quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Com o lenço à mão




Muitas pessoas já tinham me falado do livro Las Cartas que no Llegaron. E toda a gente dizia que era um livro “para chorar”. Tentei comprá-lo numas férias no Uruguai, pois o escritor (e também poeta, jornalista e secretário da Cultura de Montevidéu) Mauricio Rosenkof, 78 anos, é uruguaio. Mas não o encontrei, e a leitura ficou na vontade. Há poucos dias, na Alemanha, um querido amigo catalão falou-me do livro – e fez mais: deu-me um exemplar de presente.

Tão longe, tanto tempo depois, por uma dessas voltas da vida, Las Cartas que no Llegaron caiu nas minhas mãos. Com o livro na mala, entrei num trem para Berlim. E caí em prantos naquele moderno trem silencioso, onde educados passageiros alemães me olhavam espantados, enquanto eu viajava pelas palavras e memórias do autor, desde uma perdida aldeia judia na Polônia até os calabouços mais escuros da ditadura uruguaia, onde Rosenkof – jornalista, escritor e um dos líderes do Movimento Tupamaro – foi trancafiado em 1973.

A história dos Rosenkof é impressionante, louca e triste, angustiante e cheia de esperança. E o autor, que construiu esse livro quadro a quadro, mentalmente, em conversas imaginárias que viria a travar com seu pai ao longo dos 13 anos nos quais viveu numa solitária subterrânea como refém do Golpe de 73 (ser refém significava, no caso, morte imediata se algum ato ameaçasse a segurança das Forças Armadas uruguaias).

Rosenkof não morreu – definhou fisicamente a ponto de não mais alimentar-se sozinho e precisou receber um mês de tratamento hospitalar para ser libertado, em 1985, diante das câmeras de TV e da opinião pública. Rosenkof resistiu ao calabouço, ao escuro, à umidade e à terrível solidão com a ajuda da ficção. Porque escreveu mentalmente todos os dias.

E todos os dias, aproveitando a sua única regalia (alguns maços de cigarro por mês), escreveu poemas nos papelotes prateados contrabandeados para o exterior em esconderijos dentro das roupas que seu pai – única visita autorizada – diligentemente recolhia, levava à casa para lavar e passar, e trazia de volta ao filho.

Las Cartas que no Llegaron é um grande diálogo de Mauricio Rosenkof com o seu pai, um alfaiate judeu polonês que saiu da Polônia pouco antes da invasão alemã e que esperou durante vários anos uma notícia da família na Polônia. Mas veio Hitler e o Holocausto, e veio Auschwitz – e as cartas nunca chegaram.

E depois veio a Ditadura, e veio o calabouço, e esse mesmo alfaiate viu seu filho ser roubado do mundo e da luz do sol por longos 12 anos. Uma história impressionante – eu não diria triste, diria corajosa. Pena que o livro (já bastante premiado) não saiu ainda no Brasil. Mas vale a pena esperar que alguma editora corrija esse lapso. Então, prepare o lenço e boa leitura.

 LETICIA WIERZCHOWSKI - FSP. 27 Oct 2011 


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