No quarto, o velho Doca contorcia o rosto como se fizesse
careta para a morte, que estava para chegar.
Na sala, a família orava para que a morte viesse e levasse
logo aquele sofrimento do pai exemplar, do carinhoso avô, fiel e amado marido.
O netinho caçula ouvia e entendia tudo com muita tristeza,
apesar da pouca idade, cinco anos. Estava com o peito apertadinho, lembrava-se
do seu avô jogando bola, narrando as jogadas e gritando, mesmo quando ele
errava o chute: “Goooooooooool! Do meu netinho”. Lembrava-se também do velho
brincando de esconde-esconde, enfiando-se nos lugares mais prováveis e mais
fáceis de ser encontrado, só para dizer sorrindo: “Achooooooooooou!”
Com essas lembranças, o menino entrou escondido no quarto do
avô. Todos haviam se recolhido, estavam cansados das noites em claro. Dentro do
quarto, o pequeno se aproximou do velho, que, ao vê-lo, desfez a careta e
conseguiu tirar, não se sabe de onde, talvez da alma, um sereno sorriso. Então,
o menino disse prontamente: “Vovô, não podemo perdê tempo, temo que se esconde
da morte, igual quando o vô fazia quando bincava comigo”. Encantado, o velho
mantinha o ar sereno. O neto continuou: “Vamô, vamô escondê atás da porta, e
quando essa morte ir embora, a gente vai jogá bola e eu vou fazê bastante
goooool”.
O velho, disfarçando sua dificuldade e as dores, levantou-se
e meio que arrastado pelo neto foi e ficou atrás da porta, o pequeno cobriu-o
com um cobertor e juntos ficaram agachados.
No dia seguinte, a mãe do menino, filha do velho, entrou no
quarto e viu o velho escorado na parede, semblante tranquilo com esboço de
sorriso. O menino, acordou, olhou para o avô e falou para sua mãe: “Tava
bincando de esconde-esconde, mas não era pá morte achá o vovô, ela não sabe bincá"!
JDamasio Conto dos Contos e Outros Contos / 2001
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