terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Perdas




Parecido com lá,
Ou sol, se fá, e mais
Clichês

De mais a mais passeio
A alma por silhuetas ébrias
Das obras sérias
Em pragmatismo de amor.

Rola um sal, rola sem
Rola bem e vai.
Passante.

Entendo o que não
Compreendo e revertendo
Mudo, o mundo mudo.
Tudo igual.

Dentre brocas broncas,
Não penas, não teclas,
Não livros, sem quê.

Autômatos pseudo ilustrados
Pseudo chavões
Pseudo perdão
Desapego e sol

Aéreo tato em ato, pão
Expresso o fato, lato
Dizer são, sarar o Sahara
E cevar a seara

Da nova composição.

ACM



"No ano de 2018, fomos tomados com notícias de que vulcões despertaram depois de um longo período de sonolência: um foi o da Guatemala e o outro dos Estados Unidos.

Conviver com um vulcão fareja a proximidade do risco, do emergente, ele sempre rondará faminto, o chão e o teto da casa, os corpos e as almas dos que ali vivem.

O livro de poemas de Roberta Tostes Daniel, Uma casa perto de um vulcão, consagra a assunção do súbito, o susto e o convívio com nosso estado de efemeridade.

Decerto, ele deve ser a metáfora e a transfiguração daquilo que sucumbe e nos acocora, nos pondo como sentinela da casa mobiliada de sonhos, arroubos, vícios e virtudes.

Uma lição extraída ao ler a constituição física de um vulcão é a impossibilidade realística de confrontá-lo, de estancar a sua erupção devastadora, e a aprendizagem que remanesce é de se alguém tentar se rebelar e reagir, sofrerá com o rugido e a fúria de sua varrição.

A meu ver uma casa perto de um vulcão exprime estado de vigilância, o advérbio “perto” cinge uma fresta, indicando que há algo iminente – uma antecipada e silenciosa hecatombe.

Por outro lado isso se torna um tanto problemático, quando se pensa em uma fuga, já que as massas vulcânicas alcançarão em tempo mínimo e minúsculo o seu alvo.

Então se há perigo declarado e indeterminado, o porquê de morar próximo e ver diariamente o espelho da vertical finitude?

Carregar em silêncio a probabilidade de ser sitiado por fumaças quilométricas e lavas, de acordar num nebuloso dia entrelaçando os pés, as mãos e a cabeça – a cisão e a cizânia – desaparecendo qualquer noção referencial de lugar e direção segura para assim poupar a própria vida, admitindo para si o inexorável e imediato fim.

Roberta Tostes nesta obra tem um duto que interliga a natureza interior com a natureza exterior, há uma produção de sentido recuperada na releitura de si como ser partícipe deste conglomerado existencial.

A autora re-significa o torvelinho-mundo, projetando de dentro para fora, num espelho mimético de palavras; uma correnteza do experimentado, vivido e lido. Ela recria esta imagem interna e intensa, sem no entanto, incorrer no risco de dar apenas vazão ao fluxo de pensamento, escolhendo para cada cena uma cor, extraída de sua ampla paleta imagética, reverberando assim a sua expressão em um movimento próprio e belo.

Singra a impressão de que no seu artefato poético tem estampado a expressão do grito [espanto], tal como a famosa pintura de Edvard Munch, por meio de um olhar plástico, sensível e desvelador."

Jean Narciso Bispo Moura

* resenha publicada em dezembro no site Literatura e Fechadura. entre os diálogos propiciados pelo livro, ficou faltando divulgar esse interessante texto do Jean, que recorta realisticamente a imagem do vulcão para depois perpassá-lo com a ideia de iminência e de participação em uma natureza múltipla e plástica.


Aí vai mais um capítulo de meu romance "Que fim levaram todas as flores", que em muitas partes flerta com a crônica:

Interessante, as gírias. Algumas, antiquíssimas e renitentes, perpassam gerações, sobrevivem a modas e modismos. Como “cara”, usada no sentido de “sujeito”, “indivíduo”, “pessoa”. Não se sabe quando surgiu (deve ser coisa ainda do século XIX), mas seu primeiro registro literário foi em 1922, no romance Clara dos Anjos, do grande Lima Barreto. Outras, ao contrário, depois de um momento de explosão, desaparecem, evaporam – ou, quando ainda empregadas, delatam fatalmente a idade do falante. Como “bicho”, no mesmo sentido de cara, ou “grilo”, significando “problema”, que, acoplando-se ao anterior, dava o “bicho-grilo”, que não há mais quem use. Ou “broto”, também de minha época, que ressurgiu nos anos 80 e há tempos está em desuso, substituído pelo – sem nenhuma imaginação – “novinha”. Não é o caso de “gata”, que, manhosa ou não, perdura até os nossos dias. Ou então “velho”, utilizada como vocativo: é mais velho que eu e hoje vemos muito adolescente imberbe (ou novinha) se dirigindo a outro desse modo: e daí, velho, bora lá? Outros exemplos de gírias daqueles tempos que ainda seguem vivas: escroto, mina, rango, tesão, treta, zorra... No entanto, quem ainda hoje “bate um fio” ou “bota pra quebrar”? É verdade que telefone não tem fio faz uma cara (outra gíria). Por outro lado, os telefones públicos também não funcionam mais à base de fichas mas a expressão “cair a ficha” continua em voga.
Outra coisa muito comum no campo das gírias é a variação semântica. Babaca, por exemplo, já foi “vagina”, depois virou sinônimo de “bobo”, “parvo”, “tolo”, para finalmente assumir o significado atual de “estúpido”, “boçal”, “imbecil”. Outro caso é “transar”, que no nosso tempo não tinha ainda a conotação de “trepar” mas de “fazer uma transação”, “praticar”, “maquinar”. Por exemplo: “fulano deu agora pra transar artesanato”. Todavia o mais usual é a substituição pura e simples: o hoje habitual “galera” já foi “patota”, “rapaziada”, “moçada” ou “cambada”. Por outro lado, algumas expressões, conservando mais ou menos o mesmo sentido, mudam de forma: “numa boa” evoluiu para “na boa” e hoje é “de boa/de boas”. Se você está “numa boa”, meu chapa (ou melhor, meu brother), sinto lhe informar: você é um “coroa”, aliás, um “tiozão”. Diferente das gírias, tão mudáveis, a maioria dos palavrões – puta”, “caralho”, “foder”, só para ficar em alguns exemplos – são tão antigos quanto a língua portuguesa. Este último, por exemplo, não comparece apenas na lírica do nosso Boca do inferno, no século XVII (“De dois ff se compõe / esta cidade a meu ver: / um furtar, outro foder.”), mas vamos encontrá-lo lá atrás, no cancioneiro do trovadores do século XIII/XIV: “Por Deus, Luzia Sanches, Dona Luzia, / se eu foder-vos pudesse, foder-vos-ia.”
Cavoucando na memória (sempre enganosa) e compulsando fontes (letras de música, revistas da época e sobretudo João Antônio e Plínio Marcos), fiz uma lista de gírias e expressões de meus verdes anos. Algumas ainda estão em circulação, outras se converteram em artigo de museu linguístico. Aí vai: abafar, abibolado, abiscoitar, aguentar as pontas, aloprado, amarração/se amarrar, badalação, balançar as estruturas, baratinar/baratinado, barbarizar, barra limpa, barra pesada, beleléu, bolha, caranga, cascata, cocota, cuca fresca, curtição, dar bandeira, dar sopa, de lascar, deitar e rolar, durango, entrar na onda, esculacho, estar por dentro, estar por fora, ficar ligado, ferro na boneca, fogo na jurupoca, fricote, fuleiragem, fundir a cuca, goiabão, granfa, lero, mancada, mandar brasa, mandar ver, marcar bobeira, marcar touca, mocorongo, moleza, na maciota, pacas, pé na tábua, pra burro, pra cachorro, pra dedéu, quadradismo, qual é o plá, saber das coisas, sacal, sentir o drama, tacar ficha, tirar onda, tirar um sarro, topar a parada, torrar o saco, traçar, truta, vagau, vidrado, xarope, zureta... Paro por aqui. Este inventário podia se estender por páginas e páginas, pois nada atesta mais a vitalidade de uma língua do que o fato de haver tantas palavras e expressões mortas ou moribundas.
Otto Leopoldo Winck

Uns lutam com pedras.
Outros, com palavras.
Há ainda aqueles que lutam com luto:
uma espécie de dor que não grita,
de lágrima que não rola --
mas que lacera, dentro,
feito pedra na vesícula
ou palavra que devora.

Otto Leopoldo Winck


Escrevo meio de lado
como quem manca
ou assobia. Meu verbo não é cura
nem sutura: é um meio de chegar adiante,
dançando em círculos. De brisa
nunca quis viver. Poesia
não é sustento. É tormento.
A tinta de minha pena
eu a colho no olho
da tempestade. A inspiração
nunca chega de manhã cedo.
E felicidade, quando não é logro,
vem sempre tarde.
Escrevo meio de lado,
como quem levou um tiro.

Otto Leopoldo Winck

sábado, 9 de fevereiro de 2019

UNIVERSO DA BOCA PRA FORA



.
“eu não falo da boca pra fora
falo do coração pra dentro”
.
é para não morrer que escrevo versos
palavras pulam pela boca a dentro
ocupam paralelos universos
onde eu sou o buraco negro ao centro
grave - o assunto é sempre a gravidade -
meu canto quântico se eleva ao nada,
à mínima potência calculada
entre o que foi, o que é, e a eternidade
amo a aventura e o sonho da loucura
e se a tristeza tem pedras nas mãos
como areia eu escapo pelos vãos
e filtro a dor e a mágoa em água pura
sim, as lágrimas purificam almas
e assim me sinto diante das estrelas:
um cego que consegue ainda vê-las,
surdo que ouve do coração as palmas
mas lá no fundo quando paro e penso
é pra você, amada, o meu lirismo
meu verso mais espesso e o mais denso:
príncipe do teu real romantismo!
.
antonio thadeu wojciechowski

PALAVRAS SONHAM ACORDADAS




amanheci entupido de palavras
algumas se derretiam em lágrimas
outras me mandavam às favas
uma delas me perguntava tudo
gostei da que me deixou mudo

a zen alongou infinitamente meu pavio
a insolente ficou a ver navios
a de ódio se foi com um arrepio
mania de palavra é espalhar segredos
as silenciosas dá pra contar nos dedos

engraçado eu agora estar sem palavra
tinha tantas a manhã inteirinha
grandona, média, pequenininha,
tinha até uma que dizia que me amava
mas essa deixei falando sozinha

antonio thadeu wojciechowski

TAMBOR




Perdido num labirinto
de ruas & dias & pernas,
não sei se é por aqui ou por aí a saída
ou a entrada. Sei que nada é tudo
e o tudo é nada, que o tempo
é ouro, mas curto, muito curto,
e a felicidade uma gema deveras rara.
E enquanto a última noite
não vier fechar meus olhos lassos,
(cheios de ironias e cansaços)
quero sentir na pele nua do peito
teu coração pulsar
– como um tambor descompassado –
detrás dos teus seios.

Otto Leopoldo Winck

DO EU EM NÓS




dizem que sou muito cheguei
mas eu sou é muito fui
papo de alturas não sei
sou chegado ao que flui
um tanto de nada
outro de quase nuvem

minha vida diz obrigada
e lágrimas reluzem
mas tenham em alta conta
meu espesso verso indo
é esboço de uma obra pronta
que aos amigos eu brindo

antonio thadeu wojciechowski

L’AMOR CHE MOVE IL SOLE E L’ALTRE STELLE


L’AMOR CHE MOVE IL SOLE E L’ALTRE STELLE

Teus olhos me iniciaram no assombro de viver:
fiquei perplexo quando descobri que não havia limites para o encantamento.

Ao caminhar pela praia,
debaixo da última lua da história,
eu compreendi que o beijo
é o pacto que une céus & terra & oceanos & povos & raças & línguas.

Teus pés me indicaram um novo caminho
enquanto teus dedos apontavam as estrelas do céu e os grãos de areia da praia do mar.

Podemos contá-las?
Fundaremos uma nova civilização?
Morreremos na próxima guerra?

As perguntas são tantas
que a única resposta é o espanto.

Mas o momento supremo
foi quando dois seios me revelaram
que todos os poemas do mundo
cabem na palma de uma mão.

Otto Leopoldo Winck

Incendiárias




Ingeborg e Clarice
sob as chamas do dedo
invulgar
acendem um cigarro
tisnado
de realidade.
A noite
adjacente
o brilho
caligrafado.
Por muito pouco
a morte ronda.
Roberta Tostes Daniel


minas se dissolve
no ouro, no ferro
no azedume das almas
no pecado que vive em toda
procissão.

quantos deuses de minas
se sacrificaram ao corpo capital
da morte?
precisamos de quantos séculos
dezoito, de quantos açoites precisamos
até arrematar nossos pecados?

santo drummond, santo affonso ávila
santos poetas são pedro e são paulo
quantas minas de poesia vão engolir
nossa montanha raquítica?

quando gado e aço acabam no meu corpo?
quanta terra ainda tenho que cobrir nos endereços
que me dão?

minas são muitas e pálidas como as mãos
de toda gente."
RR

musica




● quando é tarde ●
● da noite e todos dormem ●
● pego meu violino ●
● sem cordas e no estabulo toco ●
● como se fosse ●
● pra multidões embevecidas ●
● e risonhas ●

● sentindo o cheiro ●
● de esterco novo e mijo velho sim ●
● das nossas vacas ●
● e cavalos em silencio ●
● me ouvindo ●
● tocar o violino q foi do meu avo ●
● e meu pai destruiu ●

● hoje com nenhuma corda ●
● mas é assim q a musica existe ●
● se não assim seriam apenas ●
● sons acordando vacas ●
● misturando a musica ●
● com o q destroi a musica ●
● nem mesmo o cheiro ●

● de esterco novo e mijo velhos ●
● das nossas vacas ●
● e cavalos em silencio ●
● seria musica ●
● assim as noites fluem ●
● pegajosas ligeiras e plenas ●
● logo antes ●

● do sol aparecer ●
● vou me deitar e durmo ●
● o pouco tempo pra ●
● ir fazer o ●
● cafe ●
● o bolo ●
● da manhã ●

● sinto q o leite cresce ●
● se adensa no meu peito duro ●
● q a qualquer momento ●
● escorre pela barriga ●
● pelo pubis pelo grelo ●
● ate as pernas ●
● os pes ●

● como se a terra desejasse ●
● beber ●
● com uma boca ●
● gulosa ●
● meu leite q cresce ●
● e se adensa ●
● como a boca ●

● do violino ao redor ●
● do esterco e do mijo ●
● so assim eu gozo quando ●
● o leite toca meu grelo duro ●
● quando o leite ●
● toca a terra e eu sei ●
● q a musica da noite vira ●

● noite enquanto as moscas ●
● voam ao redor como violinos ●
● acompanhando meu violino ●
● sem cordas ●
● ao redor do esterco e ●
● do mijo q a treva segrega ●
● antes de mais um dia idiota ●

*
ALC


Ninguém viu, ninguém, soube:
mas sob a ponte
o poeta escreveu ontem
o seu último verso.

Ninguém viu, ninguém soube:
com cacos, com latas, com lástimas
-- mas sem lágrimas --
o poeta concluiu ontem
sua obra.

Se ode ou epopeia
ninguém sabe.

Só se sabe que é rubro
o seu ponto final.

Otto Leopoldo Winck



Em Angkor Wat deposito meu véu sem cor.
Em Angkor me despindo de Vênus
e do meu primeiro poema
(sucumbia em seus espaçamentos, nuances, espasmos
seus pelos pubianos, seu batom).
Em Angkor Wat a distância se esfarinha
nas pedras milenares que calcaram o Império Khmer.
Um súdito me denuncia: nunca esteve
em Angkor, tampouco o mais vivente
(tudo pertence às árvores e às raízes).
Estima-se que pegou um avião e ingressou em Siem Reap.
Estima-se que sentiu a vertigem dos séculos transcorrerem seu sangue.
Estima-se que a alma dos templos te abraçou no Camboja
(eu mesma planejo isto).
No entanto, meu bom irmão, meu ocidente
saibamos nos aproximar da morte
intuamos o sagrado e a pobreza
ouçamos o som do navio partir
(e não é nem mesmo música).
Fica-se com o resto de si na penumbra
que esquece o santuário.
O abandono é um dom dos deuses
a guerra é ter pra onde ir.
Roberta Tostes Daniel

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

SOBREVIVO




Sobrevivo de histórias boas e más contadas. Dos dias de sol e também das infinitas noites estreladas. Sobrevivo do calor dos dias e também das madrugadas frias. Sobrevivo dos amigos que encontro e dos inimigos que perco... do que sei que é bem certo e de tudo aquilo que desconheço. Sobrevivo do bem e do mal, do que me faz igual e do que me torna desigual. Sobrevivo da esperança na paz e da certeza incomensurável da guerra... dos momentos de achar imediatamente e dos momentos de grande espera. Sobrevivo de encontros e desencontros... de fatos e contos... de erros e pontos. Sobrevivo de cafés (para me manterem acordado); de vinhos (para me manterem embriagado); de poemas (para me manterem apaixonado) e de muitas e muitas paixões (para me manterem vivo). Por fim... sobrevivo acreditando que pouco importa o estado de espírito de todos aqueles que me cercam, acreditando que o mais importante é o meu estado de espírito , o meu melhor estado de espirito. Acreditando que o mais importante é sobreviver sempre e acima de tudo... eternamente feliz dentro de mim mesmo!

Adriano Hungaro

LIBERTAS QUAE SERA TAMEM




Ainda que se possa um povo inculto
Traçar primitivismo enquanto tento
Com classicismo insano solto ao vento,
De vez em quando vejo mero vulto,

Um morto que deveras insepulto
Não tem sequer merece algum alento,
E quando me proponho em sofrimento,
Tentando vez por outra ser adulto,

Negando a realidade, não concebo
Além desta aguardente que ora bebo,
Caminho sendo assim decerto tétrico,

Não uso qualquer ritmo demarcado,
O verso deve ser, pois liberado,
Jazendo há muito tempo o que era métrico...

meu querer, ido amor,
um dia pousou-me de lado.
no outro cantou, fez-se ninho...
no terceiro se foi, passarinho.

paula quinaud


MANHÃS DAS MINHAS POESIAS




Renasço todas as manhãs com aromas de flores cálidas. Permito que se aconcheguem raios de sentimentos quase tímidos que se filtram aos poucos no meu ser e se unem a uma música orquestrada, linda, perfeita!
No espaço silencioso,deixo fluir ideias...percebo o agrupar do vento com o luzir do sol preparando-se para uma ciranda dentro de mim.
Esplêndida manhã radiosa, trouxe-me, de presente, um beija-flor encantador pela espaçosa janela. Acrobacias incríveis confundem suas cores com o transparente iluminado das cortinas. Elas o aplaudem, com ritmo e cadência, tendo o vento leve como maestro.
Beija-flor, vem deitar-se junto a mim e traga-me sempre, nesse exato momento, inspiração nas manhãs das minhas poesias.

Nara Freitas

O tempo


Maria Regina Alves       


O tempo nos remove de nós
A cada passado sinal de alerta
Passadas incertas, caminho sem volta
Faz voltas nos sonhos, nos choros e risos
Contem o andar de tudo vivido

O tempo nos concede a busca
Sem pressa ou prece, lugar de ficar
Aquele que espera no caminho seguido
De olhos tão ternos, me dando abrigo
Contendo meu gozo e medos infindos

Quero tanto ser longa a parada
No remanso das mãos quentes, serenas
Poder sentir lado a lado seus contos
Morar em ti, até o final desta tão curta "cena"




ANÚNCIO



Trago os olhos naufragados
em poentes cor de sangue…
Trago os braços embrulhados
numa palma bela e dura
e nos lábios a secura
dos anseios retalhados…
Enrolada nos quadris
cobras mansas que não mordem
tecem serenos abraços…
E nas mãos, presas com fitas
azagaias de brinquedo
vão-se fazendo em pedaços…
Só nos olhos naufragados
estes poentes de sangue…
Só na carne rija e quente,
este desejo de vida!…
Donde venho, ninguém sabe
e nem eu sei…
Para onde vou
diz a lei
tatuada no meu corpo…
E quando os pés abram sendas
e os braços se risquem cruzes,
quando nos olhos parados
que trazem naufragados
se entornarem novas luzes…
Ah! Quem souber,
há-de ver
que eu trago a lei
no meu corpo…

(Alda Lara)

A FUGA DE MEUS VERSOS




Deixei-me levar pelo vento
Quase atingi o firmamento
Estive bem próxima à lua...

Em cada estrela deixei
Os beijos que eu nunca dei
E minha poesia crua...

Os poemas que ainda não fiz
Os meus versos vãos, sem verniz
Perderam o seu colorido...

Se a vida um palco fosse
De sabor amaro e doce
Quem sabe fizesse sentido!

Essa fuga dos meus versos
Talvez seja o meu ingresso
Inconsciente – para o fim

Da procura, no Universo,
De algo que ficou disperso
E tenho dentro de mim!

 Maria Emilia Pereira





A terra plana
no espaço curvo.

A ideia é plana
no tempo turvo.

Curvo o mundo
como um corvo.

Ijs


Que besta escrever limeriques.
Quem fá-los é cheio de tiques.
Num mundo tão cruel,
Com tanto escarcéu,
Poesia só faz tremeliques.

ijs

Apartheid das boas intenções


Que ideia infeliz esta
de dar cor à transparência
da lágrima

por falar em fábulas
o ovo quando é posto
dói a todas as avestruzes
mas não é por isso
que empavesam penas à cabeça
até porque
como poderiam dessa forma
reagir perante o perigo

ou por outra
se é realmente a liberdade
que almejam então que
escrevam para a Helen Keller
depois de usarem a catana
para lhe cortarem as falanges
em vez de se virarem
contra quem despojado
chama o coração à vida
perdendo tempo a rasgar um céu
onde todo o animal tem entrada

Marina Tadeu

QUEM IMUNIZA O MEU FILHO?


Um senhor entrou com o filho deficiente mental numa padaria. O menino engrolava a língua e apontava para tudo quanto era gôndola, como se estivesse excitado com as fotos nas embalagens – com o mel que escorria dos pacotes de biscoitos, com as vacas que se derramavam das caixas de leite. Dois adolescentes, numa mesa lanchando, começaram a rir do menino. Tentavam, cobrindo a boca com a borda da camisa, mas não conseguiam controlar os risos. Um deles ria tanto que batia com o bico do tênis no pé da mesa, quase virando-a. O outro largou os livros no chão num de seus abalos de corpo inteiro. O senhor, ouvindo o baque dos livros no piso, notou o riso dos adolescentes. E segurou firme no braço do filho, passou-lhe a mão nos cabelos e o trouxe para perto do ombro, como que o abrigando da zombaria. Os adolescentes não conseguiam se conter, e um já até se dirigia para o caixa para ver se refreava a euforia. O senhor aí deixou escapar uma lágrimas, mas não quis expor o choro, nem para o filho nem para os adolescentes, que agora já iam deixando a padaria, um empurrando o outro, sempre aos risos. O senhor se curvou para (e não estava precisando) alcançar uma caixa de aveia. Se curvou para ocultar o rosto molhado. Porque não pensava no agora do filho, com ele, pai, ali bem perto. Pensava no futuro do menino, depois que já estivesse morto – quem iria acolher o seu Rafael? Quem iria, acomodando-o em palavras que abrandam, repousam, fazer apagar a tinta suja do riso alheio? Quem iria imunizar a sua criança contra o mundo?

[Rinaldo de Fernandes]

[De “O Livro dos 1001 Microcontos”, nº 981]

Meu coração é uma noite portátil


Meu coração é uma noite portátil.
O seu é o sol que abrasa
o lado de lá do mundo.
Dentro do meu coração
há festas e alegria,
mas também ambulâncias e socorristas
e a correria que sucede aos acidentes.
Dentro do seu só há fogo e luz,
cegueira e incêndio.

No meu, de vez em quando,
também há luzes e incêndios.
Estrelas. Faróis. Globo de espelhos. A lua.
Mas há bombeiros e água corrente,
banho e refrigério,
e mais uma vez a lua,
tatuada na pele do lago.

Seu coração dá vida e cor
a todas as coisas e criaturas
(e inclusive ao meu corpo),
e há mesmo quem dê voltas ao redor dele.
Mas lá dentro, estima-se, nada vive.

No oco do meu é o contrário:
vivem todos, e bem, e sem medo,
e até o que não quer mais viver,
até o que não dorme e não sonha
e aquele que não é humano.
O feio animal notívago,
o bom e o mau espírito,
a fera, o verme e a cobra,
a bruxa que um dia amei
e que ardeu pela minha vontade,
o vampiro mordendo o vampiro,
e os pés do dragão, decepados.

O monstro aqui tem seu lar
e o vilão disforme uma chance.

Meu coração é uma noite portátil.
Com direito a vagalumes.
Na verdade, você
é só mais um deles.

Luís Henrique Pellanda

"DINÂMICA"




Meus sonhos, meus versos...
Universo.
Meu mundo; meu tudo
Eu sou!
A busca com o mar
Fertilizando a terra
Alimentando-me o desejo de voar.
Na busca da vida
Faço parte do fraco e, do forte.
Tenho sorte de estar neste lugar:
Terra, planeta da vida!
Solto no espaço. .
Meu ser, meu corpo, meu êxtase...,
Meu traço.

Angela Gomes



de ítaca roubei helenas tantas
em áfrica montei os 7 mares
casei-me com mulheres todas santas

cobri meu corpo gasto de alamares.

as vidas são mais tantas e mais quantas?

poetas são delírios bem vulgares."
RR

domingo, 3 de fevereiro de 2019


tantos corpos eu vi, estilhaçados
pela fome que os come, adormecidos
que meus olhos se viram fracassados

e meus dedos se deram por vencidos."

Romério Rômulo


só a estirpe dos canalhas me ama
sem vergonha e sem rancores.
isto por minha carne ser um pedaço
de pedra. os olhos que me veem são
de vidro e ferro. tudo é candente numa
pedra. as águas que me lavam são
um pedaço do escuro. vou vê-las
amanhã."
RR

LUZIA




Deus está deitado
de costas para o crime
para tudo que criou
espécie de inércia
primeira ou museu
a estocada final
som estridente
de coisas nascendo
e estrelas morrendo
som que não contém
razão de ser
se não distender
sua massa gravitacional
pedra jogada no rio
do vazio, bastasse
uma antena de maior
amplitude
para entender as engrenagens
cifradas do crime perfeito
um lamento guardado
no fóssil mais antigo
da América
qualquer substância
sarcófago
um campo de invertebrados
diagrama de línguas extintas
um meteorito que luzia
uma mulher de treze mil anos
ardendo
à sua sorte.
Roberta Tostes Daniel



as carnes não deixarão rastros
e o ferro das ruínas
não caberá no poema.

livrai-nos, senhor, desta Vale de lágrimas!"
RR

polvora molhada




● polvora molhada lama de neve ●
● passaros famintos acordam a escuridão ●
● o barco reaparece na lama sem saber ●
● isso de manhã cedo quando o mar se vai ●
● refeitos declamam polvora seca lama de neve ●
● quem sabe alguma arraia compreenda ●
● as arraias tão no mar aqui é a grande lama ●

● os mortos declamam polvora molhada ●
● lama de neve enquanto o mar retorna ●
● destroçando tudo pra se refazer amanhã ●
● os mortos q declamam polvora molhada ●
● tocam passaros famintos sombras q voam ●
● mortos não sabem de passaros e palavras ●
● declamam em silencio so polvora molhada ●

● essa noite q nos olha nos olhos declama ●
● lama somente lama polvora molhada lama ●
● o nada q sustenta tudo afunda silenciado ●
● toda noite toda noite noite e nada de nada ●
● so amanhã reaparece da lama e declama ●
● polvora molhada polvora molhada e nada ●
● as arraias olham o abismo e nada de nada ●

● polvora molhada lama de neve ●
● declamam os mortos com o mar distante ●
● nenhum deles escuta compreende ou sabe ●
● tentam gritar pros passaros sim as sombras ●
● quem sabe as arraias compreendam sim sim ●
● ou não se fara nada de nada polvora molhada ●
● porq antes e depois do mar so ha mortos ●

● mortos declamam polvora molhada ●
● não pode ser pra eles nem pras arraias ●
● não pode ser pras sombras isso não não ●
● nada se ouve nada pergunta nada responde ●
● vem o mar pra destroçar sempre sem se ver ●
● teatro de sombras das palavras e dos mortos ●
● lama de neve dentro das palavras imoveis sim ●

● essa noite q nos olha nos olhos declama ●
● o medo q é tudo so pode declamar impotencia ●
● polvora molhada lama de neve e silencio ●
● quando o mar recua e o naufragio se refaz ●
● teatro de sombras teatros do medo do teatro ●
● depois o mar se destroça no duro silencio ●
● nada se ouve nada pergunta nada responde ●

*
ALC

A realidade já é póstuma.


A realidade já é póstuma.
Posta diante de nós
não nos espanta,
o vendaval do medo passou
não nos circunda;
é desilusão.

A tal bomba já estourou.
O que ainda se ouve
presente nas encruzilhadas
se é assombrado,
é somente assombrado
pelo que não existe.

As palavras perderam esse jogo
ao se aproximarem das coisas tangíveis
querendo indicar e condizer com os fatos.

O homem já não condiz com os fatos.
Se é que algum dia, de sua boca
descreveu o que existe.

O que há é um inchaço de sentidos.
De apelos a falsas significações.

Uma vaca significa
em seu mundo.
E um homem já não pode ver.

Mas se um tumor de imagens
um mar de lama
de vociferações vazias

mascaram o denso
vivo de seres que são
sequer, reconhecíveis

a indiferença subjacente
conduz ao excesso do sentido
ante a vida diminuta.

Roberta Tostes Daniel


enterrem-me  com minha kalashnikov
na curva do rio
na beira da estrada
no fundo do vale
onde caíram os homens, as mulheres, as crianças
na noite mais funda
na hora mais dura
no tempo mais sujo
e cujo sangue é este
que no céu estrelado
já avermelha a aurora

Otto Leopoldo Winck


a moça sugeriu a camomila
pra segurar meus cálidos pavores.
mas o diabo é sempre a minha vila:

aqui só servem rivotril. sem flores."
RR

A DEUS, QUE NÃO OUVE



(TRÍPTICO)

Recontadas
as amêndoas
de Antschel,
uma a uma,

aprender
com a Tristia
de Mandelstam
que a despedida
é uma ciência,

enquanto
o origami de Sharoun
lança, em vão, seu cobre,
contra um céu desmaiado.

Simone Homem de Mello

MANDA CHUVA




chuva, chova!
mas chova com tudo
chova nos secos e molhados
chova de afogar anchova

e você, lágrima,
não fique ai parada
enquanto a chuva cai em pé
e corre deitada

chova, chuva
chova canivete
chova pacas
dê o que falar às línguas-de-vaca

chova, chuva
ainda tenho um pingo de rima
não me atinge o que vem de cima
né, querido guarda-chuva?

antonio thadeu wojciechowski

Férias




Atravesso meus desejos.
Visto-me de areia,
troco minha pele branca
por uma dourada.
Nado no sal ao sol.
O pensamento voa longe.
Quero cores, sabores, chuva.
Cabeça nas nuvens, e
meus pés perseguem o arco-íris,
e encontram conchinhas...

Jaguatirica.

lezamours




● temos certeza ●
● q lezamours tem os dentes ●
● mais belos da cidade ●
● ele ri o tempo inteiro ●
● e rimos com as laminas ●
● q são os dentes de lezamours ●
● como dentes de tubarão ●

● na verdade lezamours ●
● tem guelras bem vermelhas ●
● como se lezamours fosse peixe ●
● algum tipo de tubarão ●
● mas não nos importamos ●
● nem nos espantamos com isso ●
● lezamours somos nos ●

● no cais onde lezamours vai ●
● toda tarde ao por do sol sempre ●
● chegam peixes de todo tipo ●
● lezamours canta e fala pra eles ●
● Ils lecoutent lorsquil parle ●
● lezamours parece um deles ●
● isso nos encanta nos ilumina ●

● lezamours nos une aos peixes ●
● logo nos q vivemos deles ●
● lezamours não pesca como nos ●
● logo nos q somos pescadores ●
● ele conversa com eles e canta ●
● sem lezamour não haveria peixes ●
● sem lezamour seria o fim a fome ●

● de vez em quando na praia ●
● aparece alguem todo devorado ●
● dizemos foram os tubarões ●
● eles gozam nadando no sangue ●
● deixando apenas ossos nareia ●
● metemos mãos a obra e alegres ●
● enterramos os ossos em cova rasa ●

● nisso lezamours nos ajuda muito ●
● mesmo assim todo sujo de sangue ●
● num diazul como esse de sol ●
● vindo da praia nossa boa maresia ●
● porisso dizemos isso é viver ●
● nada como nosso azul nosso mar ●
● com a mais deliciosa maresia q ha ●
Alberto Lins Caldas

Não há culpa


Não há culpa
se os olhos, tão grandes
derrubam cercas e aramados
confusos, estes nomes
não podendo estar mais próximos
que pairados no ar e no amor.
Não faço culpa a ninguém
de olhar com invasivo medo
texturas, tempestades
imprecisões do arrepio
e do aroma à luz
de transversais dos sentidos.
Veja, me veja
no alambrado míope
destes olhos, torcedores
tragicômicos da beleza.
Testemunham a dilatação
progressiva de um invento
ou confirmação –
não há culpa em saber
olhar.
Roberta Tostes Daniel


Tenho andado contra o Tempo
que me tem aberto sulcos
nas faces gastas
e produzido rictos, não sorrisos.

Um dia pensei ser imortal.
Imortal é somente o anelo de sê-lo
enquanto se é.

Hoje, sentado à beira do grande Rio do Esquecimento,
deponho minha resistência
com flores roxas e versos velhos.

Tempo: vamos andar agora juntos
no leito imenso deste rio que me ignora.

(No horizonte o sol se põe sobre o Ocidente
que nasceu em Homero
e morreu em alguma viela de Tijuana.)

Prometo não chorar
para não aumentar ainda mais
o caudal de tuas águas mortas, Tempo.

Tenho andado contra o Tempo.
Agora, com o Tempo, sou o Tempo
de tempo nenhum.

Otto Leopoldo Winck


a tragédia é a Vale
e seus donos do ouro
e das pragas
seus donos do dólar
e das matas
sua semântica crua
de destruição e engodo.

quantos infernos saem
desta boca agourenta
de malandros mundiais?"


Romério Rômulo

QUE TAL, HEIN?




não sou ninguém
você é quem?
imagem e semelhança de alguém?

como eu, vai bem?
rico ou sem nenhum vintém?
fica aqui ou vai além?

cansou de nhém-nhém-nhém?
tem outros também
que vivem sem

mas estamos todos muito aquém
foi pro beleléu, Belém?
ah, nem vem...

pra que horas teu big ben?
eternidade não se compra no armazém
nem se separa mal e bem

sinto um enorme desdém
não quero nenhum harém
e nem teu cérebro matusalém

já passei por isso, neném
não engulo mais esse trem
chega de contudo, mas, todavia, porém

a vida é esse vai e vem
enquanto alguns nada têm
outros enchem a mão e dizem amém

antonio thadeu wojciechowski


DESCAMINHOS




Sozinho – e sem nenhum itinerário –
vou pelas ruas.
A lua grita no silêncio das vidraças,
tangendo a noite sem leme.
Já perdido de mim, sigo em busca de meus passos
e, em meio a tantos muros,
me vasculho inutilmente e insatisfeito traço
o caminho
que desfaço.

Sozinho – e sem nenhum itinerário –
sou meu rastro. E me contemplo
– Narciso morto – nas poças que a chuva deixou
entre o asfalto
e a sarjeta.

Otto Leopoldo Winck