sexta-feira, 26 de abril de 2019

Elogio da sepultura




Eu prefiro ser,
Eu sou,
Sou o vento, mais uma vez.
Fluo, amor.

Eu choro por coisas tristes,
Eu rio, nunca por desdém.

Eu caminho na estrada do existir
A passos largos e plenos.
Mas nem sempre foi assim.

Eu, tão eu,
Sendo eu, ninguém.

Ninguém me olhou,
Ninguém me estendeu a mão,
Nem eu, a mim mesmo.

Eu duvidava dos abismos,
Pensava serem portais do poder.

Eu duvidava dos mestres
E continuo sem conhecer.

Eu sabia da distância,
Eu sabia da jactância
Eu sabia que nada sabia,
Mas mesmo assim continuei a escrever.

Eu derribei todo o Brasil,
Eu derribei todo estrangeirismo
Eu derribei todo sonho
Dentro de mim.

Eu continuei a viver.

Eu vivo,
Eu escrevo, eu respiro a liberdade,
Eu amo,
Um amor não clichê.

Eu sou intelectual,
Eu sou sábio,
Eu sou a montanha,
Eu sou o vale,
Eu sou o mar,
Eu sou o esgoto,
Eu sou a lama

Eu sou tudo,
Se me quer reduzir,
Ao que cabe em você.

Eu às vezes corro,
Eu às vezes morro,
Eu às vezes penso,
Eu às vezes nem lembro
O que deixei de comer.

Sobre os templos de meus
Simulacros

Estará a mensagem

Aqui jaz o vácuo de alguém
Que significou a si mesmo.
ACM

Ode à ignorância



Permanecer com a cara no muro
Esperar por você.

Olhar o luar na noite clichê,

Comprar a enciclopédia Barsa,
Viver uma farsa de erudição
Os olhos volver.

Insinuar que há arte na TV
Priorizar a sabedoria
Entender o significado
Sem compreender o porquê.

Perguntar pelos que se vão.
Esperar pelo entardecer.

Chorar aos berros na noite,
Ignorando o sol a nascer

No amanhã.

Capturar tudo que se vê,
Tirar selfies em templos sagrados
Ignorar tudo que se move
Em volta de você.

Fomentar ilusões em submundos,
Projetados por mídias porcas.

Conviver com os porcos,
Idolatrar águias,
Agir como cães,
Ensinar humanidade aos doutos
Do poder.

Revolver os grudes das paredes
Psíquicas dos horizontes dos deuses,
Não invocados.

Ser taxado, rotulado,
E assim permanecer.

Embriagar-se nas noites,
Bradando teorias às pestes
Da escuridão e das trevas
Pensando ser a luz da razão.

A simplicidade dança ciranda
Com o ser.

Milhões de olhos tortos não brilham
Por amor.

Quiçá por fama, cama, luar
Ou similar.

Leva-me ao alto do vácuo
O pássaro do amor.
Sinto com o cérebro carnal,
Raciocino com o coração
Sou paradoxo,
Sou ortodoxo,
Sou real mensagem

Que passou sem ninguém ver.
ACM

A insuportável liberdade do parecer ser




A escrita se me implica
Uma rica e restrita
Adulação.
Mãos que não me guiam
À redundância
Se não me vão.

Ler-me-ia a avaria
Entonaria o sermão
Repetiria a solução
Comeria o meu pão

Levo a vida
Vivo a lesão
Sou rarefeito de letras
Idiomas, linguagens, sintaxes
Sonhos, métricas, aviltagens
Revolto-me em silêncio,
Na dignidade do ser,
Em se calar.

Reverbero notas aos quatro
Ventos da solidão,
Pois não tenho mestres,

E para tê-los,
Não abrirei licitação.
ACM

Como se escreve um conto



Oferecido à Nazarena de Bouzuk

— Franqueza! Talvez não acredites, mas é realmente o que mais me seduz em ti. Tens na verdade os mais formosos olhos do mundo, tens uns lábios travessos, corados, cheios de vida úmida, rubros como... eu diria como o nácar se não me houvessem proibido o emprego de chapas; tens um porte graciosíssimo, um talhe de palmeira, principalmente agora com esses espartilhos modernos que te empinam os seios para diante; tens um andar de passarinho, um andar de lã, macio, cheio de ondulações, um andar sonoro, harmonioso; tens uns cabelos magníficos, dourados, fios de sol; tens um perfume ideal, capitosamente embriagador, um cheiro de carnes róseas e sadias, peculiar a ti, inconfundível, tens uma voz...

— Xii!, nesse andar enches duas tiras de tens e nunca terminas o conto — disse a formosa Edel pendida sobre os ombros de Paulo, de onde acompanhava o que ele escrevia. O rapaz, cortado o fio do ditirambo, ergueu os olhos em busca dos olhos de Edel e os lábios de ambos se esfrolaram levemente num beijo sussurrante.

— A culpa é tua, meu bem, a culpa é de quem possui tantas belezas. Bem vês que seria injustiça eu falar dos teus cabelos e esquecer dos dentes, falar dos dentes e esquecer dos olhos, elogiar a estes e omitir referências aos lábios, não achas?

— Acho sim, o meio de evitares isso é falar de tinia vez na pessoa inteira; assim nenhuma parte ficará preterida.

— Tens toda a razão; falaste como um Juiz de Berlim; vou seguir o teu conselho.
E Paulo, molhando a pena, relê a ultima frase do conto interrompido e de novo retoma o fio (... tens uma voz de anjo, és enfim uma melodia de carne, és a “Boêmia” sob forma humana. Mas...). De novo Edel o interrompe simulando cólera e aponta indignada para o mas que Paulo acabava de escrever no papel:

— Mas? Então vais fazer alguma restrição aos meus encantos? Atrevido! Há pouco não me disseste que eu era perfeita?
— Espera, filha — acalmou Paulo —, espera um pouco; ainda não sabes o que eu vou dizer! Arre! Que pressa!

— Bem, continua — fez Edel —, mas se esse mas encerrar qualquer coisinha deprimente, juro-te como amarroto o papel e o esfrego em tua cara.

— Sossega, sossega! — fez Paulo recomeçando.

Mas em todo esse conjunto de delícias que tu és, nada me seduz tanto como... (Paulo interrompe o curso da pena e, erguendo o rosto para ela, repete interrogativamente: Como? Adivinha lá, como o quê?) Edel fez mil suposições: opina pelos pés, pelo seio esquerdo, pela nuca, pelos aveludados lobos da orelha, mas não acerta. Paulo, para a judiar, não conta o que é e se prepara para escrever. Edel, ardendo de curiosidade, senta-se no colo dele com o nariz fincado no bico da pena, ansiosíssima.
Paulo continua, o braço esquerdo cingido em torno da deliciosa cintura da moça (como as tuas mãos).
 Um casquinante “óóóra” acolheu a decifração do enigma. Edel pôs-se a mirar as mãos gorduchas dizendo — por modéstia: “Já se vê — não acho tanto assim, bem feias que são até; tens mau gosto”. Paulo retruca: “Será o que quiseres, mas fica quietinha que eu preciso terminar isto hoje; não me interrompas mais até o fim, ouviste? São proibidos os apartes”. Retoma a pena, e continua.
Vejo nelas belezas inacessíveis aos sentidos embotados do vulgo. A descrevê-las eu gastaria uma resma de papel; por isso me contentarei com falar unicamente uma coisa: a melodia dos gestos de tuas mãos. (— Mas o... — interrompe Edel.) Bico!, fez Paulo levando o dedo à ponta do nariz e franzindo os sobrolhos. Melodia sim; parece à primeira vista encerrar essa expressão um nefelibatismo e no entanto é rigorosamente a verdadeira. Os movimentos dos teus dedos guardam sempre uma proporção impecável em relação aos outros movimentos da mão; nunca eu os percebi em desarmonia, discrepando desafinadamente do conjunto total; são movimentos macios, coleantes, expressivos, verdadeiros poemazinhos de elegância cor-de-rosa e cheirando à flor de zéfiro.

(— O que é flor de zéfiro, Paulo?)

— É uma flor que eu inventei, Edel, e que tem um perfume igual ao do movimento de teus dedinhos. (Satisfeita assim a pergunta da moça, Paulo principia de novo.) O minguinho é de todos o mais gentil; tem garrulice de ave e travessura de baby.

E depois, caçula como é, vadiozinho como é, sempre desocupado, sempre a vadiar enquanto os outros trabalham, ele tem tempo de requintar a graciosidade nativa. Quando tomas chá, o dandizinho se arrebita incontinênti numa mesura dengosa e ri-se, o patife, dos seus irmãos que trabalham segurando a asa da chávena.

(Edel de novo interrompe. — Olhe!, já quatro tiras!, não te lembras mais do que disse outro dia o redator, o doutor Malinhos? Disse que não publicava artigos de mais de quatro tiras.)

— É verdade — concordou Paulo —, mas agora? Se parar aí fica sem sentido o meu conto. Como há de ser?

Ora o quê!, pois para aí mesmo. Quantos leitores tu tens? Uns dez; desses dez, nove não te leem senão por desfastio bem pouco se importando com o sentido, e o décimo sou eu e eu acho muito sentido nisso. Por isso deixa o conto e sai daí que eu estou ansiosa para ver quem ganha a aposta hoje.

Paulo fecha o tinteiro, mete as tiras escritas na pasta, levanta-se, apaga o gás e sai com Edel bras dessus, bras dessous em caminho do perfumoso boudoir...

LOBATOYEWSKY

(O Povo, Caçapava, 16 de julho de 1903)



 – Monteiro Lobato

*O texto está presente na obra Literatura do Minarete, publicada pela Globo Livros.



Zen Iluminismo




Pássaros no assoalho
Do meu coração,
Chacoalham lágrimas
Ao som do espírito
Tento reconstruir o totem
De mim
Aos meus olhos,
Da lama se os esculpe
Sim, senhores.
Suas aulas de sentir
Me enfadam
Mudo o canal por mudar
Meus olhos olham em
Outra direção,
E vou.
ACM

sábado, 13 de abril de 2019


você: verso que se perdeu
porém sempre se achou
dever de ver que já deu
deixar a dor e o pudor
de se chamar de show

ijs


Acordo, passo os olhos pela internet e me vem à mente o desabafo de Flaubert: "Eu sempre quis viver numa torre de marfim, mas uma maré de merda está a bater nas paredes, afim de derrubá-la."

Tá difícil viver nessa Torre, dedicado a escandir versos, analisar imagens, mapear intertextualidades... Aliás, esta Torre é fruto do século XIX, época da consolidação da burguesia no poder, quando tudo passa a ser medido pelo valor de troca. E a literatura, sobretudo a poesia, não é muito bem cotada nessa bolsa monetária. Refugiar-se nessa Torre foi a reposta dos artistas a quem o mundo dera as costas.

Engraçado que esta frase foi dita justamente pelo autor que "inventou" o realismo, a escola literária que defende que o real suje a arte.

No século XX, mesmo antes, os escritores foram obrigados a deixar essa Torre, bombardeada pelos dardos malignos do real.

Aqui no Brasil João Cabral já nos revelara que poesia é fezes (Antiode) e Gullar introduzira nela a palavra diarreia (A bomba suja), não como uma palavra de dicionário, mas como uma palavra que revela as estruturas injustas por trás da famigerada Torre:

"No dicionário a palavra
é mera ideia abstrata.
Mais que palavra, diarreia
é arma que fere e mata."

Bom, como não dá, diante dos abominações de nosso desgoverno, retornar à Torre, o jeito é fazer da merda poesia.

Termino com mais uns versos do Gullar dos bons tempos:

"Digo adeus à ilusão
mas não ao mundo. Mas não à vida,
meu reduto e meu reino.
Do salário injusto,
da punição injusta,
da humilhação, da tortura,
do horror,
retiramos algo e com ele construímos um artefato

um poema
uma bandeira"

Otto Leopoldo Winck

HISTÓRIA POLÍTICA BRASILEIRA DE 2016 A 2019




- Aceitam trocar um governo ruim com algumas qualidades, por um mil vezes pior e repleto de defeitos?
- SIM!!!
(A maior parte respondeu sem saber o significado de "repleto".)

ijs


QUARESMA




Cego de tua luz,
atravesso as areias ardentes
que me separam de ti.
Há dias não provo pão,
não bebo água,
não ouço voz humana.
Serpentes e harpias
me acompanham. Espíritos imundos
me alucinam. Sei que o trajeto
é longo e não há oásis
nem haverá maná no caminho.
Me cobri de cinzas para lembrar
que sou pó. Que tudo é pó.
Que não há nada mais que o pó.
No entanto, aqui dentro,
junto à sede, junto à fome
que me excruciam,
arde este sonho, este desejo
que não tem medidas nem horizontes como os desertos.
(E essa luz, fora e dentro de mim,
que me impulsiona
para o meu fim.)

Otto Leopoldo Winck


– Tem dias que a noite é foda.
– De quem é isso?
– Reinaldo Moraes, o verdadeiro Bukowski brasileiro. Aliás, melhor que o original.
Estavam num bar, na verdade um minúsculo boteco, desses frequentados por pessoas que se acham intelectuais ou alternativas. Já tinham derrubado várias cervejas e conhaques. Era tarde. Antes, tinham assistido uma peça do Fringe, ali perto (por favor, revisor, não corrija para “assistido a uma peça” e muito menos “haviam assistido”, estamos no Brasil, não Portugal).
– Mas agora tem dias que o dia inteiro é foda.
– Ou a vida inteira.
– Se ainda fosse outro tipo de foda era divertido.
– Nem toda foda é foda.
Riram. Perdoem esses dois, leitores. Se você nunca bebeu não sabe como se fica idiota quando se bebe. E o pior é que o cara se acha foda. Perdoem este trocadilho também (não, não bebi, mas estou aceitando convite).
Depois de alguns minutos de profunda meditação, nos quais não se pensou em nada pois todo bêbado é meio lesado, o primeiro disse:
– Estou pensando em dar um tempo.
– Cara, nós nem estamos namorando, pra que um tempo?
O outro riu como se tivesse dito a coisa mais espirituosa do mundo.
– Não enche. Dar um tempo da vida.
– Vai se matar? Sabe que este é um tempo que não dá pra voltar depois.
– Quê se matar! Já passei da idade de se matar. Dá um tempo da vida, isto é, parar de frequentar lugares inúteis como este pra falar coisas inúteis.
– Obrigado pela consideração.
– Você entendeu o que eu quis dizer.
– E pra que parar de frequentar lugares inúteis pra falar coisas inúteis com pessoas inúteis como eu já que tudo é inútil?
– Vou me dedicar à literatura.
O outro se engasgou com uma gargalhada no meio do conhaque.
– Você me fala disso há anos!
– Agora é sério.
– E vai ser sobre o quê o seu livro?
– Ainda não sei. Mas já tenho a cena inicial.
– Diz.
– Começa num bar. Na verdade um minúsculo boteco, desses frequentados por pessoas que se acham intelectuais ou alternativas.
– Como este.
– Sim, como este. Os dois...
– São também dois os personagens?
– Nesta cena sim. Os dois, amigos de longa data, já tinham derrubado várias cervejas e conhaques. Era tarde. Antes, tinham assistido uma peça do Fringe, ali perto (ei, revisor, lembra: não corrija). Aí um deles diz: “Tem dias que a noite é foda.”
– Ah, cara, vamos pedir a conta que você já está mal. Não quero ser personagem desse livro nem fudendo.

Otto Leopoldo Winck


fazer versos
não é ofício

é só
meu doce
e velho vício

Otto Leopoldo Winck


Há uma hora da noite, a mais escura, em que tudo se torna claro.
O caminho de volta está vedado. Há anjos entediados cujas espadas flamejantes desenham parábolas inverossímeis no ar.
O Eufrates e o Rio Belém estão secos e os mendigos, insones, transitam por seu leito. Roma está em chamas.
Curitiba também. Todos os pássaro que grasnam
são de mau agouro.
E nenhum poema será capaz de refazer as alamedas do Éden
Pois de seu desenho nem Deus se lembra.
Há uma hora da noite, a mais escura, em que você enxerga claro:
a infância e a infâmia, o amor e o opróbrio.
A própria verdade é uma sentença rota
abandonada em alguma rótula quebrada.
Ah, aquelas tardes longas
são agora só memória
e em seu lugar só nos resta o vil trabalho
e o assentimento do engodo.
Há algumas horas da vida em que você enxerga tão claro
que é como se fosse cego.

Otto Leopoldo Winck


sinto falta
da falta
que eu sentia de você
e esta falta
da falta
que eu sentia de você
não é só falta (lacuna, vazio)
mas também falta:
falha, erro
– e este não tem mais concerto.

Otto Leopoldo Winck


Então,
de nossos
afetos, afagos e fatos,
não fica nada?
Nem um gesto,
um risco, um ricto, um rito
de luto,
um perfume que seja,
erradio,
na brisa de um novo mundo?

Otto Leopoldo Winck

Mude , mas comece

Provocações/tv cultura
interpretação : Abujamra/ texto : Edson Marques

Há caminhos que levam a nada
e há caminhos que levam a lugar nenhum. Meus passos
se perderam por aí
numa noite sem lua mas com muitas estrelas.
Não sei o caminho de volta.
Além de tudo perdi a chave de casa.
(Uma chuva ácida caiu sobre a paisagem
e desordenou as geografias
e os traços do meu rosto).
Exausto de tudo,
mas sobretudo exausto de mim,
sento-me sobre o tronco
à beira de uma curva.
Há caminhos
que levam a nada
e há caminhos que levam
a lugar nenhum. Entre uns e outros
flutuam os meus pés sem itinerário.
Liberdade vai ver é isso: contemplar as estrelas
numa noite sem nenhuma esperança.

Otto Leopoldo Winck



AQUELE-QUE-NÃO-SABE




No tempo do plantio eu fiz minha colheita.
Agora, que o jarro já quebrou na fonte
e a roldana rebentou no poço, eu chego ao meu pomar
e não vislumbro um fruto. No tempo dos abraços,
quando um sol de bronze se elevava sobre mim,
eu fugi por todos os caminhos. Agora,
que a noite cai e eu recolho as ovelhas magras no redil,
não há ninguém para dizer adeus.
Levantei muralhas quando era para derrubá-las.
Destruí castelos quando devia refazê-los.
No tempo de chorar, eu ri.
No tempo de falar, calei.
Quando a hora era de buscar, eu me perdi.
E agora choro em vez de gargalhar
e cerro os lábios para não gritar teu nome nas encruzilhadas.
Se há um tempo para cada coisa,
como diz o Eclesiastes,
para mim os tempos já vieram todos alterados.

Otto Leopoldo Winck


O avanço tecnológico atrasou a humanidade, defasada.
A própria capacidade crítica virou paranoia, manipulada.
Informal e oficialmente, focinho de porco já é tomada.

ijs


corríamos pelos prados de asfalto
em meios aos obuses do poente
a vida era uma coisa trágica e sanguinolenta
e explodia em nossas vísceras
como peixes, como pétalas, como fragmentos de metal
ah, a vida, esta coleção de doces impropérios...

Otto Leopoldo Winck


ÚLTIMO PRIMEIRO POEMA ATÍPICO



(a quem sabe quem é)

prefiro-te a ti mesmo

amor não sendo morno

mesmo não sendo o mesmo

alegre alegoria na distopia

sentindo frio no forno

de uma volta sem retorno

ijs



PROTESTO TÍMIDO




Já era bem tarde. Se não corresse, o professor perderia o ônibus. O próximo só à meia noite, quando a rua em frente à faculdade já não seria um lugar muito seguro. O professor recolhia seu material, despedindo-se distraído dos alunos retardatários. Sentou-se de novo na cadeira para desligar o computador. Só então sentiu todo o cansaço acumulado do dia. Quatro aulas de manhã, cinco à noite. Perdera parte da tarde em filas de banco e fazendo compras no mercado. Nessas horas sempre se perguntara porque resolvera ser professor... E de literatura. Mas ele sabia que não conseguiria ser outra coisa. Não por incompetência. Por inconformismo. Ser professor – e sobretudo professor de literatura – era a forma que encontrara de dar vazão a sua inadaptação congênita ao mundo. Não a qualquer mundo. A este mundo – em que tudo é utilitário. Então, dar aula de algo inútil era sua forma de resistência. Mas valeria a pena? Quantos alunos realmente entendiam o que ele falava? Essa noite, por exemplo, ao mencionar de passagem a perda da "aura da arte moderna" teve a impressão que de que falava para as paredes. E isto não era culpa dos alunos não. Talvez fosse dele mesmo, que não dava aulas tradicionais colocando nomes e datas no quadro. (Na verdade ninguém gosta desse tipo de aula – mas pelo menos tem cara de aula.) Com toda certeza a desatenção não era culpa dos alunos – a maioria dos quais, bolsistas, tiveram uma educação deficiente no ensino médio e não recebiam estímulos suficientes em casa. E agora lá iam eles, os alunos, em trajetos de mais de uma hora para suas casas em lugares tão distantes como Pinhais, São José, Colombo e até Lapa. Ele pegaria o seu Bom Retiro-PUC e no máximo em meia hora estaria em casa. Com efeito, o mundo estava todo errado. E ele era somente uma engrenagem – uma engrenagem minúscula, sem importância – nessa máquina equivocada.
Desligado o computador, ergueu o rosto. Surpreendeu-se com uma aluna que estava ali em frente dele, meio que sorrindo.
– Oi – ela disse.
– Oi – ele disse e sorriu também
– Eu não entendi, professor, porque foi justamente nessa época que a arte começou a perder a aura... E o que Madame Bovary tem a ver com isso.
Ele sorriu novamente. Quando deu por si, já estava dando outra aula.
Meia hora depois, no ponto deserto (porque perdera o ônibus) convenceu-se de que, não, não errara em ser professor. E professor dessa coisa inútil chamada literatura. Lembrou então de uns versos do Drummond: “A injustiça não se resolve. À sombra do mundo errado murmuraste um protesto tímido. Mas virão outros.” Sorriu. O ônibus já apontava na esquina.

Otto Leopoldo Winck

Casamento





À porta da igreja
o mendigo da rua
o casal de monstros
seu sorriso salvo

Com reflexo os vidros
realçam o céu
onde cruza avião
rumo à capital

Próxima dali
moral sem dentes
chega ao orgasmo
cabalisticamente

O mendigo pára
de olhar outros
que se dão conta
não ser meio-dia



Ari Marinho Bueno      

 25 de agosto de 2011

Eu
não tenho
medo da morte.
Eu tenho medo quando uma coisa cai
e quebra
como porcelana,

seja uma velha amizade
um novo amor
ou o sentido - fortuito - dos orbes.

Aí vem o vazio,
pior que a morte,
que não cola mais os cacos espalhados no chão.

Eu
não tenho
medo da morte.
Eu tenho medo da ode
inconclusa, da carta interrompida,
do beijo suspenso,
seja este poema - que em si nunca estará completo -
seja a vida, esta obra sempre aberta...

Por que o medo então,
se tudo é acidental
e acidentado? Por que não assumir de vez
que este medo - que me paralisa no trabalho, na fila do banco,
[no amor -
não é, no fundo, no fundo, o medo da própria morte?

Otto Leopoldo Winck

Alquimia




Viver
requer certa alquimia.

Receber
a bruta matéria destes dias
conciliar opostos
depurar a essência.

É o que nos incita
nesta faina
insana & movediça.

Ricardo Mainieri

poesia pós marginal de Salgado Maranhão e Tanussi Cardoso


SALGADO MARANHÃO: UM DISCURSO QUE É A LIBERDADE DOS INJUSTIÇADOS





Não me canso de ter alegrias com a leitura. Desde o primeiro instante em que descobri a poesia de Salgado Maranhão, senti um sorriso esperançoso, nos meus olhos de quarenta anos. Tem ali uma sinceridade ética, capaz de nos ensinar o humanismo, perdido, nestes tempos de culto à ignorância.
Salgado é um poeta premiado. Reconhecido. Elogiadíssimo pela crítica acadêmica, amado pelos leitores do mundo. Ele sabe construir imagens, quando se derrama sobre o mar de enigmas, que cobre a vida. Tem uma visão ancestral surpreendente, porque passa a limpo muitas dores
e feridas do homo sapiens sapiens demens.
Escolhi um poema do livro A Cor da Palavra para fazer uma análise discursiva. É uma coletânea da fase madura, lançada em 2009, com o qual ganhou o prêmio de poesia, em 2011, da Academia Brasileira de Letras. Nela o autor mostra-se um encantador de discursos. Sabe traduzir o golpe das nuvens, nas palavras. Inverte a lógica, criando uma mais ampla e múltipla.
Elegi, portanto, Deslimites 10 para compreendermos melhor o sujeito discursivo, em Salgado Maranhão:

eu sou o que mataram
e não morreu,
o que dança sobre os cactos
e a pedra bruta
– eu sou a luta.
o que há sido entregue aos urubus
e de blues
em
blues
endominga as quartas-feiras.
– eu sou a luz
sob a sujeira.
(noite que adentra a noite e encerra
os séculos,
farrapos das minhas etnias,
artérias inundadas de arquétipos)
eu sou o ferro. eu sou a forra.
e fogo milenar dessa caldeira
elevo meu imenso pau de ébano
obelisco as estrelas.
eh tempo em deslimite e desenlace!
eh tempo de látex e onipotência!

(MARANHÃO, 2009, p. 95)

O sujeito do discurso é afetado pelo funcionamento da sua subjetividade e pelo funcionamento da história social de sua gente. Todo discurso trás, na seiva, o ácido da ideologia. Não há enunciado, sem esta marca.
Então, nos termos de Pêcheux (1988, p. 133-134), “o recalque inconsciente e o assujeitamento ideológico estão materialmente ligados, sem estar confundidos”. No interior, do poema tem a denúncia do africano, marcado pelo olhar injusto da escravidão (numa cena sociológica continuada): “eu sou o que mataram/ e não morreu,/ o que dança sobre os cactos/ e a pedra bruta/ – eu sou a luta”. O explorado assume as contradições do espaço histórico, sem apresentar as queixas de um derrotado, mas afia os lábios da esperança ao assumir a luta. A guerra contra todas as injustiças, impostas por um mundo de poucos privilegiados, num país escravista, desde o zero ano.
No corpus, em análise, há as marcas de um tempo pretérito que acompanha o sujeito poético: “(noite que adentra a noite e encerra/ os séculos,/ farrapos das minhas etnias,/ artérias inundadas de arquétipos)/ eu sou o ferro. eu sou a forra”. Aqui temos as marcas de uma memória ancestral, ainda machucada pelos golpes da incompreensão. Fecha esta estrofe com o metal resistente para assumir-se liberto.
Talvez, seja o grito de todos nós. Uma reparação das ofensas que já sofremos. Um poeta universal tem esta capacidade de dizer um sentimento que é da sua comunidade, como o faz Salgado Maranhão.
Enfim, o poema é uma bola de significação. Está em constante movimento. Não cai. Não para nunca. Carrega o sujeito coletivo para inaceitabilidade das regras, no jogo do poder: “e fogo milenar dessa caldeira/ elevo meu imenso pau de ébano/ obelisco as estrelas./ eh tempo em deslimite e desenlace!/ eh tempo de látex e onipotência”. Fecha o texto com um golpe de clareza e crítica, de maneira que torna-se
a grande voz da liberdade, na poesia brasileira contemporânea.


TEXTO: PAULO RODRIGUES – Professor de literatura, poeta, escritor e autor de O Abrigo de Orfeu (Editora Penalux, 2017); Escombros de Ninguém (Editora Penalux, 2018).


ORDEM DA HORDA(poemas para gritar)



Quando ela colheu seu olhar
ambivalente --e a faca--
na viela escura,
onde as dálias
não pediram para nascer,
houve um sismo
de cristal partido. E um the end
enlaçando
os tabloides de sangue.
..................................
Eis que a morte
virou fetiche
e seguimos a morrer
como se sonhássemos.

SALGADO MARANHÂO

A princípio bastaria ter


Areias de Portugal


– Carlos Heitor Cony


No meio do quintal, ao lado da casa, havia a mangueira, enorme, de um de seusramos o pai pendurara um balanço que teve seus dias de glória até que meu irmãodele se despencou. Minha mãe iniciou campanha feroz e bem-sucedida, o balançoserviu de lenha numa fogueira de Santo Antônio.

Naqueles dias, Humberto de Campos publicara uma página de suas memórias,evocando o cajueiro de sua infância. Meu pai lera a crônica para mim. Recortei-a dojornal e quase a decorei. Pior: procurei imitar o menino que subia nos galhos maisaltos e gritava: “Assobe, assobe, gajeiro, naquele topo real, para ver se tu avistas terras de Espanha, Otolina, areias de Portugal!”.

Passei a subir nos galhos mais altos, onde descobri um nicho no meio das folhas verdes e perfumadas – como só as mangueiras sabem ter. E lá de cima eu também gritava aos ventos da Boca do Mato, garantindo que via terras de Espanha, quando,na verdade, via apenas os tetos cor de moringa da vizinhança, ao longe a torre mais-que-branca da Matriz de Nossa Senhora da Guia e, depois, a formidável massa azuladado pico da Tijuca.

Pois ontem, tantos anos depois, sonhei com a mangueira dos dias antigos dopassado. No sonho, ela surgia destacada, talvez mais alta e mais espetacular. E comona paisagem do sonho era quase noite, ela parecia iluminada por dentro, um poucofosforescente, mas sem dúvida era a minha mangueira, intacta, esperando por mim.

Olhei-a bem e não foi difícil encontrar, em seus ramos mais altos, o nicho defolhas verdes e perfumadas – como só as mangueiras sabem ter. Lá estava ele, também,intacto, reconheci até mesmo o galho mais forte em que me segurava com maior confiança, deixando a outra mão livre para proteger os olhos do sol e dos ventos domar largo. E de onde o menino, que nada vira do mundo até então, assombrado,avistava terras de Espanha, areias de Portugal.

 Carlos Heitor Cony (in "Eu, aos pedaços" - Ed. Leya, 2010)

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Entre todas as crônicas publicadas no livro, tem alguma que você goste mais? Por quê? "É difícil responder. É o caso de perguntar ao pai ou a uma mãe que tem vários filhos qual é o filho predileto. Tenho a impressão de que gosto mais da “Areias de Portugal”, porque acho uma crônica bonita e verdadeira. Eu subia na árvore e via o mundo todo. Não estava vendo nada na verdade, só os telhados dos vizinhos, mas estava vendo coisas longe. Quando era criança, fazia muito isso, subia em árvores e ficava vendo coisas. Então essa crônica diz muito de mim mesmo." (de uma entrevista, publicada no Segundo Caderno do Jornal o Fluminense, em 27/06/2010.)


INCOMPLETUDE - II




De repente
eu salto
e tomo de assalto
teu corpo.
Teus beijos irrompem súbito,
lâminas perpetrando a chaga
no silêncio
impossuído.
Testemunham-nos as cortinas velhas,
nos proibindo a lua.
De repente
eu caio
e teus olhos me ferem
com ternura.
De teus dedos frios,
sob o carinho pálido do abajur,
eu vejo surgir garras
vencidas.
Luto,
lutas,
e nos derrotamos.
De repente
a grande consciência da vida.
– Amor?

Depois, lá fora,
a lua sorri com indiferença
do meu corpo insatisfeito.

Otto Leopoldo Winck

Poeminha do meu primeiro livro, o pré-histórico "Flor de barro"

ILHOA




Por aqui radicou-se com a partilha
dos continentes.Ilhada de tudo que
mata a fome, sobrevive da peçonha.
E de tudo que se move ante o sol e
a lua. Sem oposta duplicata, herma-
frodita-se. Purifica-se na síntese de
si mesma;sua sina assassina.Krau!
-- se um vagalume alumbra a noite;
tchulep! -- se a borboleta alegra o
dia. E se uma ave pousa no teto
mais íngreme, lá estão seus dentes
que congelam ventos. Ai de quem
esbarra por ali, à toa --, no atol da
víbora que voa.

SALGADO MARANHÃO


Amor,
estou triste porque
sou o único brasileiro vivo
que nunca viu um disco voador.
Na minha rua todos viram
e falaram com seus tripulantes
na língua misturada de carioca
e de sinais verdes luminescentes
que qualquer um entende, pois não?
Entraram a bordo (convidados)
voaram por aí
por ali, por além
sem necessidade de passaporte
e certidão negativa de IR,
sem dólares, amor, sem dólares.
Voltaram cheios de notícias
e de superioridade.
Olham-me com desprezo benévolo.
Sou o pária,
aquele que vê apenas caminhão
cartaz de cinema, buraco na rua
& outras evidências pedestres.
Um amigo que eu tenho
todas as semanas vai ver o seu disco
na praia de Itaipu.
Este não diz nada para mim,
de boca, mas o jeito,
os olhos! contam de prodígios
tornados simples de tão semanais
apenas secretos para quem não é
capaz de ouvir e de entender um disco.
Por que a mim, somente a mim
recusa-se o OVNI?
Talvez para que a sigla
de todo não se perca, pois enfim
nada existe de mais identificado
do que um disco voador hoje presente
em São Paulo, Bahia
Barra da Tijuca e Barra Mansa.
(Os pastores desta aldeia
já me fazem zombaria
pois procuro, em vão procuro
noite e dia
o zumbido, a forma, a cor
de um só disco voador.)
Bem sei que em toda parte
eles circulam: nas praias
no infinito céu hoje finito
até no sítio de um outro amigo em Teresópolis.
Bem sei e sofro
com a falta de confiança neste poeta
que muita coisa viu extraterrena
em sonhos e acordado
viu sereias, dragões
o Príncipe das Trevas
a aurora boreal encarnada em mulher
os sete arcanjos de Congonhas da Luz
e doces almas do outro mundo em procissão.
Mas o disco, o disco?
Ele me foge e ri
de minha busca.

Um passou bem perto (contam)
quase a me roçar. Não viu? Não vi.
Dele desceu (parece)
um sujeitinho furta-cor gentil
puxou-me pelo braço: Vamos (ou: plnx),
talvez...?
Isso me garantem meus vizinhos
e eu, chamado não chamado
insensível e cego sem ouvidos
deixei passar a minha vez.
Amor, estou tristinho, estou tristonho
por ser o só
que nunca viu um disco voador
hoje comum na Rua do Ouvidor.

Carlos Drummond de Andrade
In O Poder Ultrajovem
José Olympio, 1972



"A poesia seria cúmplice, desde o começo, desse sentimento que se chama amor. Eu acho que é uma coisa perfeitamente lógica, natural, porque a poesia, se vocês olharem bem, ela é o amor entre os sons e os sentimentos. Ela já é na sua substância, intrinsecamente, ela já é amor, já é aproximação, no sentido que é amor entre os sons e os sentidos, num sentido que a prosa não é. É por isso que a poesia não morre."
Paulo Leminski, em 1987.

Anti trocadilho para Baudrillard




A midia tece seu monologo numa linguagem emocional, cujo signo alfabético está nas entrelinhas dos hiper fatos.

Através do qual catequiza, e lucra.

Ricardo Pozzo


einstein já sabia de tudo




I.
você tira uma foto
da lua sangrenta
enquanto isso
oito radiotelescópios
ao redor do globo
captam um buraco negro
pela primeira vez
na história
isso você ainda não sabe
mas você entra em casa
quase emocionada
aquela pedra vermelha
pairando sob os telhados
e pensa: de fato
o céu é impressionante

ah se eu pudesse
o tocaria

II.
enquanto aqui
este acúmulo de falhas
o cansaço marcado na cara
o homem matando
o homem e a mulher

a uma distância de 55 milhões de anos-luz
um buraco negro mastiga
toda e qualquer clareza
que encontra pela frente
ou por trás
caso haja
no espaço
a ideia de trás
do que em seguida
desintegra

III.
é isso mesmo:
na natureza tudo
se transforma
no buraco negro
tudo se perde
deixa de existir

por isso na foto
do buraco negro
não se vê
buraco negro
o que se vê é o limite
contraste particular
entre o acerto e o erro
armadilha à matéria
a porta do abismo
entreaberta

IV.
para contar anos-luz
memorizo o tempo
entre o interruptor
e a lâmpada
multiplico por 55.000.000
mas não obtenho a resposta
que funde o espaço ao tempo

mais uma invenção
da humanidade
estudo de sombras
para encontrar o túnel
no fim da luz
e provar quem
é mais forte
(obviamente
não somos nós)

Helena Zelic


Silencio sobre o rio que me deságua.
É inútil a resistência. Contra este rio
sempre nós perdemos. O que fica, o que resta, o que sobra
não é a obra sobre a qual eu me debruço,
acabrunhado, nem a fibra que se enrija
neste empenho. É a hora, igualmente perecível,
em que o cio, no ventre mesmo do silêncio,
o desafia a ser presente. (Horas a fio
eu vigiaria o teu corpo adormecido.
Anos a fio eu chorarei nossas tardes
sepultadas.) Silencio sobre o rio
que me deságua. Não haverá discursos fúnebres
nem lamentos. Dentro da madrugada
viveremos, todavia. Como um facho.
Ou: um cometa. O rio corre, a tarde morre
e o cio atroz que me arrebenta
me confessa imperecível
nesta hora passageira.

Otto Leopoldo Winck

Anne, Anne


NA CALADA



escrevo meu nome
com a espada
na árvore morta
eu risco o nada
tiro farpas e
espinhos da
alma dura
sigo só
e impura
em minha andança
acabrunhada
não há lua
não há estrada
tudo escuro
tateio o negro
tateio a vaga
sobra minha mão
suja e branca
a destruir o vento
na calada

(Cristina Desouza)

DIZ TÓPICO




disto piam
disto não piam
piadistas e piadistos

deformam um país
que se desfaz feliz

enquanto
nem um pio
despista
disto

ijs

MATAM...





Muitas lágrimas
Crianças moribundas
De quem é a vida
Se o vil metal
Já consumiu forma total
A mente dos que julgam pensar?
Fantasmas...

Justiça mora onde?
Na curva,
Que separa a luz
Da penumbra turva?
Ou no semblante
Dos que sentem frio
E adormecem com fome?

Na madrugada
Alguns abnegados
Tentam alimentar corpos.

Na madrugada
As almas observam
No calor do aconchego pleno
Os que serenos
Tiram vidas
Espargem carências a seu modo
Biltre prazer
Só não eliminam o sofrer
Ao invés disso
Matam..

Josemir Tadeu Souza 



quarta-feira, 10 de abril de 2019

Carta a Apolo




Por sobre os louvores
A lira matemática, pausa
Plana, e soa, e ressoa, e flui
Ser, sereno e pleno, prova
Precisão sem par. Catarse por ser,
Moda intelectual, sem transcendência
Aos líderes messiânicos
Em seus templos da razão.

Louvo o universo, pagão,
Em silêncio cristão.

Almejo redenção, do vácuo
No coração.

Aos pares estilos, me refiro
E infiro um pão, uma honra
Exacerbação e vão ao léu.

Arrefece e forja e orda e águias
Solenes e belas se curvam,
Ao voo sem brasileira direção.
Partilham e compartilham o farol.
Sonatas e as gafes e ultrages
Em sociedade a civilização.

A Grécia aos bárbaros,
Pela ducentésima elevação.
Nossos redutos ônticos,
Escrita, jóias da compreensão
Humana.

Ao inventário anexo o computador,
Atirado ao canto, pelos pés
Sem cabeça, sem quem esqueça,
E sem rasteiro delineamento,
Esfera prefixal ao mal do refreio
Sintático qual remédio à solidão.

E buscariam remediar aos deuses,
Também, homens de fibra,
E de libra, e em estivas,
Sem enciclopédias indagando
O significado da arte que levam
Às mãos.

Reinventam a História, sim,
E queimam livros outrossim,
Quais tempos cardíacos,
A depositar aos pés do vácuo,
O mais belo refrão, humanidade.

Jogam-se os dados,
E homens alados, o homens
Inundados e mulheres que nem eu
Nem elas, serenam pela noite ao teu
Cabelo de sol, infunde significação
Em ouvidos cegos, sabedoria mortal.

Quisera eu, ser, e não.
Hoje um pulsar de saber
Que se sobressai aos que caem
Em contradição,
Ao explicar a criação,
Sob o ponto de vista de

Si mesmo.
ACM

Pedante




Escorre pelo rosto o simulacro
Ardente de desejo de ser
Original a carniça é efêmera
E olhos frutificam possibilidades
E mãos acariciam, navalhas de
Carinhos clichê
O papel já não, pixels pares,
Estudos e tempos verbais
Do latim me sobrecarregam
A teologia da letra.
Resido na menor porção
De pontos, em significação.
As infinitas unidades semânticas
Os monossílabos dos ignorantes
Nos dão aulas da sanidade terrena.
Meus rios secos são espremidos
A derreter a geleira, por
Cataclismas esféricos
Em pontos cardeais de dores
Chavão.
Meu estilo e minha estética livre
Libertam-se no ar, louvo.

Os olhos contemplam-me o papel
Em fios dourados de paradigmas
Do que eu não sou,

Nem nunca serei, igual.
ACM

terça-feira, 9 de abril de 2019

Bilhete para Serena




Não sei para onde foste
mas, decerto
não roubaste
a nossa poesia

Sabe, guria
a maldita rompe grilhões
também destrói corações
abre e fecha feridas
cicatrizes da vida

Já tentei ser normal
assumir meu lado bancário
mas me senti um otário
coisa e tal
pois tudo o que quero
é ser pai, esposo e poeta

Amanhã vou para a cirurgia
e nunca se sabe o outro dia
daí resolvi escrever esses versos
lembrando teus brilhos convexos
que te significam serena

E dizer que te penso amena
com o teu sorriso rasgado
na boca de versos brancos
entre dentes rimados

Saiba que tenho saudade
e quero te dar um abraço
que irrompa esse mundo virtual
pela força da sinceridade

pois, sabe, guria
se os versos se ajuntam
no nosso espaço
afastam os desígnios do mal.

Wasil Sacharuk


A ver se luz a aurora



Baila o ponteiro por sobre a História
Meus olhos percorrem o chão do céu
Expresso a vontade geral.
Sobressalto em gargalhar,
Lança-se aos porcos, o livro
E suas perfumadas páginas,
Dissolvem-se luzidias,
No estrume da compreensão.
Aladas as aves não registram fatos,
Constroem seus ninhos sem 
Instrução escrita a anotar.
Festival de estesias ultrapassa
A permissão do sentir
Caldeiras de olhos se esparramam
Sobre padrões de comportamento
Clichê.
Geniais seres nos convidam a
Apartarmo-nos dos nossos rebanhos
Felizes.
Deuses nos impõem matrizes
De cegueiras e delírios a decifrar
O coração.
Subo ao alto de mim procurando
Um lugar comum.
Estabeleço mares e seus fluxos
Sanguíneos
Em harmonia com os ventos

Pessoas vão e vem.
Forjadas personalidades


E não incógnitos seres.

certos de congruentes estruturas abjuramos...  

    

certos de congruentes estruturas
abjuramos amores estagnados
maldizendo secretos afagos
perto de nada a temer
trememos até ponta ossos fracos
atónitos respaldos movimentos
canso eu andar tempo falha
prazer em esperar a verdade
ereção lacônica ao afago
presumo poucos favores brandos
molestaremos outros uns
frisa-me em pele tua
amansa dor em palavras poucas
suficiente regozijo brindaríamos
sorrindo pasmos de aborto
morrendo em misantropo recomeço
e no fim ao medo sucumbir

João Daniel Guedes Imenes 

joaoimenes.blogspot.com


 Guedes Imenes publicado em POESIARTE.

A dona da boca



É quase como ar
Que preciso respirar
Levando-a abstrata
A inundar-me o corpo

Tão sem saber da vida
Que preenche arredia
Faz ser fascinante o dia
Não sem antes ser poesia

De inúmeras falas brejeiras
É mulher iluminada de sol
Devota a despir-se tranquila
Dos medos da chuva caída

Como alegria vem incontida
Transgredir minhas feridas
Empolgar sonhos tingidos
De rubros sentimentos reais

É patroa é a dona da boca
Meu vício entre seus suspiros
O desejo de correr os riscos
De morrer em seus mamilos.

 Flavio Castorino           

        

sábado, 6 de abril de 2019

"Cautela".


 Atentai ao que vos digo,

escutai, varões, o conto,

triste sina de um amigo

que, de um golpe, viu-se roto.

Não faz mais xixi de pé:

do seu membro outrora altivo

não sobrou senão um toco.

Dai-vos conta deste aviso,

não façais ouvidos moucos –

não useis o fecho éclair

se criais o bicho solto.


Ver documento

Allan Vidigal

Ser Feliz (ou não)




Metade de mim é feliz
a outra, pensa que é.
Metade de mim cheira a anis,
a outra segue o café,
aroma que invade a casa
a me acordar para o sonho
da outra, metade em mim,
que pensa que é feliz,
mas sonha em ser a outra,
feliz metade de mim
esta,que nunca o diz,
por conta de ser assim

Metade de mim está aqui
a outra não está a fim.
Insatisfeita que é
vive daqui pra ali
no cálculo de cada hora
que faz o tempo ir embora.
Numa, a espera se aquieta.
noutra, vive de demora

A acima supra citada,
minha primeira metade,
feliz, se agarra na fé
varre da lida o choro
tem a alma ao rés do chão
deixa a paixão bem quieta.
tem o agora como meta
abre mão da liberdade
tal e qual dorme um cachorro
na beirada do fogão

A outra num louco afã
tem olho e jeito de gato
esquiva, foge do fato
a pensar no que não deve
e até despreza a lua
num antever do amanhã.
Esta espécie de criatura
gosta muito de andar nua
e, às vezes se nada segue
parte pra tal de escritura
de versos de ser ou não,
jamais feliz, sempre alegre.


Elane Tomich
T.Otoni, 3 / 2010