terça-feira, 8 de outubro de 2019

A alma dos laços


     


Laços se estreitam na ausência?
Não.
Vão se afrouxando... se alargando... até se transformarem em fita/
Às vezes encontram as mãos de um artista que lhe dá alma, lhe dá vida/
Às vezes não se tornam mais do que retalhos, sem destino, sem guarida/
Só sombra sem rumo, desfiados, presos no fio, perdidos na via/

Laços que duram pra sempre são bons?/
Quem Sabe?/
Dependem da simetria das voltas, da firmeza e elegância do tecido/
Há aqueles que mantêm seu frescor, de tanto amor neles contido /
Outros, num canto esquecidos, vão murchando... ficando remendo de nó/
Só lembranças de laço. Só memórias tristonhas. Que dó/

Laços escondem presentes da alma?/
Talvez/
Podem enfeitar caixas vazias, embrulhos de última hora, carinhos quentes/
Dependem da delicadeza dos dedos, do movimento das voltas, se ficará pra sempre/
E, às vezes quase laços, imaturos, com o tempo se transformam em laços seguros/
Brilham aos olhos com doce bravura, sendo vistos até mesmo no escuro/

Laços vão desbotando no tempo?/
Sim./
Mas, mesmo pálidos são bons em carregar histórias reeditadas no agora/
E serenos, ali longo tempo dentro de um livro, confortam a alma de alguém que chora/
Porém, quando esquecidos num canto, esperando, amassados, torcidos pra sempre/
À espera da hora, nem fita, nem linha, enfeitam o nada, mesmo sendo ainda querentes/

Já fiz muitos laços/
De couro, de corda, brim, seda e cetim. Alguns caprichei feito último laço/
Neles me demorei, empenhei o antes e agora... mas, por ironia, o laço que via, nunca gostei/
Outros fiz com desdém, pois eram só laços sem graça, sem cor, sem cheiro, jamais terminei/
Alguns... paixão eu senti, pensando que laço, desfeito, enrolado, virasse brinquedo/
Sempre perfeito, sem marcas, dobrinhas, não causassem tristeza, nem cheiro de medo/

Comprei muitos deles/
De listas, de bolas, pintados à mão, feitos no oriente, trançados e duplos/
Mas este... que agora faço, quero curtir cada passo, cada laçada, cada desejo que guarda/
A trama da fita, o matiz nele curtido, o som que, em cada volta, acaricia a alma/
O silêncio de cada mirada, os relevos, depressões nele gravado, toda no laço me uno/
Profundo, ardente, complacentemente calmo, nele durmo abraçada, maciez em veludo/
E sinto, mesmo estando mudo, que hoje sei e posso, enfim, fazer o meu laço/


Maria Regina Alves

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