quinta-feira, 13 de agosto de 2020

TEMPO SUJO

 


 

No Brasil, é agosto

o mais cruel dos meses.

Apesar do escândalo dos jasmins

e da solar promessa dos ipês,

a tarde virara uma noite de agudas estalactites.

Não ousei virar o rosto para trás,

pois não pode haver passado onde o futuro é um acinte.

As trombetas talvez soem álacres

diante do impropério de estar vivo. Rasguemos

as ilusões: o horizonte agora é outro.

Na esquina, um pedinte exibe as chagas e o sangue é vil e sujo como a vida. Volto para a casa,

anônimo de mim. Tornei-me enfim adulto.

(Sei que em algum lugar uma criança negra morre

com um tiro na cabeça.)

Não tenho adagas para me rebelar.

E a adega dos poemas está seca. Como os olhos.

Carlos, o tempo ainda não chegou de completa justiça.

O tempo ainda é de fezes, alucinações e golpes sujos.

 

Otto Leopoldo Winck

(De 'Cosmogonias')

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