desde os tempos das orelhas quebradas
desde os tempos das rolhas mofadas
a poesia vaza louca e abrupta
sobre a grama dos jardins artificiais
o tempo come os relógios
o tempo devora os esqueletos
o tempo tritura as vitrines
a melancia dos prazeres rola ladeira abaixo
do fundo das latas de lixo resgata-se
os sonhos penhorados por cents de nada
e os comboios beats se espatifam
nos vales imensuráveis do delírio e da arte
até a última gota de sangue
o devaneio disseca o corpo
até a última gota de poesia
a vida agoniza em patentes de flores
em sombras trôpegas em rolos de seda vadia
em salsichas podres que despencam dos prédios
sobre os guarda-chuvas dos transeuntes
mas a poesia sobrevive como musgo na pedra
tobogãs cospem vermes
nos liquidificadores da imaginação
fervilham infernos putas pederastas
cascatas de gozo e rituais de pura anunciação
o imundo macula o mundo
e os anjos dormem
sob as folhas das samambaias oxigenadas
na fruteira inox dos acadêmicos
apodrecem os frutos colhidos
no bosque silvestre dos poetas malditos
a estrada é alma elevada aos céus
- os pássaros passam em chamas -
o asfalto derrete-se sob rodas de nuvens
a transfiguração veloz de horizontes
milhões de garrafas baganas canetas
ácidos licores lisérgicas-punhetas
e a máquina de escrever relinchando
nos campos de concentração da criação
o pasto devorado ruminado regurgitado
sobre as toalhas bordadas dos banquetes
e a mesa posta à beira do abismo
coquetéis improváveis e sementes de paraísos
o jorro o improviso os “cem-sentidos”
a vida incontida deflorando manhãs
panelas amassadas pratos quebrados
no chão da América sem cozinha
e a mescalina acendendo luas
no varal do meio-dia
Allen Ginsberg
merda ou sêmen
de pura poesia
23 de maio de 2011
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