– Quer ir comigo? Perguntou a apetitosa balzaquiana dentro do elevador.
Antes da pergunta minha resposta já estava pronta: por essa vizinha faço qualquer coisa, até derrubo o presidente e a promovo rainha.
Nossos encontros no elevador não são nada casuais, eu sou apreciador das coisas boas da natureza, chamo o elevador exatamente às 7h15, justo na hora em que ela sai para malhar na academia usando roupinhas coloridas. Prefiro caminhar próximo de casa, em torno da quadra, considero um contra-senso pegar o carro para fazer exercícios. Algumas vezes trocamos olhares e bons-dias quando me atrevo a caminhar até o parque situado a três mil passos de casa. Hoje estou usando meu calção mais antigo. Sempre achei que ele fosse sensual. Agora tenho a prova definitiva. O calção faz a diferença.
Hoje ela está mais cheirosa do que nunca e me pergunta se eu quero ir com ela. Será que devo me ajoelhar e agradecer o atendimento às minhas preces ou simplesmente dizer sim? Será que devo responder que prefiro caminhar perto de casa desviando de cocôs caninos camuflando meu longo compromisso com a namorada? Respondo numa linha defensiva.
– Será um prazer acompanhá-la, se você tiver paciência com os passos lerdos de alguém da minha idade. – Com certeza dirá que não estou velho, que estou enxuto e outros elogios mais...
– Eu já reparei que seus passos são rápidos. O senhor não está tão velho assim. Eu amo esses cabelinhos brancos que o senhor tem nas têmporas...
Enquanto me derretia com as doces palavras ela continuou: – O senhor é tão meigo, tão suave, posso chamá-lo vovô?
Quase desisti de ir ao parque.
Chegamos à garagem e fomos direto à vaga onde estava o carrinho da jovem.
Até o parque não trocamos palavras.
Do lado de fora do carro tirei a camisa antes de fechar a porta. Não são apenas as plantas que fazem fotossíntese.
Na entrada do parque coloquei o celular num bolso, o molho de chaves no outro bolso e perguntei se ela vinha com regularidade ao parque para caminhar.
– Gosto de vir aqui. É sossegado, não tem bicicletas zunindo nem cachorros latindo. – Ela respondeu provocando meu assunto recorrente.
– A grande vantagem do parque é caminhar despreocupadamente, pois não há cocôs nas trilhas. Nem grandes nem pequenos. Nem recentes nem ressecados. Até o ar é mais limpo.
Não gostei da minha abordagem escatológica e resolvi mudar de assunto. Na verdade eu já estava arrependido de ter vindo. Ser chamado de vovô é até carinhoso. Beldades como aquela podem me chamar como quiserem, contanto que me chamem. O que me incomoda mesmo é o meu calção. Todos os calções estavam para lavar e assim peguei um velho, do fundo da gaveta, que sempre gostei de usar, mas nem me lembrava porque deixara de usar. Agora redescubro o elástico frouxo. E o calção em vez de se fixar na cintura prefere se acomodar nos joelhos. É lógico que o assunto não poderia ser a falta de elástico.
– Estes ipês estão muito bonitos. Qual deles você prefere? O amarelo ou o rosa?
– Prefiro o amarelo. Pena que as flores estão caindo como se fosse chuva.
Pensei que ela fosse dizer: flores caindo como se fossem calções sem elástico.
Dali para frente, a caminhada que era para ser prazerosa tornou-se um martírio. Passei a segurar as calças com as duas mãos. O peso do celular e das chaves multiplicou o poder da gravidade e para piorar, a nossa conversa entrou em queda livre. A inflação cai, o ministro cai, caem os aviões, cai a ligação, peitos e bundas caem. Qualquer que fosse o assunto, caía na vala comum das coisas que caem. A caminhada seguia em passo forte no sol quente. O suor que rolava pela testa era de preocupação em disfarçar o calção cadente.
– O senhor tem filhos?
Com a resposta positiva perguntou se aquele moço forte, loiro, de olhos azuis que estava comigo no elevador ontem era o meu filho. Em vez do calção caiu minha ficha.
Roberto Klotz
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