sexta-feira, 30 de dezembro de 2016
Vem, coração assustado, acalma teu ritmo
Há desesperos que surgem mesmo em dia claro
Formigas marchando entre flores
No enterro de um besouro, que há pouco zunia,
O motor das asas tonto ainda de alegria viva
Não gaste tua potência com superstições de datas
Esteja atento à fonte de silêncios que seus olhos gritam
Esse misto de alegria desesperada
Um tesouro desperdiçado junto a fezes de bichos
Cuja existência delira entre noites de festa e manhãs azuis
mergulhadas em angústias químicas
Tua figura emoldurada de sons
Dança em torno da árvore onde um deus chora cristais de
tempo
Aquieta-te e sonha sem medo
Tua força atrai fraquezas que exaurem teu amor mais puro
Mas a fonte nunca estanca
E as nuvens, ao rasgar-se e recompor-se,
Maquinam verdades que nenhuma obscuridade poderá sufocar
Pois sabem mais de ti do que os inocentes que sufocam tua
luz
Assionara Souza
Memórias
Mataram minhas lembranças.
Drenaram-nas de mim a pouco custo. Barato. Por quase nada.
Arrancaram sonhos, ilusões, tempestades que me eram caras. Levaram os prantos,
os risos e os cantos. De todos os cantos. Sorrindo, invadiram espaços, tetos,
sobrados. Sombras. Lendas e histórias. As vozes, silêncios. As vezes. Trás,
frente. Das costas, os idos. Os regressos. Fatos e dados. Comeram narrativas
jamais criadas. Casos não contados. Vidas não vividas. Recordações de um
passado ainda desconhecido e pronto a ser desbravado.
Mataram minhas lembranças.
Tiraram de minha boca o gosto de um doce sorriso que eu me
lembro de ter dado na infância. Era parte de mim. Metade. Uma das mais
importantes construções do meu ser. Derrubaram os tijolos que me ergueram. As
paredes formadas por tatos e retratos de alguém que já não sei. Quem? Ninguém.
Entre outros tantos que, de mim, fizeram abrigo. Destruíram os desejos,
anseios. Até os medos. Os pavores da menina que temia as noites escuras. Que
não suportava os dias de sol. Que admirava o cinza do céu nublado. Gargalharam
a cada face transfigurada. Desfigurada. Remodelada. De cada risada deixada na
estrada. Vícios perdidos em esquinas tortas. Vias mortas. Amores, ardores.
Mataram minhas lembranças.
Apossaram-se de nomes e sobrenomes. Sem autorização. Em atos
vis, mortais, infames. Imorais. Regaram mato em vez de flores. Todos secaram.
Ansiaram por dominar. Ambicionaram. Sem resgates. Tomaram como suas cada parte
de minha estrada. Tombaram muros, pedras, casas. Mitos. Fito-os, agora, com
ares longínquos. Estranhos a mim.
Estranhos.
Mataram minhas lembranças.
E eu? O que fiz?
E eu, que sou o que fizeram de mim?
E eu?
Paula Vigneron
Deixem-me Envelhecer
Deixem-me envelhecer sem compromissos e cobranças
Sem a obrigação de parecer jovem e ser bonita para alguém
Quero ao meu lado quem me entenda e me ame como eu sou
Um amor para dividirmos tropeços desta nossa última jornada
Quero envelhecer com dignidade, com sabedoria e esperança
Amar minha vida, agradecer pelos dias que ainda me restam
Eu não quero perder meu tempo precioso com aventuras
Paixões perniciosas que nada acrescentam e nada valem.
Deixem-me envelhecer com sanidade e discernimento
Com a certeza que cumpri meus deveres e minha missão
Quero aproveitar essa paz merecida para descansar e refletir
Ter amigos para compartilharmos experiências, conhecimentos
Quero envelhecer sem temer as rugas e meus cabelos brancos
Sem frustrações, terminar a etapa final desta minha
existência
Não quero me deixar levar por aparências e vaidades bobas
Nem me envolver com relações que vão me fazer infeliz.
Deixem-me envelhecer, aceitar a velhice com suas mazelas
Ter a certeza que minha luta não foi em vão: teve um sentido
Quero envelhecer sem temer a morte e ter medo da despedida
Acreditar que a velhice é o retorno de uma viagem, não é o
fim
Não quero ser um exemplo, quero dar um sentido ao meu viver
Ter serenidade, um sono tranquilo e andar de cabeça erguida
Fazer somente o que eu gosto, com a sensação de liberdade
Quero saber envelhecer, ser uma velha consciente e feliz.
Concita Weber
CORPO SANTO
Exausto das lides do amor,
lavo teus olhos
em que ficaram impressas
as imagens do dilúvio que nos afogou
e cujas pestanas se fecharam sobre o meu corpo torturado.
Escaldo teus pés
que conheceram as errâncias dos caminhos mais adversos
e calcaram a cabeça da serpente numa tarde de maio.
Banho o teu dorso
dócil às minhas mãos maduras
e acostumado aos trabalhos nas galés.
Com a água da primeira chuva do outono,
enxáguo teus lábios
que proferiram blasfêmias de inigualável encanto.
E finalmente banho o teu púbis,
escuro como a noite primeira,
e, dentro dele,
o fabuloso sol
que me incendiou.
Otto Leopoldo Winck
THEOPHORUS
O abismo
é como um espasmo dentro de tudo.
Ou uma roda
que não gira,
cheia de limo.
Um dia eu quis o abismo.
E o abismo me quis.
(Menino conduzido pela mão do infinito,
meus olhos não viram
na carroça que passava
o sorriso de sarcasmo
do nada.)
Eu só queria
poder brincar de novo
debaixo da chuva do tempo.
(Olha, colhi todas as flores do jardim perdido.)
Voltarei mais tarde.
Ou nunca voltarei.
Viver é imaginar pulos
no além.
Hoje eu sei
que o abismo está vivo
e o agora não existe.
No fundo do abismo
EU SOU.
Otto Leopoldo Winck
quinta-feira, 29 de dezembro de 2016
atenção:
cada palavra
é uma arma
branca
calada
vira mágoa
falada
vira chaga
nos dois casos
ela sangra
Otto Leopoldo Winck
Quem se levanta pela travesti?
Não é a feminista.
Não é o militante LGBT.
Não é a figura do movimento negro.
Quem se levanta pela travesti?
Não é o marxista
Não é o anarquista
Não é o trotskista
Não é o stalinista.
Quem se levanta pela travesti?
É o homem
Negro
Hétero
Trabalhador.
Que aprendeu o que muitos militantes não sabem:
Vidas trans importam.
Luiz Carlos Ruas, presente!
Carla Alvim
segunda-feira, 26 de dezembro de 2016
Diálogos V
(das coisas que escrevi em 2016)
Paul pintava como quem compõe uma partitura. No final, somos
todos: música A cor me possui, ele dizia. A palavra me possui, eu digo. Em meus
escritos a dor grita nas entrelinhas. Tento compor a alegria, mas ela só cabe
na Natureza. Quando digo da alma do homem é sempre dolorido. Paul pintou corpos
desmembrados enquanto convivia com a doença (esclerodermia) que migrou para o
seu corpo em 1.935 e ficou até sua morte em 1.940. A agonia vaza. Os nazistas o
taxaram de incompetente. Voltou à Suíça, a cidadania não lhe foi concedida em
vida, seis dias após sua morte ele tornou-se um cidadão suíço. Hoje vejo Klee
como cidadão do mundo. Ao final da vida, cativo da dor. Não é bom ficar batendo
nesta tecla. Não é bom gritar esta parte pequena do que somos: pura dor. Sinto
uma mão úmida e tensa a tomar minha mão, ouço uma voz que me pede para não
ficar martelando nesta tecla de agonia como se estivéssemos vivendo dentro de
uma sinfonia de Stravinsky. Há o ponto de fuga. Penso que é isto que Paul
sussurra setenta e seis anos depois de sua morte, nesta sala, na manhã cinzenta
de um país tropical.
-- Diálogo com Paul Klee -- Bárbara Lia – 2016
Jamais estações definidas. Se quando definida cada estação
fica tão irrelevante, porque mudo tanto. Ainda, as mudanças de pele. Trocando
de quebradura de recorte de temperatura. A obediência a cada palavra transborda
pelo corpo. Um corpo feito da palavra que também em mim se cala. Todos os dias.
Sim. E já tudo não é mais como anteriormente. Nunca é. E talvez ainda não seja
verão, exatamente. Mas baixo esse sol inclemente devo decidir o rumo dessas
palavras. A criar essa mulher-animal desnuda frente ao amarelo, aos raios de
sol. Se escrevo, se mais uma vez escrevo. Se nessa possível história as
estações estão a tempo perdidas e embaralhadas. Jamais definidas.
por Maíra Vasconcelos
Jura secreta 18
te beijo vestida de nua
somente a lua te espelha
nesta lagoa vermelha
porto alegre caís do porto
barcos navios no teu corpo
os peixes brincam no teu cio
nus teus seios minhas mãos
e as rendas íntimas que vestias
sobre os teus pelos ficção
todos os laços dos tecidos
e aquela cor do teu vestido
a pura pele agora é roupa
e o sabor da tua língua
e o batom da tua boca
tudo antes só promessa
agora hóstia entre os meus dentes
e para espanto dos decentes
te levo ao ato consagrado
se te despir for só pecado
é só pecar que me interessa
artur gomes
oh meu capitão meu capitão
● oh meu capitão meu capitão ●
● não somos dos homens q morrem ●
● quando a mare se esvazia ●
● quando o mar se torna docil ●
● somos meu capitão dos q morrem ●
● quando as aguas são violentas ●
● quando se jogam contra as pedras ●
● como se fossem pedras tambem ●
● quando se espatifam feito vidro ●
*
● de semeadura a colheita ●
● dia se torna noite inverno verão ●
● então olha q agora é so a fome ●
● so temos a nos nesse desgosto ●
● segue teu caminho o desejo o sul ●
● q seguirei o meu pelo norte ●
● ate q essa fome se coma ●
● porq ha de vir pra todos nos ●
● o dia o tempo da fartura o teatro ●
● abre teus olhos ●
● q vem vindo a vida das palavras ●
● q inda não se escuta ou sabe ●
● olha a tua volta o sangue os ossos ●
● vc pro sul onde ha o todo mar ●
● eu pro norte no deserto todo azul ●
● assim nos tece a lingua ●
● a carne segue a carne recebe ●
● como a poeira segue o vento ●
● cada grão percorre a terra ●
● como se fosse por seu desejo ●
● quando é so o vento a tempestade ●
● eu pro norte o deserto todo azul ●
● vc pro sul o mar tão violento ●
● dia se torna noite inverno verão ●
*
● oh meu capitão meu capitão ●
● ate o ultimo minuto lutamos juntos ●
● agora a agua entra pelas brechas ●
● nossa grandeza meu capitão ●
● ta sempre com a maior loucura ●
● ?mas onde ta o barco o barco o mar ●
● a viagem ta terminada ●
● agora nem o sul nem o norte ●
● agora é afundar entre os tubarões ●
Alberto Lins Caldas
O Capitão! Meu Capitão! Nossa temida viagem está acabada;
O navio superou toda sua dificuldade, a recompensa que nós
buscávamos já foi alcançada
Walt
Whitman
Oh captain!
My captain! Eu te queria vivo quando vencesses as ondas
Na areia rindo para o infinito - forte como o mastro e
inebriado de sal -
O roteirista das esferas teima em matar o herói para
melhorar o filme
Oh capitain! My capitain! Num dia qualquer plantarei uma
amendoeira
Para honrar-te (em delicadeza) e em cada primavera, uma vela
acesa
Se hoje morto jaz cubro-o com um pano alvo, onde um pintor
tecerá
As horas augustas, as batalhas justas, o riso sal e tua saga
sem igual
Oh capitain! My capitain! Os grandes morrem na batalha. É
certo que
Fixam seus rastros como uma fornalha (a marcar caminho aos
seus)
E como tenho sido toda tua – Capitain! My capitain! - dos
pés ao crânio
Mergulho em tua luz que me leva a ser - também – eterna água
triunfal
Bárbara Lia in Forasteira
Vidráguas / 2016 - coleção VentreLinhas
página 62
Te bloqueio
Por entrares em mil tretas
Que francamente, hein? Caceta
Não dá mais
Te bloqueio
Por mandares textão
Por encheres demais
Te bloqueio
Te bloqueio por partilhares
Coisas falsas aos milhares
Acho o fim
Te bloqueio
Por ergueres o dedão
Dar joinha pra mim
Te bloqueio
Quando anseio pelo instante do check-in
E fugir do restaurante
E me esconder de ti
Te bloqueio
Por quereres me ver
E pedir nudes pra mim
Te bloqueio
Por contares toda hora
Minhas adicionadas por aí
Te bloqueio
Te bloqueio porque postas
Até em cima de mim
Te bloqueio
Por me excluir
Adriana Brunstein
REFRÃO
Aqui:
a carne crua aberta
aos relâmpagos (sobras
de edificações da vontade).
Palavras que cicatrizam
granito; palavras
que viralizam o tempo
que se alcova
com os larápios.
Há que se varrer
a memória a serrote;
há que se brotar
com as sementes.
Tudo é o mesmo
estar-se
em substância:
os córregos que atravessam
as uvas; o desejo
esticado ao deserto.
Se eu pudesse inserir
a galáxia em meu leito,
seria só um refrão que late,
entre paixões ferinas
e revólveres de chocolate.
SALGADO MARANHÃO
(Do livro "Sagração dos Lobos")
sábado, 24 de dezembro de 2016
A LIBÉLULA
André Ricardo Aguiar
Não são voos rasantes, mas de helicóptero. E pequenos
pousos, que o tempo sequer pisca, como se a superfície do rio soltasse pequenos
choques. Pontos de um tricô no espelho d'água.
Melhor escolha...
... os risos tortos dos cantos presos em lugar comum,
exilam a visão do que fascina...
uma trilha a beira mar, um sonho desperto, um querer
aberto...
... hoje talvez, beirar a já velha presunção de ser feliz,
talvez desperte dores de semi seca cicatriz...
... mas mesmo assim, das dores de cada um,
assume-se uma alegria.
Essa magia, seja de que cor for,
revela que o crer na bela e ávida proposta do Bem Querer,
ainda é a melhor escolha...
josemir(aolongo...)
Sérgio Villa Matta
Para um menino
jesus é um cara legal e merece uma boa festa
nós é q corrompemos isso tudo.
ele andava por aí arregimentando uns pescadores
e dizendo coisas insanas aos humanos tipo:
"amai uns aos outros"
e transformava água em vinho pra festar continuar
não parem a festa! ele dizia
e multiplicava os peixes
e caminhava sobre as águas
e conversava de boa com todo mundo
e tinha ódio a golpistas e aos donos do mundo
jesus é mesmo um cara legal
em sua profunda humanidade
verbo encarnado: menino
Fábula "quase" de Esopo
Dois tubarões brancos (pai e filho) observam os
sobreviventes de um naufrágio.
– Siga-me, filho! - diz o tubarão pai.
E nadam até os náufragos.
– Primeiro, vamos nadar em volta deles, mostrando apenas a
ponta das nossas barbatanas fora da água.
E assim eles fizeram.
– Muito bem, meu filho! Agora vamos nadar ao redor deles,
algumas vezes, com nossas barbatanas totalmente de fora.
– Agora, nós podemos comer todos eles.
E assim eles fizeram.
Quando finalmente se saciaram, o filho perguntou:
– Pai, por que nós não os comemos logo de início, pai? Por
que ficamos nadando ao redor deles várias vezes?
O sábio e experiente pai respondeu calmamente:
– Porque eles ficam mais saborosos sem bosta dentro...
Maj Menezes
"Geisel, após chegar em casa, trocou a roupa, foi à
cozinha comer alguma coisa, se sentou um pouco na sala e se direcionou ao
quarto, seu local favorito. Pensava, ao olhar aquele espelho grande, em como o
ganhara. Seus pais, antes de ele vir para Uberlândia, disseram-lhe para
trazê-lo. Tinham-no comprado numa dessas lojas de móveis antigos, numa viagem
ao Rio de Janeiro. Acharam-no lindo e instigante. Geisel tinha dez anos quando
compraram o objeto numa loja do Rio. Agora, ele foi ao som e colocou uma música
da Ivete Sangalo, deitou na cama e, embalado pela melodia da canção, olhando
distraidamente a moldura desgastada do espelho, pensava em Jéssica. Achava que
ela tinha sido a melhor coisa que acontecera em sua vida. No dia seguinte,
sábado, acordou cedo e foi ao shopping trabalhar. Chegou em casa às seis da
noite. O seminário começaria às sete. Precisava se arrumar rapidamente. Desde
quinta-feira não falava com Jéssica, por isso, ao tomar banho, se vestir,
pensava nela... Durante toda a tarde, tentara se comunicar com ela, falar-lhe
do evento acadêmico no sábado, mas não a encontrara. Pelo telefone sua mãe
dissera que Jéssica havia saído. Mas Geisel, agora em casa, não se preocupava
em não tê-la encontrado, pois pensava nas últimas palavras ditas, estranhamente,
na quinta-feira, último dia em que se falaram: Eu te amo, viu? Nunca deixe de
acreditar nisso – e desligara o telefone. Falara meio soluçosa"
>>> Capítulos importantíssimos do folhetim Meus
olhos verdes: http://bit.ly/NGUNW8
Rogers Silva
Isso não é para um neto de russos que faminto procura por
arenque e vodka , sopa de beterraba e
repolho azedo e o pão preto até isso encontramos naquela aldeiota de tantos
temperos e cheiros .Bem,o som da balalaica
e a batida das taças em intermináveis brindes ficará para outra hora
,para o ano que vem ,até lá deitando lembranças no mar de trigo de sonhos espera reunir moedas de realidade pois só
assim não terá fim o seu caminhar para driblar no inferno o coxo ,para beber mel com a angélica princesa do olhar dançante
...tão distante...
Wilson
Roberto Nogueira
Subindo o morro ,é essas veias urbanas segue o corpo da
natureza herança lusitana do planejamento 'fadista' da adaptação ás sístoles e
diástoles das ruas e ruelas ,rua acima
até as ruínas onde nasceu a cidade em homenagem
a um tal santo que ,rico guerreiro virou amante de gaivotas e outros
bichos , lá hoje,outra fauna e flora
variada na beira da boemia bebem vida ácida .
Logo alí outro
templo -como existem igrejas nessa cidade! A torre denominada Minarete
apresenta-se para apontar a fé em
Alá e praticamente ao lado está a
Sociedade Beneficente Muçulmana onde poetas escutam alaúdes e dálias de incenso e mirra no Diwan.
Wilson
Roberto nogueira
Imagina o flanêur
emprestar uma janela para 'viajens' sem
riscos de explodir na porta dos infernos
entrando no templo dos espíritos imortais ,na Biblioteca,antes talvez um toque
na benção na mezuzah da Sinagoga ,quando de repente a porta do quadrado sagrado de Abraão se abre e saem umas crianças com passos rápidos e sorrisos lentos para marcar rostos de olhos eternos de luz ...enquanto são crianças.O ancião
atrás era o rabino.Ele olha severo e levanta o senho numa gargalhada de
sombrancelhas.
wilson Roberto nogueira
...na traquéia daquela Galeria a voz gutural dos cedros o
árabe com o acento elegante de distintos comerciantes ,recem-chegados de Beirut
,comendo as iguarias sofisticadas da culinária libanesa,enquanto outro
"badrizio" chega falando português com sotaque fenicio para
aprontarem a embarcação para
desembarcarem ou pilharem novos mercados
rumo a prosperidade .Aquele canto em particular é o pedaço da esfiha da
cidade,um naco libanês onde reside a tolerância e a harmonia ,com uma
Sinagoga e um esquivo judeu mau-humorado
de tanta felicidade!
Wilson Roberto nogueira
Em frente à praça onde nascia a rua do ilustre austríaco ou
seria alemão existe um museu , e lá
,antes de se chegar à catedral
dos livros uma alcatéia de ciganas espreitam,elas são ' rons' ,pertencem a
fúria dos elementos ,são rochas perdidas
nas poeiras das eras rolando avalanches,o fogo das maldições ou paixões
o vento da liberdade soprando na crina de corcéis disparando na estepe
ou no pampa.Uma moeda em troca do mistério de decifrar o futuro nas linhas das
mãos ,são ciganas mesmo.,a pele mais do que os rostos de restos de pano esturricado,os
olhos que varam abismos.Quantas eras ela já testemunhou?quantos amores- brujos
desde a expulsão do berço indiano até as escravizações na europa oriental e
central passando pelas areias da àfrica até o nosso Portugal.Carmens de Bizet
ou a bela Esmeralda do Quasimodo estão tão distantes das valas feitas a ferro em brasa na carne daquele povo
pária.
Atravessando a
praça em meio ao circo político de bandeiras desbotadas e militantes de aluguel ,palhaços de narizes
vermelhos e rostos pálidos de lágrimas secas onde lobos
conversam com chacais enquanto hienas caem na gargalhada enquanto esperam o
festim .O gado passa pelo rebanho de cordeiros ,o corvo crocita empolgado com
seu discurso e os abutres "voam para o alto e avante".A arara só
repete o que o pirata mente ;"eu não sou corrupto só presenteio o silêncio
do meu filho na manutenção da felicidade da minha morada,minha eterna
namorada".-a mulher ou a politica?Esconder o que é privado na privada e
puxar a descarga,e seguir envernizado de alto colarinho para manter a cabeça
erguida.
O Banheiro mais
próximo .Na praça entra na maldita Boca ondenasce as políticas da aldeia à
procura da latrina na tentativa de ter alivio.só velhas almas fantasmas de
sobrenomes fossilizados na pedra doirada de tolos aristocratas
endividados,rôtos e assintosamente orgulhosos da hipocracia provincial.Sair
deixando o lastro a fome logo veio e alí ...
Wilson Roberto Nogueira
-Imagino-me cego
andando sem poder orientar-me pelas ruas de um país exótico (em que pese o
senso da margem) sem entender a algaravia, sentindo-me incompleto e desamparado diante de outra
cultura ,onde a identidade me é sonegada por mistério .Gerações passam em
segundos de desespero represado.Quando finalmente,as luzes doiradas de luas
iluminam o sorriso da alma ,por tanto tempo soterrada pela areia da velha
terra.A chuva de punhais de prata passara para dar boas vindas ,não sou mais um alien,estou entre iguais.
A cidade tropeça
em calçadas onde pés de terras longinqüas passaram,legando o barro de suas
cicatrizes de pungente vida ,em particular no centro,onde reverbera o pulso
liquido,taquicárdico ,quando o Sol se vai afastando vagaroso no horizonte.Ainda
o vozerio torna a vida do cego plena de
aventura: ao passar pelo sul da china , Libâno ou Damas ,ouvir a neve dos andes
nas flautas andinas ou o sotaque italianado do espanhol bonaerense.
É uma urbe
pequena porém com o úbere pleno.Na pequenina mulher sina com o putinho às
costas ,ela jovem e visivelmente perdida .Letras e números os quais não lhe
revelavam nada,ela vagava feito morceguinha adolescente enquanto na lancheria à
frente uma anciã esbraveja palavras curtas e supersônicas acompanhadas por
terremotos faciais que provocaram o
desaparecimento do franzino ramo de arbusto expulso pela ventania das ventas
,ela voltou-se com um sorriso para atender o "fleglêis".
A jovem chinesa
com a criança presa às costas olhava
para placas que não lhe contavam como descobrir algum conforto .Quase fora
atropelada pela manada atarantada no estertor do dia ,mas finalmente,quando a
pedra do desespero estava prestes a esmagar a esperança,apareceu um outro
oriental que falou alguma coisa para ela no disfarce do silencio de olhares e
sorrisos ,e depois foram embora ,ele à frente
e ela alguns fantasmas atrás.
Quantas
lanchonetes e pastelarias ,restaurantes chineses,onde estarão os japas e os
"brimos".
Wilson Roberto Nogueira
FEÉRICA
Precisei de você, apesar
dos pesares.
Precisei te lembrar (te/você, vou misturar...)
lembrar do que não houve, mas ficou
retido, represado
fossilizado, petrolificado...
em tão pouco tempo, já pré-cambriano.
Mas como tudo que é composto
desses hidrocarbonetos em reserva,
nosso futuro do pretérito (nosso ou meu: whatever)
é altamente combustível:
explode e queima, à menor centelha.
Ficou bonita nas novas fotos.
Quem sabe, algum sorriso foi pra mim, apesar
dos pesares.
Por que ter sede do leite da tua pele,
se não posso bebê-la? Se não estava escrito,
programado
não havia ensejo para isto neste tempo-espaço?...
O objetivo talvez seja a poesia.
Se a poesia é o único aposento
a única cama
onde jamais irei te deitar.
De poesia construo uma rosa, então
uma rosa feérica, possível
alva feita
de alma nua
e mal visível...
com que acaricie os lábios teus.
Igor Buys
O livro "Manicômio"
O livro "Manicômio" não poderia ter um título mais
adequado. Além das questões estéticas, formais e conteudísticas que explicam o
livro, há uma outra questão, mais particular: a feitura/escrita/concepção do
livro, que foi escrito num momento especial da minha, um momento de
descobertas: dos 19 ao 23 anos. Muitos contos foram escritos quando eu morava
numa casa onde dividia quarto com meus dois irmãos e um primo (até hoje não sei
como consegui escrever os meus melhores textos nessa situação, num quarto em
que havia apenas um espaço para uma pessoa passar...). "Clarissa",
por exemplo, foi escrito à luz de velas (num dia em que a energia da minha casa
estava cortada). "A última revolta de Jesus Cristo" foi
descaradamente inspirado numa frase que um amigo sempre dizia: que Jesus
deveria ter morrido pelas baleias. Aproveitei a frase e criei o que é um dos
meus contos mais polêmicos. Outro fato interessante da feitura de
"Manicômio" é que, mesmo 24 horas sem comer e com um pc emprestado,
lá estava eu escrevendo o projeto da lei de incentivo à cultura. Enfim,
"Manicômio" é fruto de uma obsessão (que puxei a meu pai, minha mãe e
meus irmãos...) >>> http://rogerssilvaoriginal.blogspot.com
Rogers Silva
Natal sem Ceia
"Com medo de se atrasar
Ela acorda cedo
Pois hoje é dia de preparar a ceia de Natal
Na casa da sua patroa.
Ela limpa, passa e cozinha
Deixa tudo organizado e monta um grande espetáculo na mesa
linda de mármore.
Quando está à caminho de casa
Já bem tarde da noite
Ela se lembra que hoje é dia 24 de dezembro
E que na preocupação com o seu serviço
Ela esqueceu de comprar o presente para o seu filho e o
Chester para o seu natal.
Ela vai pra cama cedo abraçada com o seu filho.
Ele dorme e ela chora
Pedindo à Deus por um próximo ano melhor e mais
igualitário"
24/12/14
Preta-Rara
Luta
O cérebro pulsava
pulsava os punhos
o pulso
As falanges em
lança
abriam e fechavam
estalando dores
Lembranças
salmouras
mão fechada de
puro
músculo
diástole e sístole
na avenida
venal frenética de
incêndio
de chamas liquidas
infernais,
nadando em
correntes
elétricas
nos micro-fios
desencapados
das sinapsis.
Aquele espírito
gritava
pulsando
vida.
Enquanto o corpo
ordenava:
Respire morte.
Na batalha de
espectros e
luzes
sob as cortinas
daquela
ópera humana
húmus humanos
A carne se
consumia
alimentando-se
dos seus excessos
e
sonho excelsos.
De uma mulher só
só uma mulher só
presa por
oito tubos
por oito meses...
no nono deu a luz
à
Liberdade
levantou âncora do
Purgatório.
Wilson Roberto Nogueira
CRÔNICA DE UM CAMINHANTE
-- Jornaleiro: posso ajudar o senhor?
-- Eu: não, obrigado, só estou vendo quais são as mentiras
de hoje nos jornais.
-- Jornaleiro: é verdade, os jornais mentem muito! E como
mentem!
Claudio Daniel
Natalinas
I
papai noel sentou na garrafa de coca cola
II
a maionese do caos adentra o jardim
III
um calor entre abraços suados e sorrisos banguelas
IV
a infame piada do pavê
V
a árvore de natal comprada na promoção do ano passado
VI
haja cerveja!
VII
aquele tio golpista destroçando o peru e falando de boca
cheia
VIII
o importante é a união familiar
IX
o cachorro rasgando o sofá
X
o som de jingle bells dominando o recinto
Sérgio Villa Matta
neste natal o facão da delação
pende perigosamente suspenso
sobre o país que navega à deriva
sem governo e sem comando
o presidente da república
junto com todos os seus ministros
está sob suspeita
os ministros do supremo
porque se suspeitam entre si
e suspeitas são as suas decisões
estão sob suspeita
todos os governadores dos estados
todos os prefeitos das capitais
estão sob suspeita
os políticos todos sem exceção
os partidos políticos todos
estão sob suspeita de corrupção
utilização de caixa dois
lavagem de dinheiro
e formação de quadrilha
os indícios de evidências
cabem em milhares de páginas
fedem a quilômetros de distância
e todos os deputados federais
todos os senadores da república
são suspeitos até a tampa
eles são dentre os suspeitos
os principais interessados talvez
e tecem na calada da noite
(seu habitat preferido), o cenário
para que tudo acabe em pizza
na calada da noite suja tramam
os facínoras e canalhas no poder
a manutenção dos seus privilégios
e novos assaltos aos direitos
e bolsos de quem trabalha no país
neste natal estejamos atentos
acho que no próximo ano
só nos restará promover desobediências
preparar barricadas nas ruas
e construir uma nova ordem
que a que está aí já não serve mais
Akira Yamasaki -
24/12/2016.
domingo, 18 de dezembro de 2016
CRÔNICA DA TARDE...
Estou ficando velho, coisa de velho, fazer poesia patético
peripatético.
Durmo mais cedo, acordo mais tarde, amanheço a noite,
anoiteço o dia.
A cidade, como era verde o vale verde, havia capim e
cafezais.
O campo de bola não tinha rede, a bola era de pano, a escola
caminho suave rumo ao horizonte, jogávamos pião, bilboquê, bafo com figurinhas
de bala Zequinha, bocha, não havia fossa, a vida não era uma bosta, íamos às
lagoas do Agostinho lambaris e carás pescar.
A água era fresca do poço com sarilho, não era com cloro da
Sanepar.
O banco da praça ainda é o mesmo na matriz onde íamos orar.
O pipoqueiro fogueteiro do lugar pipocava sem bacon, morreu,
coitado, consertava fogão a gás.
O pipoqueiro com bacon tá lá, não sei se conserta fogão a
gás.
O amolador de facas e tesouras, às vezes ainda vejo uns
afiando quinquilharias, coisas de cozinhas, tenho uma tesoura velha para
amolar, faz tempo que não o vejo andando pelas calçadas com seu pedal.
O algodão doce, tão doce que era, só se for para meu filho,
ele gosta, eu não quero mais.
Vou à missa das dez e aos funerais.
Já criei barriga de tanto beber, nem tanto igual de quem
engoliu um capacete de motoqueiro, não espero emagrecer mais.
Pois, quando se morre, até dentro do túmulo se emagrece
muito demais.
Ossos do espírito, disso não duvido nunca.
E assim, por fim, sem querer fui me perdendo em encantamento
acantonado em meu canto em pensamento, segurando em desespero o pranto.
Nada, nem tudo me entusiasma, nem os parques funerários e os
jardins da saudade, nada me satisfaz.
Sonho muito com os que já dormem na mansão do céu réquiem em
paz.
Em meu calvário viário, ouço as trombetas dos anjos tocando
pra mim.
Seria do mundo o fim?
Em bom alto som dizem-me: vinde a mim, faça o bem, evite o
mal.
Cristo ressuscitado é uma grande mentira, Cristo nunca
morreu.
Apenas eu morro, nunca desmorro, não mereço a imortalidade.
Perco-me como Dom Quixote errante no burburinho das ruas
desertas, nos balcões dos bares, nas sacristias dos sacrificiais altares.
Os lares?
Deixa pra lá, já sofri tanto sem família, é muito pessoal.
Habeas copo, cachaça pra mim.
O éter eterno do infinito me satisfaz.
Quiçá eu volte antes que morra sem nunca ter saído do mesmo
lugar.
José Aparecido Fiori
sábado, 17 de dezembro de 2016
DESLINDAR
DESLINDAR
são quatro e trinta da manhã
sozinha
dez horas o sol me esmurra a cara
sozinha
café
ração para o gato
banho
jornal
sozinha
um pouco de fome e náusea
migalhas na mesa
cabelo esvoaçado
(me dá a tua mão)
triste é me ver assim
e nem vejo mais
não passo pelo espelho
não lembro
mas me arrepiam os poros
quando penso
sozinha:
escrevo
só
pra te tocar.
(poema de MELINA FLYNN , poeta japonesa, nasceu em Myioshi,
Japão, mas passou a maior parte de sua vida no Brasil. É atriz, escritora e
tradutora. Gosta de cinema, fotografia, música, literatura e escrita.
Canceriana é descrente de signos, novelas, futebol e religião. Explica o
escrever como o expectorar. Não escreve para que se entenda e sim para que se
sinta. Publicou o livro Amores Brutos (2011).MELINA FLYNN está na 84ª postagem
da série AS MULHERES POETAS...Se quiser ler mais, clique no link http://www.rubensjardim.com/blog.php?idb=49066
você me diz que a morte é regra
nem me despedaço!
não acredito
não quero.
se essa for a grande verdade
me cego
me chago
me sangro
me esmero para não acreditar.
não será essa a cilada.
não será esse o tango
a dançar.
não agora nem nesse lugar
de demoras no seu quadril.
LÁZARA PAPANDREA , poeta mineira, é formada em
história e pós graduada em teoria literária. Coordenou até 2011 o grupo Café
com Poesia e Arte, que ainda faz apresentações regulares no Museu de Arte
Moderna Murilo Mendes. Publicou o livro de poemasa Tudo é Beija - Flor(2016)
Vive atualmente em Juiz de Fora. Lázara Papandrea está na 84ª postagem da série
AS MULHERES POETAS...Se quiser ler mais, clique no link http://www.rubensjardim.com/blog.php?idb=49066
SALMO DA NOITE ESCURA
Já poetei com prosa, proseei com poesia, proselitei a morte
do poema.
Então pergunto do mais profundo abismo e ninguém ouve minha
voz.
Onde estás que não respondes?
O que seria da luz, não fossem as trevas?
Meu poema entrou em colapso cardíaco, eletrocutou-se nos
postes da Copel.
Minha prosa foi cremada, as cinzas lançadas no esgoto
caudaloso da Sanepar.
Ah esse dia com cara de missa de sétimo dia!
Esse frio rancoroso de nevoeiros nublando em pleno solstício
de verão.
Fico nostálgico, melancólico, sorumbático, minha consolação
é a Filosofia.
Quero dias tórridos, noites cálidas com hálito de verão.
O sentido da vida?
Nem me pergunte, que agonia.
Amordaço com o celibato, cinjo o rim, sublimo a irrefreável libido,
amortalho-me no fundo do poço.
Que me dizem, amigos e amigas, desse sol embaçado, soturno,
que era para fulgir na manhã de hoje na Serra do Mar, mas fugiu cinzelando o
céu de um cinzento cruel?
Vou torcer para que a manhã de amanhã não seja invernal,
seja de Natal em todos os quintais de pinheirais na terra da padroeira a Luz
dos Pinhais.
Por hábito finesse, empunho a taça da cachaça, um cuspe no
chão, um gole pro santo, outro pra mim.
Bebo uma pinga pra silenciar o sininho da goela, suavizar o
gogó da garganta inflamada.
Enquanto isso, pingam faíscas de uma chuva finíssima.
Minha tristesse...
Estou spleen, sim, isso não tem cura nem fim, eu sei.
As flores do mal não me cheiram bem.
O espírito inserido no telúrico corpo-carcaça absorve a
cachaça.
Entorpece a alma lírica.
Eclipso-me encapsulada no leito-mortalha.
Então vou dormir a noite purificadora de São João da Cruz.
E sonhar.
Subirei os degraus do altar de Deus, o Deus que alegra a
juventude.
Chacoalharei turíbulos de incensos, fazendo soar a campainha.
Acenderei o candelabro do Chanuká.
Subirei o Monte Carmelo.
A dor aliviarei no Monte Tabor.
Boa Noite.
José Aparecido Fiori para Feira do Poeta Curitiba
MEUS OLHOS
Quantas saudades eu sinto quando contigo,
não falo.
O coração apertado fica, o pensamento viaja
na ânsia de te ouvir.
E dentro de nós sem te ter, tudo fica ausente.
O teu silêncio preocupa a quem te ouvir quer.
Dificil já é não te ver,mas sem te ouvir pior fica.
Não o faças, quando comigo falas,o dia parece outro,
a tristeza se dissipa, logo embora vai.
E o que a mim faz mais gosto, é ver em frente aos meus
olhos,
sorridende, o teu rosto que só para mim fica exposto.
Roldão Aires
Mamãe dava ordens com os olhos e carinho com as mãos. Papai
falava alto mas nem sempre era obedecido. O amor dos dois por nós sim era
determinante. Com a mãe a poesia veio no ventre, com o pai o amor pela pescaria
e aventura, com os 9 irmãos a alegria, o convívio e a confraternização vieram
de mãos dadas para o abraço único. Viver estabelece laços entre este e os
outros mundos. A lição de casa é a visão de mundo, só enxerga a resposta quem
está cego de amor. Aproveite o clima e se mude pra dentro do seu sobretudo.
Leia no primeiro comentário e até segunda-feira.
Antonio Thadeu Wojciechowski
INSTANTE
Aquele líder incansável,
real, de voz enérgica
e gestos fortes,
enternece-me
quando está adormecido.
Guardo a sua calma breve
dentro dos meus olhos
e pouso ao seu lado,
em silêncio de algodão.
Badida Campos
segunda-feira, 12 de dezembro de 2016
Tem que ter salvação, alguma coisa tem que ter salvação, ela
pensava enquanto olhava o sol poente refletido nas vidraças do grande edifício
debaixo das quais se estendiam os mendigos. Tem que ter salvação, ela pensava,
ou pelo menos algum fio de sentido. Os automóveis buzinavam, as pessoas se
acotovelavam, se esbarravam, e eram feias, as pessoas, e era feia a cidade, e a
vida, sim, a vida era quase totalmente feia. Mas havia, atrás e por cima de
tudo, o sol. Mas também havia os mendigos por baixo e atrás de tudo. E uma
noite que se anunciava, e que seria fria, como todas as noites, com ou sem lua.
Tem que ter salvação, ela pensava ao dobrar uma esquina, tem que ter salvação,
com ou sem lua, para todos, para ela, para os mendigos, para o sol que se põe e
um dia, depois que tudo ali estiver extinto, as ruas, os ônibus, os edifícios,
os mendigos, se extinguirá também. Tem que ter, nem que seja um fio, um fiapo,
uma míngua de sentido, ela pensava ao dobrar a esquina, distraída. O impacto
com o ônibus foi fatal.
Otto Leopoldo Winck
QUADRILHA (by Odebrecht)
Caju amava Caranguejo que amava Boca Mole
que amava Todo Feio que amava Ferrari que amava Campari
que não amava ninguém.
Caju foi pra os Estados Unidos, Caranguejo para o convento,
Boca Mole morreu de desastre, Todo Feio ficou para tia,
Ferrari suicidou-se e Campari casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
Um dia eu fiquei tão triste que quis arrastar todas as
estrelas do céu. Desejei que o sol não mais nascesse e a lua despencasse sobre
os transeuntes. Amaldiçoei a esperança, este ídolo todo de barro, e tatuei na
testa um signo obsceno. Disse de mim para comigo: não tenho irmãos nem a
perspectiva de encontrar um semelhante sobre a terra. Nesse dia voltei para
casa, a pé, pelo trajeto mais longo. Todas as pessoas que eu cruzava viravam o
rosto, repugnadas. Mais tarde, rolando em meu leito, desejei de novo ser peixe
e nadar para sempre no líquido amniótico. De manhã, ao me olhar no espelho do
banheiro, constatei que estava transformado em Caliban. (Chorei como uma
criança que perdeu os pais numa feira.) Apanhei então uma navalha. Apalpei meus
pulsos. Mas mudei de ideia e esquartejei você.
Otto Leopoldo Winck
DECADISMO
Cortei os pulsos
do poente.
(Nas ruas onde descaminho o sangue escorre das nuvens
nessa hora em que outrora havia ângelus e anjos acendiam as
estrelas
onde hoje se acendem os anúncios luminosos...)
Cortei os pulsos
do poema
e vim à rua
contemplar o sol desfalecido.
Era fatal que me tornasse poeta.
(O sangue espirra sobre a pia e sobre o copo
e sobre o tubo de dentifrício e sobre o espelho onde outrora
eu via
um rosto...)
Cortei os pulsos
do poente
e vim à rua
perpetrar o meu último poema.
Otto Leopoldo Winck
domingo, 11 de dezembro de 2016
sábado, 10 de dezembro de 2016
[não escrevo como mulher porque não sou mulher
sou um destroço que boia. um relato lendário.
alguém que tem a dor nas mãos e negrumes secretos no sexo.
estou secando e ouço gritos.
uma desesperada louçã se anuncia.
— o melhor do mundo é não viver nele.
em um escabelo sento a contemplar uma sede sem fim.
mrs. dalloway, você está ai?
senhora d., posso chorar ao seu lado?
euricléia, quando eu voltar você me lavará os pés?
sra. ramsay, então o farol é isso? só isso?
em contínua tristeza os forasteiros vivem.
hoje dormi com batom nos lábios.
o cansaço era tanto que esqueci que também sou homem.
e não canso. e não choro. nunca.
deslindo-me e me desarrumo porque sou gaveta.
telhado. quase cratera. olhicerúlea.
ah, teseu, qual o tesouro secreto que o pai te revelou?
hades me quer. eu digo não. ainda não.
é urgente falar com tirésias.
ir de uma ponta a outra do tâmisa. sozinha.
com uma alegria insuportável.
em mim, femíneos simulacros:
macabéa, qual o tamanho da solidão dos domingos?
blanche, também já dependi da bondade de estranhos.
cabíria, você me ouve?
choro contigo o sentimento trágico da vida.
clitemnestra assassinou cassandra.
mesmo assim eu a amo.
amo as arestas. o que é subterrâneo:
plutão. dioniso. osíris.
estou respirando e tudo é silêncio.
não deslembro mais. simulo.
já sou pélago.
poço. festim. mosaico.
esmerada forma de arder.
Marize Castro ]
.
TROVA
Só pode ser em Brasília
para haver coisa tão feia:
trocarem meia quadrilha
por uma quadrilha e meia.
Paulo Monteiro
terça-feira, 6 de dezembro de 2016
RETALHOS
“Canto como quem usa
Os versos em legítima defesa”.
Miguel Torga, in Orfeu Rebelde.
Em tom
quase imperceptível a voz rouca e interior de Ana Maria, bradava incisivamente:
-
Louca..louca...homicida!
A
agitação do pensamento levou-a até um tempo que imaginava perdido na memória.
A
cidade da fala escandida e suas majestosas araucárias, onde passou a infância e
juventude, onde amou e deixou amigos e familiares quando partiu em busca de
seus sonhos.
Mulher
decidida, correu o mundo, adquiriu conhecimento, destacou-se profissionalmente.
Acreditava ser feliz, não obstante nela houvesse um quê de insatisfação que ora
a impulsionava a viver intensamente, ora a tornava introspectiva e muda.
Num
destes momentos de banzo, algo inesperado e gratuito aconteceu. Uma brisa
ligeira tocou-lhe a face e avivou a chama da Poesia. Incapaz de qualquer gesto
contrário, deixou aflorar seu Eu-lírico, pondo-se a escrever sem parar.
No
frenesi de cada novo chamado da poesia, sulcava com frescura a avalanche de
imagens criadas pela sua imaginação. Seus olhos percorriam caminhos rasgados
pela densa vegetação, seus dedos ao segurar a caneta pareciam serpentear entre
cadeias de montanhas e transpor colossais abismos.
Não
descansava, mal se alimentava. Só escrevia. Até o Trabalho abandonara pela incansável busca do prazer
que o texto lhe proporcionava.
Neste
contexto de descobertas, amigos tentavam inutilmente chamá-la à razão.
- Não
tens juízo! - diziam eles.
Ensimesmada,
pensava: - Ora, não venham com repressões!
E com
ternura apenas respondia.
- Com
licença, a lua arde nos contrafortes da serra do mar, não falta mais nada para
iniciar nova prosa.
Acompanhada
pela melodia do seu Eu-Poético, sorria com doçura às intempéries da vida.
Todavia,
aquela insatisfação que lhe era inata ... sempre presente, por vezes
sussurrava-lhe:
-
Mulher, toma tino!
- A que
propósito serve esta tal Poesia? Olhe em torno de você!! As contas se
acumularam. Seus filhos cresceram e você nem percebeu ...
- Afinal o que queres da vida? Ficar aí
pasmada... a escrever , escrever e engavetar?
Passados
alguns minutos, feito quem age em legítima defesa, lá estava Ana a rabiscar
seus versos num fôlego só.
O tempo
passou, as palavras persistiam em escapar aos turbilhões, como se fosse uma
vaga selvagem batendo forte numa rocha.
- Sou a
vaga e a rocha - pensou. Ao mesmo tempo em que bato, recuo e permaneço
estática. O estar estática me incomoda, retira-me o ar!
Naquela
manhã de inverno, quando a exuberância do azul transbordava do céu,
descortinando o destino louco e incompreendido dos homens, cheia de lembranças,
ao ouvir sua voz interior decidiu jogar fora todo o amontoado de contradições
que a intrigava.
E,
assim livre de pressões, escutando apenas o estalido ígneo do silêncio
queimando seu peito.
Assumiu.
Andréa
Motta
Busca
Estou caindo no abismo;
Como quem procura água no deserto.
Busco letra -a- letra, a palavra,
Que retire esse cansaço insustentável,
Das verdades mil vezes ditas,
À ouvidos moucos.
Cansaço real, da irrealidade alheia.
Procuro a palavra
Que impeça esta vontade de voltar
À caverna silenciosa,
Onde só habitam as vozes,
Dos meus poetas mortos.
Joselaine Mota
Metapoemas de Andréa Motta
Metapoema
Andréa Motta
Se meu verso não tem jeito
de soneto ou de epopéia
se não é perfeito
com certeza tem um rito
não causa cefaléia
ou faniquito
é o encontro sublime
da fé e da quimera
Se a rima é disforme
o que não é nenhum crime
e não tem batalhas de outra era
com certeza é ditoso
traz a letra do corpo
sem ser incestuoso
Em cada fonema
o canto do melro
o vôo da borboleta indefesa
- a essência do ecossistema -
transcende com certeza
a consciência do leitor mais austero
18.06.07
VERSÃO 2
Metapoema
Andréa Motta
Se meu verso não tem jeito
de soneto ou de epopéia
se não é perfeito
com certeza tem um rito
não causa cefaléia
ou faniquito
é o encontro sublime
da fé e da quimera
Se a rima é disforme
o que não é nenhum crime
e não tem batalhas de outra era
com certeza é ditoso
traz a letra do corpo
sem ser incestuoso
A cada novo fonema,
o vôo duma borboleta indefesa
e o canto da natureza
- a essência do ecossistema -
como anticorpo
transcende com certeza
a consciência mais austera
18.06.07
neve negra
Queima o clamor no pulmão ferve no coração
a chama
e chove punhais
penetrando na prole da revolta
e solta o Sol da
esperança
das correntes de elos
quais tentáculos de feras
-pesadelos de todas aas eras
as guerras a fome e a miséria.
Queima o clamor no
pulmão
uma pluma de sonho
no incêndio da razão
incêndio na Floresta Negra
a expulsar
os desesperados lobos cinzentos a invadir
aldeias feras
famintas almas perdidas na lama
a perscrutar na treva a semente da luz.
Ferve no coração a chama chama
negra
borbulhando borboletas de fogo chama
a voz do bater de asas de ceda da borboleta
á queimar da seiva
ácida no pulmão de ramos finos
da selva da tualma
fumaça densa vela
a tua cidadela em ruidosas ruínas no luto de tantas guerras
Teus olhos crepitam fome de justiça diante da soberba
miséria
voa alto o falcão com os olhos famintos
pelo vale perdido dos sonhos órfãos.
Wilson Roberto Nogueira.07/05/07
O crime silencioso do demiurgo Vulturino
O critico
crítico cri-cri
gri-gri atrás do arbusto
de tocaia no deserto;
a gritar crises
a despejar pedregulhos
a provocar engulhos
pela afetada ostentação de vazio
zomba babando
saberes ausentes
de alma criadora
só constrói a ruína
e ri o cri-cri a crocitar
na esquina.
Na quina quebrada
atento a forma
deforma.
mal pronuncia o
prenúncio do gênio que cria
a cria o cri-cri mata
assassina o feto no
útero da idéia.
arranca a dentadas o prepúcio se fazendo de mohel.
crocitando o corvo a voar
voandosobre a cova
reclama da safra de
milho
só sabem contudo
plantarem cadáverese deles
se alimentarem.
cadê o milho?
o espantalho furtou
e o corvo?
vôou para o México
lo dia de los muertos.
Era um abutre disfarçado.
Carajo!!
Wilson
Roberto Nogueira
Excesso de suor
O suor da palavra
precisou ser enxugado
gotas fétidas de prolixa
verborragia
implorou-com a dor
pulsando dos olhos
do leitor"cura tal hemorragia"
O sangue da palavra coagulou
Na cega caminhada teu pensamento
na treva se perdeu
caiu no abismo
morreu.
Antes aos gritos na caverna mais profunda
implorou
Onde está a luz ?
Venha para a luz...........
Wilson
nogueira
Um pouco de pó de pólvora seca nas folhas molhadas das
palavras
voam vadias nas vagas das tempestades do Hades do seu
dia-a-dia.
O suor da palavra precisou ser enxugada,
gotas fétidas de prolixa
verborragia;
implorou com a dor pulsando dos olhos;
cada letra condoídas com o sofrimento
do leitor.
O sangue coagulou, ficou preto e imundo
como a treva da tua cega caminhada.
Olha ali a luz serena do farol
reta e simples.
VENHA PARA A LUZZZ!!
Wilson Roberto Nogueira
Lugar-comum pode ser Beira do Mar
>
> Como pessoas comuns podemos rir de muitas coisas que
lemos e são superficiais, tolices, piadas...mas quando compartilha com um grupo
que se especifica dentro de um título de saber, a coisa se aprofunda! Se uma
pessoa, por exemplo,conta-se entre psicólogos, qualquer auto-ajuda será tratada
como tal, exceto psicologia. Será pouco provável que circulem entre esses
pares, textos de qualidade inferior ao que o conhecimento sobre o qual se
debruçaram admite leitura, interpretação, pois passa a haver quase que
automaticamente, uma exigência qualitativa de salto maior.
> O mesmo, seria de se esperar, deveria ocorrer num grupo
de pessoas que se interessa pelas letras, pelas palavras, pela literatura. A
leitura de textos deveria passar por um crivo diverso do que usamos quando
estamos "leitor comum". Subliminaridade, intertextualidade,
singularidade estilística, o tratamento do tema, enfim, para dizer o mínimo, se
é o caso de leitores interessados pela literatura mas sem formação em letras ou
disciplinas correlatas, seria o pouco razoável
> na escolha de textos e imagens para circulação entre
tal grupo.
> Para ficar ainda mais claro, a seleção de textos passa
pela capacidade perceptiva do leitor enviante e demonstra para seu interlocutor
sua profundidade interpretativa. Primeiro, de quem o lê; segundo, do quê e o
como ele prórprio lê. O leitor depende menos da quantidade de leitura do que da
demonstração daquilo por onde ele escoa sua fruição e gozo. Se sempre ri de
texto simplório, seu riso o acompanha a esse lugar. Se geralmente se comove por
uma banalidade, ali habita uma boa parte da carga emocional que comporta.
> Considero muito importante a presença do leitor comum
se avizinhando do leitor de suas especialidades. É ele quem permite aberta uma
porta para o fora do comum, por incrível que pareça! Pois é através dele, que
pode ser o simples curioso e inicia a leitura de "uma qualquer
coisa", à partir dele é que chega o tempo do "leitor
aprofundado" que vem com a experiência. É através dele que também se pega
qualquer papel com letras num poste, numa revista esquecida no banco ao lado e
fazemos a leitura de algo que pode ser a grande idéia daquele conto
> do escritor certo! É, mas podemos lembrar dele também
como um estrangeiro que conhece pouco o idioma de outra terra que, nos
encontros do que ler à partir das palavras conhecidas, pode trazer à mente
propagandas reacionárias,equívocos distantes da humanização e até bobagens tão
inúteis que quando trazem algo pode ser a perda de tempo!
> Por isso, apesar do carinho com que trato o leitor
comum em mim, sempre verifico o trinco, pois a porta por onde ele passa leva a
um corredor por onde se pode percorrer muito mais chão!
> Sempre gostei de pegadas na areia!
> Obrigada pela leitura!
> Maria José de Menezes
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