quarta-feira, 19 de agosto de 2020

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

 

entre uma noite

e outra

um ligeiro fulgor:

esta é a vida

isto é tudo

que temos

e somos

 

por isso vamos dançar

ébrios da luz

dessa chama breve

que a vida

é este pouco

este quase nada

 

isto é tudo

e este tudo basta:

 

uma chama

um chamado

uma dança

de duas breves

borboletas

 

Otto Leopoldo Winck

 

quero me cortar

com gilete farpas lascas latas

e cacos de vidro

quero sangrar

chorar estrebuchar dançar

e grafar no muro mais sujo

teu santo nome em vão

quero viver morrer matar

me alistar na legião estrangeira

farcs hezbolah pkk

só pra aflorar

teu instinto maternal

e te ouvir gritar

meu bem meu bem

não vá

 

Otto Leopoldo Winck

EM RESUMO

 


 

O pouco que eu sabia me bastava,

meu sonho era maior do que o universo.

Eu, guri, com olhos jaboticaba,

pela janela, perseguia um verso.

 

As estrelas, ligando o pisca-pisca,

iam além da casa dorminhoca

e eu, como um frango, no quintal, que cisca

à cata de buracos de minhoca,

 

riscava o céu de coração aberto.

A via láctea acesa me dizia

em letras garrafais: VOCÊ ESTÁ CERTO!

No sonho, o que eu criava acontecia.

 

Foi do céu que meu coração caiu,

como uma bomba no meio do peito.

Nem sei como essa luz me consumiu,

eu, simples verbo sem nenhum sujeito.

 

Bem mais velho aprendi, eu era humano,

vinha de um cemitério de farsantes,

onde um coveiro-deus ia empilhando

as sobras dos meus sonhos delirantes.

 

Contra o silêncio cúmplice da raça,

eu quis gritar meu desespero eterno.

Botei a humanidade na carcaça

e, juntos, fomos todos para o inferno!

 

antonio thadeu wojciechowski

TEU NOME

 


 

Teu nome poderia ser Suzana

se não houvesse tantas

neuzas, solanges, beatrizes

santas

ou não-santas.

 

Teu nome poderia ser Silêncio,

se não doesse tanto.

 

Mas dói e no entanto eu canto e rimo

sono,

sino,

carne.

E rimos sem querer,

porque o instante existe e a canção é tudo e derramamos vinho no tapete.

 

Teu nome poderia não ser nada,

uma palavra que o vento esqueceu

de madrugada,

em algum velho banco de praça,

velho canto de bar

(lugar-comum, não é?).

 

Espelho, por que me olhas com meus olhos?

Infiel! Enquanto eu viro, tu me trais e envelheces.

Teu nome poderia ser... sei lá!

Ser, simplesmente ser.

Mas dói

e é triste acordar todos os dias

com a saudade de não-sei-o-quê.

 

(Olha, enquanto falávamos

a porta bateu com o vento

e o tempo passou

e passamos também.)

 

Teu nome poderia ser Saudade

porque este sol morreu

e em seu lugar

o luar não veio

e ficou em meus dedos somente

a leve sugestão de um seio.

 

Porém,

perdido vou me refazendo no caminho

e buscando aflito

a sina,

o sinal,

e o sentido

do teu nome.

 

Otto Leopoldo Winck

 

(Do "Flor de barro".)

ELEVADOR DE ALMAS

 


 

Esta noite aqueceu meus pensamentos,

não consegui dormir de tão contente.

Então sentei-me à mesa e calmamente

abri meu coração aos quatro ventos.

 

É nessas folhas soltas sobre a mesa

que o outono do poeta cai em versos.

Sei, meu mundo não é o dos espertos,

bato tambores com delicadeza.

 

Há em mim uma prece que me apressa

como se fosse o último minuto.

É a vida que tem pavio tão curto,

que vai eliminando o que não presta.

 

Meu velho e bom mau humor, meu cinismo,

fazem piadas da miséria humana.

Mas não rio mais dessa gente insana

com seus céus e ataques de estrelismo.

 

Os meus olhos estão nas coisas simples,

porque é nelas que tudo está escrito.

Não há pegadas nos passos seguintes

nem nas visões que elevo ao infinito!

 

antonio thadeu wojciechowski

 

Por que perturbamos

o fluxo dos dias

com nossas retinas

cheias de cobiça?

 

Melhor descansar

e esperar que o outono

leve enfim as folhas

do verão fanado

-- e nos acostume

ao sono sem sonhos

que em breve seremos.

 

Otto Leopoldo Winck

BEAT

 


 

entre a santidade

e a insanidade

não há mais que um vão

 

pois é: passei o Rubicão

 

sou agora

– totalmente perdido

e beatificado –

pura iluminação.

 

Otto Leopoldo Winck

EU NÃO SABIA

 


eu devia saber

o sol ia estar por cima da carne seca

e nada seria diferente

do que teria que ser

 

a minha alma vesga

indecente

não se contentaria com menos

eu devia saber

 

não foi a primeira vez

os detalhes, sim, os pequenos

subestimei-os talvez

pode ser, quem sabe?

 

eu devia saber

ela chegou falando a verdade

o importante é ser; não, ter

mas eu andava meio surdo

 

dela – aquilo era tudo pra mim

dela – a causa do meu surto

dela – a raiz ruim do jasmim

dela – esse ela e eu

 

carne, nervo, músculo, esperma

e o silêncio que veio viu e venceu

ficamos assim à espera

deitados, que em pé cansa

 

muitas luas depois

ainda havia dança

eu e ela, não os dois

eu devia saber

 

tentou me fazer compreender

que desse jeito não podia ser

mas era cedo demais para ver

o melhor de mim ainda ia nascer

 

antonio thadeu wojciechowski

NIETZSCHENEANO

 


As musas estão mortas

e o Espírito do Senhor já não me visita com a mesma regularidade.

Ando a esmo,

procurando o outro no mesmo

e o todo no nada.

Ainda resta

uma réstia de sol detrás dos últimos edifícios.

Mas é difícil virar a esquina, engolir a saliva

quando, morto o amor, não sobra nem raiva nem rima.

Mas quem sabe

se eu te visse sem blusa,

do grande caos que há em mim

nasceria

uma estrela bailarina.

 

Otto Leopoldo Winck

TEMPO SUJO

 


 

No Brasil, é agosto

o mais cruel dos meses.

Apesar do escândalo dos jasmins

e da solar promessa dos ipês,

a tarde virara uma noite de agudas estalactites.

Não ousei virar o rosto para trás,

pois não pode haver passado onde o futuro é um acinte.

As trombetas talvez soem álacres

diante do impropério de estar vivo. Rasguemos

as ilusões: o horizonte agora é outro.

Na esquina, um pedinte exibe as chagas e o sangue é vil e sujo como a vida. Volto para a casa,

anônimo de mim. Tornei-me enfim adulto.

(Sei que em algum lugar uma criança negra morre

com um tiro na cabeça.)

Não tenho adagas para me rebelar.

E a adega dos poemas está seca. Como os olhos.

Carlos, o tempo ainda não chegou de completa justiça.

O tempo ainda é de fezes, alucinações e golpes sujos.

 

Otto Leopoldo Winck

(De 'Cosmogonias')

TRABALHÓLATRA

 


É altamente efiiciente

Ficar doente nas férias

Nunca parar pra espirrar

Desobstrui minhas artérias

Nem descanso me dará encosto

Nenhum espelho para meu rosto

Estou a anos-extra da folga

Um simples cafezinho me droga

Deus não me ajuda, mesmo assim madrugo

O sétimo dia foi seu maior absurdo

 

(Antonio Thadeu Wojciechowski e Sergio Viralobos)