quinta-feira, 19 de março de 2020


Josemir Tadeu Souza     


Sorte do poeta...
alguns versos nem precisam ser escritos,
colocam-se modo infinito,
bem explícitos...
não precisam ser transcritos.
Tocam forma forte, nossas caras...




Silêncio contrariado


Ricardo Mainieri              


Carrego dentro
um punhado de lágrimas.

Artefatos bélicos
não deflagrados.

Os ritos sociais
exigem penitência
ardis
disfarces.

Sou bom menino:
obedeço.

Num silêncio
contra & irado.



SOLIDÃO




Por que fazes assim com quem deseja
Estar sempre ao teu lado, a vida inteira.
A solidão cruel aqui lateja
Na ausência desta amada companheira.

A lua que se esconde sertaneja
Deixando esta incerteza, derradeira,
A dor em agonia, malfazeja,
Sangrando e destruindo esta bandeira

Do amor que sempre foi minha esperança
Apenas o vazio me tomando.
Restando tão somente uma lembrança

De um tempo mais feliz. Mas é passado.
Meu sonho se perdendo e desandando,
Seguindo sem ninguém, abandonado...

Medrei-me...
talvez eu tenha que lobrigar.
Adiantar meus passos,
desatar os laços...
aqueles que contidos em mim
em forma de nós,
deixam-me a mercê da esqualidez.
Preciso fazer fluir-me,
buscando com avidez
a afirmação de ser-me de fato.
Preciso abolir de mim, o talvez...

josemir(aolongo...)

A Palavra




© Nathan de Castro

A palavra é a minha morada.
Nela guardo todos os meus sonhos, todos os meus medos,
todas as minhas angústias e todos os meus silêncios.
A palavra é a poesia que nasce da terra,
a semente que germina, o trigo que floresce,
o mato que cresce e a árvore
frondosa que tem sombra de palavra amiga.

A palavra delira
e a palavra paixão
é a palavra que gira
e alimenta a canção.

A palavra respira
e a palavra é a emoção,
que das cordas da lira
diz sim à vida, e não
à palavra que nada diz
a esse canteiro torto: o meu coração...

Amanhã tem a palavra das sombras...
Tem a poesia. Tem o sim e tem o não.
Não existe perda,
existe a rima e o beijo doce, de emoção.

A palavra delira
e a palavra é:__ Paixão!

Do tempo:


De Fernando Moreira Salles

Hora descarnada
não lembra
não tarda
hora rasa
nomeia a todos
convoca os deuses
e sem demora
vira a página

BLUES




bebo estrelas
ávido de azul
brinco de roda
pinto uma tela
abro a janela
e escuto um
som de blues

(Cristina Desouza)

POEMA INACABADO



NALDOVELHO

Louva-deus sentado na janela,
observa contrito o dia que passa.
Dentro do quarto, em cima da mesa:
pétalas, pensamentos, palavras, poemas.
Lá fora entardece, e um vento inquieto avisa:
logo-logo anoitece!
Pela janela: sol sonolento abençoa louva-deus.
Em cima da mesa: versos confessos, segredos, solidão.
Num canto do quarto, pendurada: renda portuguesa
diz que adora o poeta, que lhe tem devoção.
Agora é noite, luz da lua ilumina louva-deus.
Aqui dentro: poema inacabado,
onde palavras são pétalas, esboço de oração.


QUIETUDE DA ALMA



NALDOVELHO

Passarinhos passeiam pela sala
e um gato sonolento espiona.
conversa travada em silêncio,
cumplicidade premeditada com o tempo.
O cheiro de café coado bem forte,
pão francês, queijo branco, angu de corte,
biscoito de nata, goiabada cascão,
manteiga sem ranço, tarde macia de agosto
e uma certa brisa quente no ar.
Que tal encostar, assim, mais um pouco?
Embaraçar de vez nossas pernas?
Suas mãos mal intencionadas provocam...
O meu corpo aquecido responde.
Espreguiçadeira repousa na varanda,
samambaia chorona ao vento.
Quietude precisa da alma
que entardece aconchegada em seu colo.


Emoção eviscerada




Por tanto tempo
(interditada)
trago agora
a emoção eviscerada.

Que se abre em
versos
vozes
afetos
imagens.

Perdi a chave
que blindava
todo o inconsciente
& seus produtos doce-amargos.

Estou exposto
à visitação pública & privada.

Não tenho medo do escuro
ama(r)dureci.

Ricardo Mainieri

Poeta Argonauta



© Nathan de Castro

Poeta e argonauta, viajei
por entre nebulosas gigantescas.
Nadei em mar sereno de águas frescas
e em Êta de Carina me encontrei.

Marujo velho e amigo das estrelas,
ao brilho de Canópus me entreguei
para beber da luz e absorvê-la,
mas nada... Meu poema não achei.

E náufrago dos sonhos e dos versos,
hoje procuro em terra a embarcação
para voar meus dias no Universo

com rimas simples, paz no coração...
E resgatar minh’Argus submersa.
De dia, sol. De noite, outra canção.



Paulo Leminski, 

sorte no jogo
azar no amor
de que me serve
sorte no amor
se o amor é um jogo
e o jogo não é meu forte,
meu amor?



chovem as nuvens
gotículas de verde
molham a serra

(Cristina Desouza)

"pouco a pouco, o impasse"



- Para Antonio Cicero.

peça a peça, monta-se
o quebra-cabeça.
pouco a pouco, o impasse
do projeto esqueça.

passo a passo, a base
do poema nasce
das sinapses, quase
sem forma, sem face,

envolta de breu,
do que se perdeu
na intenção de ver

vir à tona o ver-
so... depois? viver
o que aconteceu!


Adriano Nunes

quarta-feira, 18 de março de 2020

ONTEM, HOJE, AMANHÃ E SEMPRE



quando eu vagava devagar e sempre
as estrelas do céu eram meus mimos
olhava bem de cima para os cimos
sonhar era o que importava realmente
mas resolvi acelerar o passo
e voltar atrás me fez ir em frente
não me perguntem o que eu tinha em mente
ao mandar minhas ilusões pro espaço
foi pensando em aprender a ser gente
que emburreci de vez meus sentimentos
perdi o centro dos acontecimentos
e a vida se arrastou lamentavelmente
olhando para minha trajetória
hoje, sei o quanto estava equivocado
ver o futuro é coisa do passado
só no presente funciona a memória
se agora ao céu me volto emocionado
não é o sonho de Leon me acompanhando
mas a consciência de onde, como e quando
deter o diabo que eu tenho carregado


antonio thadeu wojciechowski

...

Frágil




feito de sonhos
& lembranças
me arremesso
no teu colo
feito um pássaro
assustado

Otto Leopoldo Winck


entre uma noite
e outra
um ligeiro fulgor:
esta é a vida
isto é tudo
que temos
e somos

por isso vamos dançar
ébrios da luz
dessa chama breve

que a vida
é este pouco
este quase nada
isto é tudo
e este tudo basta:

uma chama
um chamado
uma dança
de duas breves
borboletas

Otto Leopoldo Winck


há um corpo no chão
entre transeuntes que passam apressados
observam curiosos
se desviam
fazem perguntas
é só um corpo
mais um entre tantos

um corpo morto
um corpo negro
um corpo jovem

é bom saber que a polícia está fazendo o seu trabalho

Otto Leopoldo Winck


Lua. Uma é a lua que vejo, outra a lua que escrevo. E nenhuma delas tem relação com a lua real para além da visão e da escrita. O que isto quer dizer? Que a literatura não tem nada a ver com a vida? Não necessariamente. A literatura ora vampiriza a vida, ora a ilumina. Representação e transfiguração -- eis o efeito da literatura. O poeta é pintor e xamã. Testemunha e bruxo. Lua. Que lua é esta?

OLW

Os trabalhadores e a juventude brasileira precisam defender sua vida e sua sobrevivência



 "Declaração Os trabalhadores e a juventude brasileira precisam defender sua vida e sua sobrevivência A Organização Mundial de Saúde (OMS) acaba de declarar que o mundo está numa pandemia de coronavírus. Para a OMS, nas últimas duas semanas o número de casos fora da China aumentou 13 vezes e número de países afetados triplicou. Hoje, são mais de 118 mil casos ao redor do mundo e 4.291 mortes. Segundo o jornal El País/Brasil “O diretor-geral da entidade, Tedros Adhanom Ghebreyesus, afirmou nesta quarta-feira que o órgão está ‘profundamente preocupado’ com ‘níveis alarmantes de propagação e severidade, bem como com níveis alarmantes de inação”. Há poucos dias a imprensa mundial divulgou que um grupo de pesquisadores da Universidade Harvard estimou que entre 40% e 70% de toda a população mundial deve ter resultado positivo para o novo coronavírus em algum momento. De acordo com os cientistas, essa taxa de infecção poderia ocorrer ao longo do próximo ano. Hoje, a primeira-ministra alemã, Angela Merkel, previu que 70% dos alemães podem contrair o vírus se nada for feito para conter a expansão da doença. Feitas as contas, se a contaminação atingir entre 40 e 70% da população mundial, e com o grau de letalidade variando entre 2% e 3,6%, as mortes podem atingir dezenas de milhões – ou até mais de 100 milhões - de pessoas em todo o mundo. Isso equivaleria a uma guerra mundial. O ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, disse, em audiência no Congresso Nacional, que nada muda com o anúncio da OMS. Ou seja, pouco se importou com os riscos envolvidos por detrás da Pandemia, reproduzindo o descaso que vem sendo expresso pelo presidente Bolsonaro. No momento em que o Brasil precisaria liberar mais verbas para fortalecer seu setor de saúde e melhorar as condições sanitárias para evitar a propagação do coronavírus, o Ministro Paulo Guedes, da economia, enviou ao Congresso uma lista de prioridades onde pede a aprovação acelerada das PECs que desmantelam e privatizam os serviços públicos atingindo em cheio à saúde pública do país. A preocupação do Ministro da Economia não é com os trabalhadores, com a população, e sim com a política de ajuste fiscal que disponibilize aos especuladores (donos de títulos da dívida pública) dinheiro público para engordar seus dividendos. É isso que ele está fazendo com o Fundo Soberano, queimando bilhões de reais no jogo de especulação do dólar contra o real. A urgência do povo é diferente da ganância dos grandes capitalistas bilionários. O povo tem urgência em fortalecer o sistema de saúde, equipar os hospitais e ampliar os leitos hospitalares, melhorar nossas condições sanitárias, contratar e capacitar mais profissionais da saúde, fabricar máscaras adequadas na quantidade necessária à população, assegurar os salários e os empregos dos trabalhadores. Por isso é tarefa da hora que as organizações dos trabalhadores e da juventude (partidos, centrais sindicais, UNE/UBES, etc) exijam, entre outras medidas: - Cancelamento imediato da EC 95 que congela os gastos com a saúde pública, ampliação emergencial do sistema público de saúde (SUS); - Utilização do dinheiro do Fundo Soberano para aumento dos gastos com a saúde pública e medidas para minorar as consequências sociais do coronavírus e não para gastar na guerra cambial dos especuladores. Contra a especulação ao Real controle do câmbio pelo Banco Central; - Suspensão imediata da aplicação da reforma previdenciária para garantir dinheiro para a seguridade social e poder de consumo da classe trabalhadora; - Retirada imediata de tramitação de todas as propostas no Congresso Nacional que desmantelam, reduzem e privatizam os serviços públicos; - Proibição de demissões e reduções de salários por conta do coronavírus; - Nenhuma escola desativada ou com verbas cortadas. Nenhum professor demitido. Garantia de ajuda alimentar para as crianças que dependam da merenda escolar matriculadas em escolas fechadas temporariamente. Licença de trabalho – sem corte de salário e com garantia de emprego – para mães de crianças de escolas onde as aulas forem temporariamente suspensas; - Nenhum curso universitário desativado ou com cortes de verbas em universidades temporariamente com as aulas suspensas. Mais verbas para a pesquisa em área de saúde relativas ao combate ao coronavírus. É evidente, depois de 1 ano de mandato, que o governo Bolsonaro é um governo desinteressado em defender a vida da grande maioria do povo brasileiro. Diante de uma situação tão preocupante como a pandemia de coronavírus, onde as medidas são urgentes para defender socialmente a sobrevivência da família trabalhadora, o povo tem o direito de discutir os meios de constituir um governo e instituições capazes de levar esta tarefa adiante. Certamente, não será um governo a serviço de especuladores e de grandes capitalistas – que só fazem aumentar a miséria – que realizarão a tarefa de defender a vida da população. No dia 18 de março todos às ruas lutar contra Bolsonaro e sua política de destruição dos serviços públicos que só vai agravar as consequências do coronavírus. Fora Bolsonaro, por um governo dos trabalhadores que defenda a vida do povo. Estamos à disposição para discutir com todos os militantes, trabalhadores e jovens, essa declaração. Organização Comunista Internacionalista (OCI) – 11.03.2020 Contato: cartaoci@gmail.com". Você pode escolher se deseja adicionar isso à sua linha do tempo.
Anisio escreveu: "Declaração Os trabalhadores e a juventude brasileira precisam defender sua vida e sua sobrevivência A Organização Mundial de Saúde (OMS) acaba de declarar que o mundo está numa pandemia de coronavírus. Para a OMS, nas últimas duas semanas o número de casos fora da China aumentou 13 vezes e número de países afetados triplicou. Hoje, são mais de 118 mil casos ao redor do mundo e 4.291 mortes. Segundo o jornal El País/Brasil “O diretor-geral da entidade, Tedros Adhanom Ghebreyesus, afirmou nesta quarta-feira que o órgão está ‘profundamente preocupado’ com ‘níveis alarmantes de propagação e severidade, bem como com níveis alarmantes de inação”. Há poucos dias a imprensa mundial divulgou que um grupo de pesquisadores da Universidade Harvard estimou que entre 40% e 70% de toda a população mundial deve ter resultado positivo para o novo coronavírus em algum momento. De acordo com os cientistas, essa taxa de infecção poderia ocorrer ao longo do próximo ano. Hoje, a primeira-ministra alemã, Angela Merkel, previu que 70% dos alemães podem contrair o vírus se nada for feito para conter a expansão da doença. Feitas as contas, se a contaminação atingir entre 40 e 70% da população mundial, e com o grau de letalidade variando entre 2% e 3,6%, as mortes podem atingir dezenas de milhões – ou até mais de 100 milhões - de pessoas em todo o mundo. Isso equivaleria a uma guerra mundial. O ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, disse, em audiência no Congresso Nacional, que nada muda com o anúncio da OMS. Ou seja, pouco se importou com os riscos envolvidos por detrás da Pandemia, reproduzindo o descaso que vem sendo expresso pelo presidente Bolsonaro. No momento em que o Brasil precisaria liberar mais verbas para fortalecer seu setor de saúde e melhorar as condições sanitárias para evitar a propagação do coronavírus, o Ministro Paulo Guedes, da economia, enviou ao Congresso uma lista de prioridades onde pede a aprovação acelerada das PECs que desmantelam e privatizam os serviços públicos atingindo em cheio à saúde pública do país. A preocupação do Ministro da Economia não é com os trabalhadores, com a população, e sim com a política de ajuste fiscal que disponibilize aos especuladores (donos de títulos da dívida pública) dinheiro público para engordar seus dividendos. É isso que ele está fazendo com o Fundo Soberano, queimando bilhões de reais no jogo de especulação do dólar contra o real. A urgência do povo é diferente da ganância dos grandes capitalistas bilionários. O povo tem urgência em fortalecer o sistema de saúde, equipar os hospitais e ampliar os leitos hospitalares, melhorar nossas condições sanitárias, contratar e capacitar mais profissionais da saúde, fabricar máscaras adequadas na quantidade necessária à população, assegurar os salários e os empregos dos trabalhadores. Por isso é tarefa da hora que as organizações dos trabalhadores e da juventude (partidos, centrais sindicais, UNE/UBES, etc) exijam, entre outras medidas: - Cancelamento imediato da EC 95 que congela os gastos com a saúde pública, ampliação emergencial do sistema público de saúde (SUS); - Utilização do dinheiro do Fundo Soberano para aumento dos gastos com a saúde pública e medidas para minorar as consequências sociais do coronavírus e não para gastar na guerra cambial dos especuladores. Contra a especulação ao Real controle do câmbio pelo Banco Central; - Suspensão imediata da aplicação da reforma previdenciária para garantir dinheiro para a seguridade social e poder de consumo da classe trabalhadora; - Retirada imediata de tramitação de todas as propostas no Congresso Nacional que desmantelam, reduzem e privatizam os serviços públicos; - Proibição de demissões e reduções de salários por conta do coronavírus; - Nenhuma escola desativada ou com verbas cortadas. Nenhum professor demitido. Garantia de ajuda alimentar para as crianças que dependam da merenda escolar matriculadas em escolas fechadas temporariamente. Licença de trabalho – sem corte de salário e com garantia de emprego – para mães de crianças de escolas onde as aulas forem temporariamente suspensas; - Nenhum curso universitário desativado ou com cortes de verbas em universidades temporariamente com as aulas suspensas. Mais verbas para a pesquisa em área de saúde relativas ao combate ao coronavírus. É evidente, depois de 1 ano de mandato, que o governo Bolsonaro é um governo desinteressado em defender a vida da grande maioria do povo brasileiro. Diante de uma situação tão preocupante como a pandemia de coronavírus, onde as medidas são urgentes para defender socialmente a sobrevivência da família trabalhadora, o povo tem o direito de discutir os meios de constituir um governo e instituições capazes de levar esta tarefa adiante. Certamente, não será um governo a serviço de especuladores e de grandes capitalistas – que só fazem aumentar a miséria – que realizarão a tarefa de defender a vida da população. No dia 18 de março todos às ruas lutar contra Bolsonaro e sua política de destruição dos serviços públicos que só vai agravar as consequências do coronavírus. Fora Bolsonaro, por um governo dos trabalhadores que defenda a vida do povo. Estamos à disposição para discutir com todos os militantes, trabalhadores e jovens, essa declaração.

Anisio Garcez Homem 




Organização Comunista Internacionalista (OCI) – 11.03.2020 Contato: cartaoci@gmail.com"



Curitiba é uma província.
Diminuta, tacanha, ensimesmada.
Mas não na literatura: na literatura Curitiba é um gigante.
Já houve tempo que a literatura em Curitiba se reduzia a alguns pálidos satélites em torno de um ou outro luminar: Emiliano, Newton Sampaio, Dalton, Leminski...
Esse tempo acabou: hoje Curitiba é uma galáxia, uma nebulosa, uma constelação onde luzem aqui e ali dezenas de asteroides de primeira grandeza.
Ainda há uma certa autofagia, uma excessiva timidez, um medo de se apresentar e dizer "oi, tô aí", mas, fora isso, onde outra cidade com tantos poetas, prosadores, ensaístas e tradutores de responsa?
É esta Curitiba que eu viajo.
Não a do Moro, do Grega e da bancada do camburão.

Otto Leopoldo Winck (10 de março de 2018)

AMOR ADENTRO




Adentro teu corpo
como quem adentra o mar
e, mar adentro, adentra a noite:
lemes, velhas cartas de navegação, astrolábios
são inúteis para me guiar. Não sei se descobrirei Américas, Atlântidas
ou se me afogarei. Sei apenas que o mar
tem gosto de lágrimas
e o amor é salgado.

Adentro teu ser
como quem adentra o mar à noite
e, mar adentro, noite adentro, adentra o mistério dos seres,
sem âncoras, sem bússolas, sem nenhuma orientação.
Não sei se ouvirei sereias, preso ao mastro como Ulisses,
ou se serei arrebatado como Elias.
Sei apenas que é tarde,
muito tarde,
e que todo amor é amargo.

Otto Leopoldo Winck

BANANA BOAT



Você já esteve na esquina
Onde marcamos de nos encontrar?
A loucura do labirinto lateja
Embora nem eu nem você ali esteja

Tristeza é sombra
E Minotauro o tamanho da solidão
Sonho nem sempre salva
Ilusão desengana
Delírio é apoteose sacana

A conclusão é que somos banana
Eu e você

Antonio Thadeu Wojciechowski, Eduardo de Moraes e Sérgio Viralobos

terça-feira, 17 de março de 2020

kierkegaard ou o palhaço




● incendio no circo - berra ●
● o palhaço nu no picadeiro - ●

● o circo ta pegando fogo - ●
● fogo sem fim q tudo devora - ●

● os clientes juram q é teatro - ●
● porisso riem com violencia - ●

● ele urra urro - burro burra - ●
● acham inda mais engraçado - ●

● entre chamas o palhaço ●
● rosna - rosno com loucura - ●

● com loucura eles riem - ●
● ate entre chamas eles riem - ●

● nas mesmas chamas - vamos ●
● não vamos - ser é não dizer - ●

trutas

● cesar precisa sair ●
● o senado espera o povo espera ●
● inda com esses pedaços de truta na boca ●

● cesar palita os dentes no meio da rua ●
● mastiga o resto de truta q saiu dos dentes ●
● a truta macia pescada pros dentes ●

● cesar gosta das trutas bem assadas ●
● dos palitos afiados de bambu e do senado ●
● bem calado como manda a tradição ●

● cesar não sabe mais o q dira ao povo ●
● o q dira ao senado porq so pensa nas trutas ●
● sempre macias e no palito fura linguas ●

● cesar anda pela rua com o olhar do povo ●
● ele não gosta do povo não gosta do senado ●
● ele não gosta de roma so gosta das trutas ●

● cesar tambem não gosta de facas e espadas ●
● porisso ele grita pra quem olha e murmura ●
● vão todos pra puta q os pariu e ri e ri ●

● cesar vai e vai como um doido varrido ●
● arrastando passos olhando passaros ●
● longe o rio as trutas os barcos balançam ●

● cesar coça a virilha q arde e ri e ri ●
● porq é como se fossem as trutas na agua ●
● quando se mergulha grita ele desesperado ●

● cesar ve o senado ve o povo reunido ●
● depois virão as palavras na hora bem assim ●
● sempre foi assim berra ele coçando o saco ●

● cesar sabe q vai morrer sabe de tudo antes ●
● porisso sou cesar grasna cesar indo morrer ●
● sonhando trutas coçando o saco ele morre ●

*

POBRE DE DAR DÓ




nunca houve um big bang, a ciência é patética
a fraude intelectual me dá nos nervos
tudo não passa de uma bobagem hipotética
todos os elementos continuam os mesmos

cada ponto do universo está conectado e respira
o tempo assiste o seu próprio renascimento
ninguém morre realmente, nem por birra
só os tolos veem na matéria seu desenvolvimento

a vida é essa passagem de um lado para o outro
a alma migra, ganha impulso, e sai fritando
o cérebro é um saco que o espaço trata a soco
a história, a soma dos erros que vamos anotando

o estágio de nossa civilização é uma piada de mau gosto
o capitalismo extingue e quer receber em espécie
mães choram e uivam para a lua só de desgosto
ainda não colocaram no mundo algo que preste!

e eu, mais miserável que o mais miserável dos seres,
do alto desta folha de papel, rio amargamente:
o deus grana vende aos pobrinhos seus superpoderes
e eles compram, pois querem ser felizes para sempre!

.
antonio thadeu wojciechowski


ONTEM, HOJE, AMANHÃ E SEMPRE



quando eu vagava devagar e sempre
as estrelas do céu eram meus mimos
olhava bem de cima para os cimos
sonhar era o que importava realmente
mas resolvi acelerar o passo
e voltar atrás me fez ir em frente
não me perguntem o que eu tinha em mente
ao mandar minhas ilusões pro espaço
foi pensando em aprender a ser gente
que emburreci de vez meus sentimentos
perdi o centro dos acontecimentos
e a vida se arrastou lamentavelmente
olhando para minha trajetória
hoje, sei o quanto estava equivocado
ver o futuro é coisa do passado
só no presente funciona a memória
se agora ao céu me volto emocionado
não é o sonho de Leon me acompanhando
mas a consciência de onde, como e quando
deter o diabo que eu tenho carregado
antonio thadeu wojciechowski



Tão abstrata é a idéia do teu ser
Que me vem de te olhar, que, ao entreter
Os meus olhos nos teus, perco-os de vista,
E nada fica em meu olhar, e dista
Teu corpo do meu ver tão longemente,
E a idéia do teu ser fica tão rente
Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me
Sabendo que tu és, que, só por ter-me
Consciente de ti, nem a mim sinto.
E assim, neste ignorar-me a ver-te, minto
A ilusão da sensação, e sonho,
Não te vendo, nem vendo, nem sabendo
Que te vejo, ou sequer que sou, risonho
Do interior crepúsculo tristonho
Em que sinto que sonho o que me sinto sendo.
Fernando Pessoa, 12-1911



[O que é escrever senão uma tentativa vã, desesperada, de exorcizar os demônios e arrancar deles um sentido?] por Jamil Snege, grande prosador e poeta ainda a ser descoberto pelo Brasil.

POESIA VERSUS PROSA


 by Marcelo Sandmann
para Cristovão Tezza

Um bom poema é feito
tiro de misericórdia.

O poeta não tortura seu leitor
como faz o prosador,
linhas
e dias a fio.

É pá-buf!

O corpo caído:
o pingo na testa.

Revolução dos ubers




no começo achei que ia ser só pra fazer um extra, mas sabe como é, a vida é dura igual rapadura. meu avô sempre trazia rapadura lá da paraíba pra gente. rapadura é doce pelo menos.

última viagem. depois dessa vou colocar pra ir na direção da minha residência. daí já entrego o passageiro lá perto e me mando que amanhã tem mais. amanhã? besteira. já são duas e trinta e quatro. sou uber, mas manjo de plural, morô? um bando de cabeçudo letrado desmerecendo nossa profissão que fala "é cinco hora". sabe, é duro quando alguém pergunta o que você faz e você diz "sou uber". tem umas minas que nem dá moral quando fica sabendo. os zóio azul engana, tá ligado? às vezes erro plural de propósito, pois tá no sangue. apesar dos olhos eu cresci mesmo foi na periferia, bairro do Jaguaré, com os manos das antiga. lá errar plural é charmoso, morô?

mas daí tava levando essas mina que saíram do bloco. trabalhar no carnaval dá uma grana. pena que a gente gasta metade só pra tirar as purpurina dos banco. aliás a gente gasta metade do ano pra tirar o barato. demora tanto que quando sai tudo já chegou o carnaval de novo. é a unica coisa que salva nesse país que o povo já começa o carnaval em novembro e termina em maio. preciso tomar cuidado pra não ficar igual taxista reclamando de tudo na vida. mas também que vidinha desgraçada ficar dirigindo nessa cidade entupida de merda. tô parecendo taxista mesmo. e pior. tô parecendo taxista argentino. já foi pra argentina? se for nem troca ideia com os taxista, pois eles só reclamam. reclamam ou te dão um golpe. taxista argentino parece taxista carioca. desculpa a xenofobia, mas taxista carioca além de te roubar ainda é chato pra dedéu.

bom, deixei as mina no endereço. viagem fria, sem conversa, só fui ouvindo os papo. carnaval é daora! pena que a gente tem que trabalhar. é quando dá dinheiro.

parei ali pra marcar a zona que queria voltar. mas a madrugada é doida, tá ligado? não dá pra moscar na quebrado dos outros.

-PERDEU! PERDEU!

tomá no cu! me fodi. entrou dois maluco no banco traseiro e metero o cano na minha cabeça.

-PERDEU!
-É! PERDEU!
-perdi. já entendi. mas perdi o que?
-é, o que ele perdeu?
-sei lá. o que você perdeu?
-sei lá. vocês que tão me roubando.
-aí esse uber é folgado hein.
-acelera essa porra antes que meto um tiro na sua cabeça.
-tudo bem, mas vamos manter a calma, por favor.

acelerei.

-vamos pra onde?
-só dirige aí e cala a boca.

dirigi.

-o que você tem aí nessa mochila?

nao respondi.

-responde essa porra!
-vocês tão me confundindo. ou eu calo a boca ou eu respondo vocês. as duas coisas não dá.
-aí dá uma coronhada nesse fila da puta!
-foi mal, foi mal. desculpa.
-mais uma gracinha e a gente vai te esculacha!
-então, têm uns livros de poesia.
-poesia?
-que merda é essa?
-poesia é a beleza da linguagem.
-ixi esse cara é viado.
-beleza de cu é rola! vai ver a linguagem na sua mãe se ficar com essas frescura.
-minha mãe morreu.
-pô, desculpe aí. não sabia.
-é, zoar a mãe é foda. desculpe meu amigo.
-tá tudo certo. então, poesia é tipo rap. racionais, sabotage, tá ligado?
-aí o cara tá falando nossa língua.
-passa essa bosta pra cá pra gente vê essa fita aí.

os caras começou a pegar os livro na mão.

-é tudo igual?
-é que eu que escrevi. ando por aí e vou vendendo.
-ó lá! o cara é viado memo.
-inclusive tô vendendo por 30 reais. passo maquininha de cartão.
-vá tomá no teu cu, maluco. a gente vai é roubar essas porra tua.
-tudo bem. depois me falem o que acharam.
-achar o que? não dá nem pra ler essa merda. não tem pontuação. só letra pequena.
-deve ser por isso que o cara é uber.

os caras caíram na risada.

-mas aí. posso dar uma letra pra vocês.
-mas dá letra grande aí também. não vem com essas miudeza pra cima de nóis.
-então, cês tão fazendo as fita aí porque cês tão fodido. nasceram na quebrada, não tiveram oportunidade igual esses grã fino que mora nesses condomínio têm, não é?
-aí esse maluco com esses papo doido.
-peraí. deixa o maluco dá a letra dele.
-então, continuando... daí cês vêm roubar os trabalhador que tão fodido também, tá ligado? eu tô fazendo uber só pra tirar um extra, morô? mas a grande maioria aí tá se fodendo nas ruas dessa cidade passando mó veneno. trabalhando dezesseis horas por dia pra ganhar pouco. quase não vê os filhos. chega em casa no stress e briga com a esposa, tá ligado?
-e cê quer que nóis faz como, irmão?
-é, como é que cê quer que nóis faz?
-cês são soldado do crime, não são?

os maluco concordaram quietos. tô ganhando nas ideia.

-cês tem que fazer as fita pra levantar um dinheiro. às vezes tem que troca uns tiro com os polícia, às vezes acontece de ter que matar alguém que não colaborou, não é mesmo?
-o cara tá ligado qual é a fita.
-continua essa ideia aí.
-às vezes vocês rodam e tem que tirar uns dias, às vezes uns meses, anos, pá e fica sem ver a família. passando mó veneno na cadeia. a vida é louca, mano. daí um belo dia nós três nos encontramos na calada da madrugada, vocês tentam me roubar, eu me desespero, vocês me matam e são presos e o sistema continua igual, tá ligado?

os caras só ouviam agora.

-revolução, irmãos! a gente se junta. os irmão destemidos que pegam em armas e as cabeças pensantes e também os trabalhadores. os operários que tão fodidos nas fábricas, nós aqui uberizados pelo sistema, os caminhoneiros. aí irmãos é greve, poesia e armas tudo muito bem organizado contra o sistema. a gente toma o país. se alguns desses vermes fardados quiserem lutar com a gente serão aceitos, os que não quiserem a gente fuzila junto com os poderosos que fodem a gente todo santo dia. é guerra, irmãos! guerrilha! revolução! viva marighella!

um silêncio profundo dentro do carro.

-quanto é teu livro, irmão?
-pros irmãos de luta eu dou de presente.
-pô, obrigado mesmo.
-e esse tal de marighella? os racionais fala desse maluco aí.
-esse maluco é zica. onde cês moram? vou levar vocês lá.
-rio pequeno.
-é mesmo? do lado de casa. cês tão longe hein.
-ah tem que roubar longe da quebrada, né?
-tem um boteco vinte e quatro horas lá. vamos tomar umas ali pra você falar mais sobre esse lance de revolução.
-demorou, vamos lá. só preciso dizer uma coisa. eu menti sobre a parada da minha mãe. ela tá viva.

Victor Miranda

soneto de mim


by Rodrigo Madeira/ 

quando a chuva cai na terra, sou eu
tudo que fui: espada, chaga e escudo
tudo que serei: mundo menos eu
olhos que não mais despertam no escuro

quando a chuva cai na terra, sou seu
tudo que fui: canto, lâmina e azul
tudo que serei: trans-lúcido orfeu
na árdua descida, solitário e nu

o sol sem pálpebras que burilei
encegueceu-me por rumos que eu quis
estes retalhos todos que enverguei

são versos que me lumem por um triz
e de repente, aturdido, sou quase
nitidez que se descobriu miragem



EU DEVIA SABER



eu devia saber
o sol ia estar por cima da carne seca
e nada seria diferente
do que teria que ser

a minha alma vesga
indecente
não se contentaria com menos
eu devia saber

não foi a primeira vez
os detalhes, sim, os pequenos
subestimei-os talvez
pode ser, quem sabe?

eu devia saber
ela chegou falando a verdade
o importante é ser; não, ter
mas eu andava meio surdo

dela – aquilo era tudo pra mim
dela – a causa do meu surto
dela – a raiz ruim do jasmim
dela – esse ela e eu

carne, nervo, músculo, esperma
e o silêncio que veio viu e venceu
ficamos assim à espera
deitados, que em pé cansa

muitas luas depois
ainda havia dança
eu e ela, não os dois
eu devia saber

tentou me fazer compreender
que desse jeito não podia ser
mas era tarde demais para ver
o melhor de mim ainda ia nascer

antonio thadeu wojciechowski

CIDADANIA




Fale Cida,
enquanto a cidade
está adormecida,
antes que seja tarde
e a morte venha
lhe fazer visita...

Fale Cida
falecida,
mas não há fala,
já não há vida.
A rotina ainda segue
sendo suicida...

(Igor Veiga / PERIGOR)

o leite dos ungulados



● leite quente - leite podre - leite esperma - ●
● sangue no estrume - tropas de moscas - ●
● esperma rubro vindo das dores da noite - ●
● fria demais - q se enrosca entre dores - ●
● não espera - é so deserto escondido - ●
● porisso agarro o peito imenso q flutua ●
● como velho zepelim desgovernado - ●

● cheio de leite - gotejando como chuva - ●
● inverno - feridas me rasgam o peito - ●
● terei leite - terei uma noite - uma hora - ●
● quem sabe furtivo eu durma cheio ●
● do leite podre - leite sangue - dizendo - ●
● ?como dormir - ?como viver ●
● do imenso peito - mastigo o mamilo ●

● com dentes afiados - labios e lingua - ●
● quente o leite dos ungulados - ●
● ouvindo cascos baterem - ●
● afundando no estrume quente - ●
● alcateias de moscas ao redor - ●
● so a fome é mais quente ●
● q o leite dos ungulados - ●

● queimando labios e lingua - ●
● garganta e estomago - ●
● sem o leite dos ungulados ●
● calcando agora estrume quente ●
● entre nuvens de moscas - ●
● ?como dormir - ?como viver - ●
● ha um vento frio la fora ●

● q o leite quente dos ungulados ●
● triturados pelos labios escorrendo ●
● pela lingua garganta estomago ●
● entre manadas de moscas ●
● entre tetas no estrume quente ●
● não consegue aquecer - esquecer -●
● a dor sabe - requer sempre mais - ●

● a dor - so ha dor - a dor so - ha dor - ●
● talvez porisso esse leite ●
● quente dos ungulados na boca ●
● não conseguira mudar nada - ●
● nem mesmo se fosse mil peitos - ●
● so rebanhos de moscas no estrume - ●
● ?como dormir - ?como viver - ●

● leite e sangue - no ferro - no estrume - ●
● moscas voam como morcegos - o sangue - ●
● so a dor - um nome q vem na escuridão - ●
● esse ninguem ouviu - mas ele disse - ●
● eu sei e repito - sempre entre moscas - ●
● não sei - como furtivo talvez eu durma - ●
● leite quente leite podre leite esperma - ●