Eu vou levar o cachorro pra passear, eu falei pra ela. Eu
nem tinha um cachorro. E ela pareceu não se importar com o que eu disse. Ela
preferiu acreditar que eu tinha um cachorro e que eu tava levando ele pra
passear. Foi nessa hora que eu pensei que eu sempre quis ter um cachorro. Eu
lembro do meu amigo falando... é, eu tinha um amigo. Um daqueles amigos que as
mulheres odeiam que você tenha como amigo. Um daqueles que sempre estão te ligando
de madrugada e dizendo “vamos beber uma?”. Aí ela grita da sala: “É aquele
filho da puta do seu amigo que quer beber outra, né?” E aí você diz num fiapo
de voz: “Não é outra. Eu não bebi a primeira ainda”. Aí ela diz: “Foda-se.
Manda esse seu amigo pro inferno. Ou manda ele arrumar uma mulher. Ou um outro
amigo. Ou uma bosta de um cachorro... que beba com ele de preferencia pra ele
parar de te ligar pra você beber outra”. Pois é, eu tinha um amigo. Ele
desistiu de mim. Todos os meus amigos desistiram de mim. Eu devia mesmo ter um
cachorro. Talvez o cachorro não desistisse de mim. Acho que é por isso que
chamam de fidelidade canina. Bom, mas agora é tarde. Eu não tenho um cachorro.
E nem amigos. Mas isso não importa muito pra ela. Eu dizer que eu vou levar o
cachorro que nós não temos pra passear basta pra ela. O importante é que eu
saia da presença dela. Por alguns minutos, ou algumas horas de preferencia. Eu
devia aproveitar e ir beber com meus amigos. Mas como já disse, eu não tenho
mais amigos. E se eu tivesse amigos ou um cachorro, eu poderia então beber com
eles ou perguntar para o meu cachorro: “O que nós fizemos das merdas das nossas
vidas?” Esse mesmo amigo. Esse que não é mais meu amigo e que desistiu de
mim... que arrumou outro amigo ou então pelo menos descolou um cachorro pra
beber com ele...bom, esse meu amigo quando ficou sabendo que eu ia casar,
falou: “Descola um cachorro, meu amigo. E um sofá grande e confortável”. Eu
perguntei por que. E ele disse: “O sofá é onde você vai passar a maior parte
das suas noites e o cachorro é o único que vai te receber com amor quando
chegar em casa”. Ele foi cruel. Ele tava certo. E eu tava certo em querer
acreditar que ele tava errado. Afinal o que seria de nós, pobres desgraçados
românticos se não nos sobrasse essa fé inabalável em miragens?
E eu levo o cachorro que não tenho pra passear. E eu ando
com ele pela rua deserta do meu bairro de madrugada. E naquelas casas frias há
homens e mulheres tristes e frustrados com suas vidas tristes e crianças que
ainda não sabem que são tristes, mas não vai demorar para que descubram. Afinal
as crianças crescem e entopem o mundo com suas presenças tristes de adultos sem
esperança. E há os cachorros que irracionalmente buscam o afeto dessas pessoas
tristes com seus olhos tristes de cachorros que imploram por amor e afeição. Os
cachorros que uivam para a lua solitários como o homem que anda na rua
conversando com seu cachorro imaginário.
(Mário Bortolotto)
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