
Ausente dos meus olhos claros versos,

Os dias entre dores vão imersos
Nem mesmo uma esperança me apascenta,
A sorte que deveras já se tenta
Perdida nos caminhos mais diversos.

Entranham-se terrores, mas persisto
E sei que na verdade se inda existo
Somente por tentar amar demais.

E não concebo enfim, outra saída,
Se perco pouco a pouco a minha vida,
Em ti encontro enfim, um tenro cais...

8

“Só vejo espuma lívida, em cachões,”
E neles turbulências ditam sortes,
Na ausência do que outrora foram nortes
O que fazer se perco as direções,

E quando a realidade tu me expões
Sem ter quem na verdade te confortes,
Olhando num espelho, vejo as mortes
E nelas talvez nossas salvações.

Esgoto as minhas últimas palavras
Tocando estas daninhas que ora lavras
Permitindo espinhoso este canteiro,

E o canto a quem me entrego em ladainha
Há tanto com certeza nos convinha,
Por ser esteja certa, o derradeiro...

9

“Na corrente e à mercê dos turbilhões,”
Já não consigo mais vencer quimeras
E sei que tanto queres quanto esperas
De todos os temores, soluções.

E quando se mostraram os verões
Aonde se pensara em primaveras,
Apenas os invernos, frias feras
Que agora sem temores recompões.

As cúpricas folhagens deste outono,
Do medo e do terror ora me adono
E adorno-me somente do granizo.

Esqueço que talvez houvesse um porto,
Já me percebo ausente e semimorto
Seguindo em passo trôpego e impreciso...

10

“E eu mesmo, com os pés também imersos”
No imenso lamaçal chamado vida,
Há tanto se perdendo distraída,
Deixando para trás meus tristes versos,

E quando em outros rumos vão dispersos
Caminhos onde outrora uma saída
Se via na verdade é vã, perdida,
E nela estão ausentes universos.

Descrevo com terror cada momento
Aonde se mostrasse em desalento
A fúria do vazio em que mergulho.

Aonde imaginara flórea senda
A vida não permite e já desvenda
Somente um espinheiro, um pedregulho...

11

“Na fuga, no ruir dos universos”
Já não conseguirei saber se outrora
O sol que se demonstra firme, agora
Trouxera raios frágeis e dispersos,

Aonde no passado em vão submersos
Desejos se perderam sem ter hora,
Porquanto noutro porto a paz se ancora,
Calando o que talvez pudesse em versos

Dizer com tal clareza sobre o amor,
Que tanto desejei e sem louvor
Expressa a derradeira luz, mas tento

Viver além do quanto poderia
Saber que mesmo sendo fantasia
Encontro no meu sonho algum alento...

12

“Levados, como em sonho, entre visões,”
Os dias onde outrora fui feliz,
Enquanto toda a sorte se desdiz,
As dores em terríveis borbotões,

Bebendo as minhas lágrimas expões
Toda a fragilidade e a cicatriz
Que habita dentro da alma, uma infeliz,
Esconde as mais diversas emoções.

Esgarçam-se os meus dias, vagamente,
A sorte sem alento também mente
E tudo não passado de uma farsa.

O quanto imaginara ter nas mãos,
Momentos que não fossem todos vãos,
Nem mesmo uma ilusão finge ou disfarça.

13

“arrastados no giro dos tufões,”
Os sonhos se perdendo em pesadelos,
Não pude e nem devia mais contê-los
Sabendo tão ausentes os verões.

E neles as tristezas e aversões
Envolvem minha vida em vãos novelos,
E quando se pudesse percebê-los
Ausentes dos meus olhos, tentações.

Escassas noites feitas em ternura,
E quando a sorte invade e me amargura
Não deixa sequer sombra do que outrora

Já fora uma alegria, agora morta,
Fechando eternamente a minha porta,
Somente a solidão, chega e devora...

14

“Os que amei, onde estão? Idos, dispersos,”
Não pude nem sequer saber aonde
A sorte benfazeja ora se esconde,
Deixando assim calados os meus versos.

Pudesse ter nos olhos universos,
E o quadro mais feliz. Ninguém responde,
Calado, persistindo inda que eu sonde
Por mundos mais complexos e diversos.

Amores se perdendo em solidão,
Os dias novamente mostrarão
O quanto fora inútil caminhar.

Sozinho sem ter eira nem morada,
A noite que julgara enluarada,
Neblina sonegando este luar...


Marcos loures

LUZ CRISTALINA


Noite avassaladora refletida;
Belo espelho das águas, ao luar...
As estrelas cadentes, esse mar,
As horas mais tristonhas, de partida...
Um gole de conhaque, alma doída...
Procuro simplesmente, te encontrar,
Noite, tapeçaria, faz sonhar;
Quem me dera morresse, despedida,

Em meio a tal nobreza divinal.
M’abriria então, Deus, o seu portal,
Guardaria essa imagem na retina...
À noite tanto amor que me alucina
Morrer de tanto amor, eu sou capaz.
As mãos te teceram, imortais,
Em tal momento orgástico de paz,

Te emolduram, amor, luz cristalina!

Marcos Loures 
deserto d'água
verão incandescente
nado no seco


(Cristina Desouza)

DOSE Nº. 4


gente
é possível voar
sobre os conceitos
fazer no espaço
da força física
um ar rarefeito
com pouso infinito
no espírito da esperança
gente
é possível sentir
nas prisões fúnebres
a liberdade agonizando
na garganta rouca
um grito surdo
em busca da voz roubada
gente
é possível pensar
no vagar do ego
dessa difícil estrada
fazendo nessa vida
todas as vidas
na simplicidade de viver
gente
é preciso ouvir um som límpido
para perceber as notas
eletrizando a concepção
da existência trópega
sem querer definição

gente
agora é preciso nascer
em terras adubadas
por mãos amigas
das flores ter o alimento
como o suave colibri
gente
agora é preciso crescer
buscar no semelhante
o afago das mãos
nessa corrente forte
fazer do brilho do sonho
a iluminação da vida
gente
agora mais do que tudo
é preciso amar
um simples encontro
nesse novo espaço
o pensamento é livre
os seios são alimentos
os corpos são camas
os espíritos são luzes
gente
agora é preciso viver
com a força de quem navega
na descoberta do próprio ser
gente é preciso ser gente


Milton Gama

DOSE Nº. º 6




Música  música  e músicas
para acalmar os deuses

vinho  vinho e vinhos
para elevar os espíritos

paz  paz e pazes
para amar as vidas

amor amor e amores
para saciar os amantes

é preciso sentir
o som
o sabor
a felicidade
o calor
a intensidade do mistério
para se viver de verdade


Milton Gama

DOSE Nº. 27



fazer sonho é fazer vida
abstrato da poesia
faço de você poema de um dia

terça-feira de carnaval
corpo cansado mente aberta
lá estava eu e você devagar
divagando
soltando o laço da corda
perdidos na multidão
querendo se entranhar
soltar nossa solidão
soltamos

na volúpia tema e ardente
perpetuar esses momentos
bem que desejo ainda
o caminho desse corpo
navegar nessa chuva
nessa floresta humana

deixe-me imaginar o sol
as luzes resplandecendo
o calor das vozes soltas
dos ecos perdidos
no tempo que poderíamos ser
não fomos

ah! carinho que se foi
com vontade de ficar
ficou nas ramas
das árvores rasteiras
querendo crescer
crescendo

vamos sendo
as tentações dos amores
vividos em carnavais


Milton Gama

Ação ordinária

    
Findou-se o desejo
o amor abandona
por ação de despejo

Ricardo Mainieri     

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Se um dia




Se um dia me olhasses
Uns momentos de atenção
Aos teus pés ajoelhava
Como que pedindo perdão.
É esta vontade eterna
A de tanto te querer
E então eu te diria
Tudo o que por ti faria
Sem barreiras, sem limites
Se um dia me olhasses…


Isabel Simões . Portugal 

ODE AO POETAS


NALDOVELHO

Poetas deviam ser presos,
amordaçados num lugar em segredo,
a sete chaves, longe dos meus medos.
Impedidos de alquimizar palavras,
e todos os poemas rasgados.

Poetas deviam ser abortados!
Por que cismam de nascer teimosos
e revirar entranhas, abusados?
Por que vivem de invadir intimidades
e revelar pensamentos roubados?

Poetas, criaturas estranhas,
sonhadores, inúteis, coitados!
Aranhas presas em suas próprias teias,
veneno que corre em suas próprias veias.

Poetas, porque os quero?
Já não basta a vida a que me obrigo?
E a poesia que trago comigo?
Poetas, indecentes, bandidos,
caiam fora do meu umbigo!



Os poemas



Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par
de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhoso espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...


Mário Quintana

HEI DE MORRER JOVEM



Hei de morrer jovem,
na flor dos nem sei quanto anos,
com as costas arqueadas
pelo peso de uma vida,
e as pernas enfraquecidas
por trilhas, atalhos, estradas.

Hei de morrer jovem,
na flor dos meus desenganos,
com os olhos, assim, embaçados
por conta do quanto enxerguei
e a pele toda enrugada
pelo muito que semeei.

Hei de morrer certamente,
ainda que permaneçam os espinhos,
pois embora não te pareça,
jovem ainda estarei!
Pois esta foi minha escolha,
meu rito sagrado, minha lei.

Hei de morrer qualquer dia,
antes que seja tarde!
Mas só quando acabarem os poemas,
e tomara Deus que docemente!
Pois por mais que eu tenha pecado,
Ele sabe o quanto eu amei.


 NALDOVELHO

RUA DA MOEDA


tapa na cara dos reaças

enquanto
o poeta reaça
na lagoa
(maranhense) carioca
realça a garça
e condena o rock

lá em recife
a turma dança
de negro (fear of the dark)
e canta contra

(quanto mofo
gullar/tinhorão
surdo ao novo
patrono do pagode
banal)

tapa na cara dos reaças:

rua da moeda
dos punks do heavy
do soco socorro
metal pernambuco
contra a paralisia mental

enquanto
um passadista
síntese da direita
do preconceito
da retro seita
brada armorial

na rua da moeda
camisetas negras
mimetizam arrecifes
contra a onda
do fácil fascio
o burro coro coreto
nacional-popular

(quanto mofo
intolerância tola
implicância ditadura
na voz do velho
ariano feito dogma
preconceito feito god)

tapa na cara dos reaças:

rua da moeda
onde rock faz mais sentido
ácido pesado e divertido
contra a nação mesmice
um louco Pernambuco



 Frederico Barbosa         

CELA DE VISITAS


Liberdade em gramas
raspas de esporas
de anjos
preparando quedas...
Consumindo a carne
o chão
e as horas
farpadas...

Cheios de extremoso amor
os olhos do pai com o filho
nos olhos
maldizendo o mês
que também cai
em gramas;

E a mãe só deseja
parí-lo outra vez;
limpo agora, talvez,
livre do umbigo
e dos restos de parto.

Hoje ateei fogo
no meu travesseiro
de pena
com(paixão)
dos que dormem
nu

chão. 

Wender Montenegro    

PEGADAS


Perseguindo as pegadas que tu deixas
Enquanto caminhaste pelas ruas,
O velho sentimento mata as queixas
E deusa dos meus sonhos, tu flutuas.

Enredo-me em teus braços, liberdade,
No afã de ser feliz, bem que podia
Trazer para o mundo a claridade
Que maravilhas fartas, irradia

O canto que me enleva e me consola,
O risco que corremos, sem temores,
E o pensamento voa, assim decola,
Semeia pelo espaço, luzes, flores.

E tu que és primavera; doura o sol,
E entornas teus encantos no arrebol...


 Marcos Loures  


Outros tempos



Houve um tempo alegre
que passamos rindo
nada passava breve
ninguém havia partido.

Havia pensamentos soltos
formando sonhos muitos
tudo era novo, novo
sempre ficaríamos juntos.

Mas...nos acenos breves
de adeus profundo,
o tempo, silencioso fugitivo
passou raptando tudo.

Procurando caminhos
gestos invocando ritos
exilados em cada vazio
silencio sufocando gritos.

Houve um vazio cinzento
onde existiu azul celeste
vento soprando nuvens
o céu trocando as vestes.

Dos pensamentos soltos
o tempo desfigurando sonhos
atando mãos que foram livres
deixando mudos os cantos.

O tempo chegando partindo
futuro passando em fugas
passado colecionando vincos
presente imprimindo rugas.

Carlos Roberto Bueno


UM VELHO NAVEGANTE


Procura nos teus braços descansar,
O velho navegante sem destino.
Depois de ter vencido o vasto mar,
Voltando novamente a ser menino,
Encontra a maravilha a se mostrar,
Num porto delicado e feminino.

Recebo então notícias do que espero,
A nossa primavera interminável.
Do quanto que já tive e mais eu quero
Nos braços desse amor imaginável.
Sentindo o teu calor, doce tempero
Do tempo que se mostra inesgotável.

No vento que balança este coqueiro,
Amor da minha vida, o derradeiro...

observação - este tipo de soneto pode não ser visto como tal pelos mais conservadores, mas pela definição do que seja um soneto, encaixa-se plenamente nela. 14 versos divididos em estrofes, inclusive numa só, com métrica, ritmo e evoluindo para a chave de ouro.

Toda novidade gera conflitos, mas é necessário o se renovar e é isso que procuro neste soneto.


Marcos Loures  

Menopausa



Kigos confusos
Frio, calor, frio, calor, frio
Tudo cai. Ai ai.


(marilda confortin - só rindo mesmo...rs) 
Um bom dia trovador
pleno de luz e cantiga,
nas trovas o bom pendor
de sua palavra amiga.
-

josé marins

Tempo que voa



Esvaem-se os minutos,
Nas horas que morrem,
Na caminhada dos ponteiros entorpecidos
Do relógio velho e cansado,
Pela contagem do tempo que passa!

Tempo que fugazmente absorve a infância,
Atropela célere a juventude,
E nos encurta o nosso tempo,
Em rápidos e desgastados anos!

Entro em mim,
Observo as estrelas
Que me acompanham na minha solidão,
Perdido nos meus pensamentos,
Intrigado pelo fenómeno da voragem
Deste tempo, que tão pouco tempo
Nos concede.

Revoltado,
Luto contra a injustiça,
De ver as horas voarem,
Naquele relógio velho e cansado;
Emudeço-o no seu tic-tac
E paraliso-o no seu andamento sem fim.
Fiz justiça!

José Carlos Moutinho


As tuas cartas

   


O cheiro do teu perfume
Sobe das cartas que me escreves...
E um calor feito lume
Vem das palavras como descreves,
Em falas de paixão,
Aqueles momentos amorosos
Da nossa intimidade...
As trocas de carinhos
(Tão doces e preguiçosos !..)
A que os dois
nos entregamos sem qualquer uma condição...

E depois...
Misturam-se com as minhas recordações,
Inundam-me o pensamento,
Embebedam-me os sonhos...

E como já antes aconteceu,
Logo a seguir ao nosso primeiro momento,
Fazem que eu corra a busca-la...
Para repetir em Vida
Esses sonhos de que nelas me fala.



Manuel Sepulveda  

Lamentos da alma


Soltam-se suspiros do seu peito,
Como lamentos da alma, despertados!
São ais, que se deixam levar
Nas ondas imensas da saudade;
Vagueiam por este mar sem fim,
Recuando a um tempo
Em que a saudade não existia;
Esta, dava lugar ao amor e ao sonho
De uma paixão inventada na luz da ilusão!
Mas esse mesmo tempo implacável,
Tornou essa luz em penumbra,
Encobrindo o brilho de um sentir
Agora melancólico e nostálgico!
Os pensamentos, esses elevam-se
Acima dos lamentos e ais
E voam, perdidos em esperança e desilusão,
Em busca de um porto de abrigo
Em que finalmente,
Possam deixar de suspirar, no seu peito.


José Carlos Moutinho

Ladrão


Estou farto de ais,
de menos, de mais,
de gente que pouco faz,
que come demais,
que me inferniza e não
corre atrás.
Cansei do loquaz,
da figura que por ela,
tanto faz,
da outra que se desespera,
a mordaz.
Não me atrai
a falta de paz,
os exageros dos que se viram
de boca pra baixo
e adernados buscam um cais.
Estou farto dos presepeiros,
dos galhofeiros,
dos barulhentos,
esporrentos,
dos antes eles do que eu,
os “apareceus”.
Egoístas,
poluidores,
destruidores do respeito,
alheios
do que não são seus.
Corjas
nas brasílias,
nas ilhas dos
abutres de Prometeu.
Riam, cuspam,
metam as mãos,
sejam mais “sis”,
bad companies!
Ah...
ontem um mendigo
me pediu dinheiro.
Era um,
do século doze,
hoje vinte um.


Paulo Henrique Frias    

a lesma passa pelo tinteiro
e deixa seu risco de verme
na folha.

Não gaste a vida
... à espera
de um mata-borrão.

Lou Albergaria  

CÁLICE E VENENO



Maria Feijó e Marcos Coutinho Loures

Na vida, as mais cruéis limitações
Vão sufocando sonhos e prazeres,
Calando a voz de nossos corações
E solapando as ilusões dos seres.

E se o melhor da vida, as ilusões,
Subordinadas são a vil poderes,
O sofrimento e as atribulações
Ao lado estão de nossos afazeres.

O grande pensa e sofre o que é pequeno
Mas o pensar também traz sofrimento!
Assim é a vida: cálice e veneno,

Emergente de esferas abissais...
É luz que se perdeu no firmamento,
Uma ilusão fugaz... E nada mais!


Obs: o primeiro quarteto é de Maria Feijó, os outros de Marcos Coutinho Loures
Se a noite falasse, carpia de dor as lágrimas choradas pelas estrelas que banham o meu rosto por me imaginar não te ter...


José Guerra (2011)

CANÇÃO DO MIGRANTE



Tenho saudades da terra onde nasci
Dos seus rios , vales e montanhas
Da minha casa e do meu povo
Do cheiro do cacau e das pedras preciosas

Por terras estranhas estou a vagar
Aqui encontrei meu amor, sofro minhas dores
São quase quatro décadas longe de ti
Guardo na memória cada lembrança do passado

O quê seria de mim, sem suas raízes
O quê será de mim, com tantas saudades
O quê será de ti minha amada Macarani
Sem o retorno de seu filho pródigo

(Manoel Hélio)


DO LADO DE LÁ


Do lado de lá existe um rio
de águas claras, serenas.
Na margem esquerda um moinho,
muito sonho, muito milho, muito trigo.

Na margem direita um povoado,
gente calejada na lida e no sol,
que alonga olhos de perceber horizonte,
que estende braços de alcançar o distante,
e conhece o sentido das fases de um rio,
e o mistério das águas, seus ciclos, destinos.

Do lado de lá existe um templo,
que de portas abertas acolhe crianças,
que no altar brincam de tecer esperanças,
que arteiras misturam enredos, caminhos,
para que com o tempo, desembaraçados os fios,
poderem, sorridentes, misturar tudo outra vez.

Do lado de cá mora um poeta,
águas revoltas, estranhas, inquietas.
Do lado esquerdo um coração já cansado,
sonhos truncados, versos coagulados.

Do lado direito cicatrizes, tatuagem,
um olho que enxerga além da neblina,
e a mão que semeia poemas que falam
de perceber horizontes, alcançar o distante...

Um dia ainda viro água e vou chover do outro lado,
renasço como trigo e alimento as crianças,
vou ser fio trançado no tecido esperança;
não consigo imaginar razão melhor para viver.




NALDOVELHO

ETERNIDADE



Não devo permitir o último beijo,
o último olhar, a última palavra...
Ainda que a porta se feche,
ficará o último desejo.

De ti, nada permitirei que seja adeus,
tudo há de me pertencer e eternamente,
meu espírito não mente.
A prova?

Haverá sempre mais um poema.


NALDOVELHO

Passaram como a nuvem sobre a batalha


Nada resta:
um rastro de calafrio,
nem uma trisca,
ou sombra de voo de canário?

Mas a nuvem que passou,
intocada sobre a batalha,
pousa na crista do poema
e risca o vivo da memória.




 De José Almino

Viés interpretativo



Demais dias, deem
Dores, doideira ou, dar-se
Dariam

Não fossem, doadores
De sentido sintático
E semântica

Da religião do corpo
Doirado de pecados
Forjados em si
Filosofia pessoal

Ou
Tal qual

Seriam astros de si, também
A orbitar seus rastros

E por quê não?
Falarão aos ouvidos cúmplices
Os seus feitos de guerra
Contra os espelhos

Que nos mostram, quebrados
Soldo inverso da batalha
Aquela fornalha
Da glória sem fim.

Demasiado tarde
Alarde seu, ao breu
Do que é meu, do que é teu.

Passamos
Incógnitos

Pelos olhos que se vão.

ACM


TROVISCANDO



“Quando o loureiro der baga
e o loureiro der cortiça,
então te amarei, meu bem,
se não me der a preguiça.”

Quando ela me disse assim,
Eu chorei quase que um mês,
Tive até pena de mim,
Mas não perdi altivez...

Fiz de tudo que ela quis,
Cantei moda, fiz um verso,
Montei até em perdiz,
Trouxe estrela do universo,

Peguei saci pererê,
Espanquei o corisco
Comprei lua sem poder,
No sol coloquei chapisco

Roubei anel de Saturno,
Bebi até água-viva,
Fiz o sol virar noturno,
Até matei sempre-viva,

Amansei cavalo brabo
Eu fiz cafuné em cobra,
Pus babador em quiabo
Beija a boca da sogra...

Tudo pra poder te ter,
Pitelzinho de morena,
Mas agora vou dizer,
Até que valeu a pena...

Toda noite nessa cama,
Ela chama sem parar,
Meu amor quando se inflama,
Num cansa de namorar!

A primeira trova é da região de Ouro Fino, Minas Gerais

Marcos Loures


BREVE POÉTICA DA LEITURA DE HAICAI



Quem se interessa pelo haicai descobre que é um poema dedicado à
natureza, ao meio ambiente (para usar uma expressão da atualidade).

O leitor de livros de haicai exigente procura saber mais do pequeno
poema, conhece dele a estrutura (redondilhas menores e maior), a
ausência de rimas, mas conta os sons na métrica, dispensa o título,
privilegia a linguagem simples.

Nota que o poema traz um efeito, um sentido no leitor, nas leituras
sugeridas, seja uma cena, uma ação, um gesto, um canto de pássaro, o
zinir do vento, o prateado do orvalho.

O haicai é um diálogo.

O poeta já se foi e deixou um bilhete, o poema, aos olhos do leitor.
Captar o sentido que nem sempre está explícito, porque pode estar
sugerido, é o deleite de sua leitura.

O poeminha não é feito de mínimo para alcançar o máximo. A pequenez de
seus três versos busca a brevidade do instantâneo, o sucinto, o
essencial. Ele não busca o máximo de sentidos, mas tão somente um
número limitado de efeitos de si para quem o lê. Às vezes apenas
aponta para um cisco na cena. Os grãos amarelos de pólen nas patas
pretas da abelha.

O fulgor do haicai, que pode durar séculos, é a de uma estrela
cadente, o piscar do pirilampo na escuridão, o som da rã ao mergulhar.

Quem quiser polissemia de palavras, múltiplos significados
metafóricos, infinitas leituras, deve buscar outro tipo de poema. O
haicai não existe para significar issos e aquilos, não há
interpretação para se fazer, nem sentidos ocultos. O que temos para
ler do poeminha está nele, brilhando como uma gota de orvalho que de
súbito escorrega de cima de uma folha.

Se tivéssemos que conhecer todos os contextos, as cenas haicaísticas,
os momentos, dos quais se capturaram os haicais, não poderíamos ser
seus leitores.

O pertencimento a uma estação ou a outra é dado pelo kigo. O termo
sazonal que nada explica, mas situa a vivência do poeta e a ecologia
do poema. Mas ninguém é obrigado a saber a lista de termos de estação
para ler haicai.

Um chavão entre os poetas do haicai, que soa como advertência, é: o
haicai que precisa de explicação, não é um bom haicai.

Porém, confesso: como leitor eu gosto de explicações e histórias a
respeito de haicais.
Assim, por exemplo, quando leio este haicai de Bashô:
-
vai-se a primavera –
os pássaros lamentam-se,
os peixes choram
-
O poema tem o suficiente, funciona sozinho e sustenta a minha leitura.
Mas é inegável haver nele uma atmosfera dramática. Seria o exagero
uma antevisão do inverno que se avizinha?
Um tradutor espanhol (Fuente) escreveu: “O final da primavera
entristece Bashô, que sente as aves e os peixes participarem de seu
sentimento.” Pode ser.

Entretanto, este poema inaugura aquela que é considerada a mais
importante viagem deste poeta peregrino. Quando está prestes a partir,
ele sente tristeza e apreensão. Os amigos o acompanham em barcos até o
início do caminho por terra. Ali ele se despede com “lágrimas de
adeus”. Depois de anotar o poema, Bashô escreve no diário: “Este poema
foi o primeiro de minha viagem. Pareceu-me que eu não avançava ao
caminhar. Tampouco as pessoas que tinha ido se despedir de mim se
afastavam, (...)”

Querer que o haicai seja outra coisa que não ele mesmo, com suas
características técnicas e artísticas, é a pior forma de leitura que
se faz, infelizmente do poema. Compará-lo, por exemplo, à arte
plástica para dizer que o haicai é muito “figurativo” e pouco
“abstrato”, é uma forma de ignorar a riqueza de sua linguagem. Ou não
teríamos um haicai, por exemplo, como este de Bashô:
-
escurece o mar –
a voz dos patos selvagens
vagamente branca
-
Aqui o poeta contrasta o escuro do mar com o branco dos gritos dos
patos, ou seja, utiliza da sinestesia, um recurso sofisticado da
linguagem.

Não estou dizendo que o haicai tenha que ter sofisticação. Sua
afirmação como poema específico na poesia universal é secularmente
definida. Sua linguagem continua sendo simples, nossas leituras é que
precisam ser aprimoradas.
-
noite de invernia –
o silêncio por pouco
sem o som do rio
-

josé marins

A CHAVE DA CASA


O relógio, os ponteiros, o tic-tac nervoso,
a garrafa de conhaque pra baixo da metade.
A campainha da porta adormecida, em silêncio,
a janela da sala permanece entreaberta.
O cinzeiro lotado, o cigarro entre os dedos,
respiração afrontada, o poema, o segredo.
O ambiente em penumbra, o mês é setembro,
madrugada chuvosa, faz tempo, nem lembro,
da última vez que ouvi o seu nome.
O livro de poemas, finalmente terminei,
poucos foram vendidos, a maioria eu guardei.
Na estante da sala uma bagunça danada,
livros, corujas, cristais e cds.
Tem tempo não ando pelas ruas da cidade,
enlouquecem-me o barulho e a fumaça dos carros.
O açúcar anda alto, o nome certo é glicose,
o telefone às vezes toca, normalmente é engano.
No canto da sala um quadro inacabado,
monocromático esforço, um árido esboço.
O vaso de plantas, quando lembro, eu rego,
samambaia valente resiste a tudo.
O violão em silêncio, desafinadas as cordas,
não componho mais toadas, estou mais pro bolero,
as teclas do piano traduzem melhor os enganos.
Notícias recentes dão conta que o sonho
ficou a deriva num navio sem cais.
Ainda guardo em meu quarto a aliança, o perfume,
sua fotografia e as cartas de amor.
A chave da casa, escondida, você sabe...
Quando quiser, é só abrir a porta e entrar.



NALDOVELHO

PENSAMENTO


Meu pensamento
é como o voo dos pássaros
não deixa pegadas

Mas se por acaso
deixar uma trilha no caminho
é sinal que deixei de pensar



 Alvaro Posselt  

Totem



Quisera teu espaço
Aço, aço, aço,
Aço de fel, ferrugem
Tão
Bolor

Aos meu cuidados
Meu desvelo, amor
São.
Valor, virtude.

Ao que se alude,
Açude ou vácuo, ou
Ou,

Nada e ser.

Quanto se gasta,
Quanto se compra,
Quanto se chora
Quanto se espanta.

A gente branca
Planta e arranca
A lua orbita e, franca
Mansa nos quer
Sonhar, ver.

Nade contra a corrente,
Do clichê

O que te parece, não
É aos olhos de quem
Não vê

A verdade dos meus dias

Caminha, tropeça,
Em mim

E não me vê.

ACM

O Poema



o poema não chora
o poema não morde
o poema provoca
e convoca
à luta com palavras e versos
e ditames inversos
às vezes dispersos
outras, loucos
o poema se esgueira
no meio das consciências


Prof. Roque
Lapso

A memória
é um patrimônio.

Pessoal & intransferível.

Enquanto o Alzheimer

não bate à porta...

Ricardo Mainieri

[De que cor é a morte?]



Vou refinando a morte
Sem suster a respiração
Qualquer uma me serve
Anui-me como uma luva

Tenho as medidas certas
E os olhos revirados,
Divididos ao meio, urdidos
Por linhas descontínuas

[De que cor é a morte?]

Pintá-la-ei de frutos
Silvestres, quem sabe
De álcool com amoras
À mistura, ou de rosas
Murchas sem pétalas

Mas tudo bem,
Deixem-se de merdas
Eu também já estive
Morta antes de nascer


Conceição Bernardino

SONETO AO LEITOR

    
A ignorância, o pecado e a tolice me irritam.
Respiro fundo e eles dentro ardem e crepitam.
Aos pulmões trago um ar impalpável da tarde,
Como os remorsos que nos espíritos habitam.

Nunca confessamos a ilusão que amordaça.
Às tramas da mentira retomamos a estrada.
Sorte dos mendigos que exibem sordidez,
Sonhamos alegre que a nódoa se desfaça.

E assim seguimos alquebrados e ofegantes,
Já dos olhos e força do Amor tão distante,
Como os símios com suas caretas ao destino.

Caras e guinchos atrozes do armagedon,
Você Leitor é tão hipócrita quanto irmão,

Não lança nem um grito presse desatino.

Eduardo Ribeiro  

Samaumeira



Teu espelho é o rio
dos teus frutos saem bolinhas serventes
quando a canoa passa, estica e colhe na barca os frutos para debulhar
bolinhas gostosas de se espocar
minha avô enchia os travesseiros para na noite os netos terem devaneios
eu...ficava escondida..a espocar as bolinhas
barulho gostoso que só gente da floresta que presta atenção
Arvore frondosa na beira do rio
cobre com suas bolinhas o imenso vazio.


Giselle Serejo, in SÉRIE Amazônica, Flora.

O ARTISTA...



O artista...
realça, dá vida,
desmistifica.
Orla o orbe do real,
desvendando a fantasia.
Cria um novo dia.
Traz à tona as sensações.
Os dizeres, quereres,
as rimas, os versos, os seres.
Desveste os segredos.
Detona os mistérios,
e o que antes se fazia etéreo,
toma forma,define-se...

O artista,
eterno hiato entre o sonho
e o real.
A criatura, que perdura,
pois que viver
nos dois mundos o torna
mais que razão de Ser.
O faz igual...
genial...


josemir(aolongo...)

ESTE SONHO POEMA


Esta consistência pedra
traz o limo impregnado
e o relevo inesperado,
traz arestas esculpidas,
armadilhas desta vida.

Esta pele tecido
traz bordados, tatuagens,
vestimenta de coragem,
armadura já cerzida,
cicatriz em carne viva.

Este sangue viscoso
derramado no assoalho,
traz fuligem, traz ferrugem,
traz fumaça de cigarro,
coisa estranha e corrosiva.

Este silêncio nervoso,
esconde estragos, desencantos,
mas traz desmanche de feitiço
conjurado noite e dia,
ainda guardo as feridas.

Este sonho poema,
traça mapas, dá detalhes,
revela a força das palavras
desencravadas feito farpas

e mostra a luz a ser seguida.


NALDOVELHO

Nem chove



Nem de sempre
Nem de menos
Nem de outro
Nem pleno

Nem assim
Nem azedo

Nem qual
Nem mal
Nem medo

Nem não
Nem sim

Nem sem mim
Nem sem sê-lo

Nem quero
Nem espero
Nem vivo

Nem amo
Nem plano
Nem crivo

Nem voltarei
Nem voarei
Nem escreverei
Nem sei

Pois

Nem chove.

ACM