segunda-feira, 18 de maio de 2020


Volto a um velho tema, a uma velha obsessão. A volta pra casa. A volta pro lar. Depois de uma longa jornada. Depois de uma longa guerra. Aí está Ulisses diante do lar. O portão está derruído. A velha casa em ruínas. O mato cresce por toda parte. Nenhum sinal de Penélope. Nem Ulisses é o mesmo: seus traços estão cansados, suas melenas longas e brancas. Não há quase nada do velho guerreiro.
Assim é a vida: não há um porto seguro pra retornar. Tu nunca voltarás à infância. O passado está enterrado. Os ponteiros do relógio só andam pra frente. A areia da ampulheta não retornará nunca. E ainda que tu te banhes no rio da memória, tu já não és o mesmo. E assim como o passado, que não existe mais, o futuro também não existe -- não existe ainda ou não existirá nunca. Um dia deixarei de atualizar esta página -- ou porque terei enchido o saco desta rede social ou porque estarei morto. Sim, morrerei um dia. E este dia pode ser amanhã. Basta atravessar a rua sem reparar no expresso que vem ou contrair uma versão agressiva do covid... Tu também morrerás um dia, hipócrita leitor (para parafrasear Baudelaire). E então o que temos? Temos só o agora, o instante que corre -- e às vezes isso é suficiente para tornar uma vida gloriosa. Ulisses, não olhes pra casa que foi. Construa uma casa de luz no dia de hoje. Fomos feitos para este dia. E é glorioso estar vivo.

Otto Leopoldo Winck

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