Quisera
a palavra inaugural do paraíso
mas minha voz
– já sem fôlego –
está cheia de ecos
e cacófatos.
Não falo por mim.
Tampouco por ninguém:
não tenho clã nem urbe,
nem sou profeta de algum deus.
Mas em minha voz
– já sem fôlego –
repercutem as vozes todas
desde Adão.
Quisera
o senhorio de minha própria voz
– já sem fôlego –
o domínio de meus solilóquios,
o narrador onisciente que me narra,
que abre travessões quando falo
ou aspas quando cito.
Saber que ao menos uma palavra
(esta: eu)
fora minha...
Se não uso clâmide
nem burel, não sou apóstolo
nem apóstata,
ao menos pudesse ter de meu
uma aposta:
esta voz
– já sem fôlego –
com que me falo
agora
na ágora vazia de meu crânio:
cálix onde dou de beber aos deuses mortos
a história
que me escoa.
Ah, quisera
nomear os seres todos,
descrever as cores do levante,
elucidar o sabor dos frutos ou a autonomia do vento
nos cabelos dos viventes.
Mas minha voz
– já sem fôlego –
veio rouca,
quase um fio,
e reboa,
cheia de ecos, cacos e cacófatos.
O pior é que não há ninguém
que a decifre.
Olw
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