quinta-feira, 30 de agosto de 2018

O cipreste torto


Cipreste é uma árvore que impressiona. Penso nos ciprestes das pinturas de Van Gogh. Ciprestes e velas. Os cabelos em fogo do pintor holandês. Girassois. Ciprestes plantados em cemitérios. Um atrás de outros, ciprestes surgem na larga avenida, quase humanos. Apenas uma das árvores foi entortada pelo vento. Vi e ouvi tanta coisa em uma semana e só olho o cipreste torto. Nesta vinda a São Paulo não fui nem uma vez a uma exposição de arte. Por acaso, fui à Avenida Paulista e fiquei feliz por estar zanzando na hora do rush. Estava indo para Belém do Pará e todos estavam voltando, como cantava um monstrinho da Vila Sésamo, quando eu era criança. Há uma multidão voltando pra casa depois de cumprir as obrigações sociais. Há outros que pararam em cafés ou em bares. Entrei na livraria para buscar um livro e me senti em ambiente familiar.
Em Vinhedo, olhando para o cipreste entortado pelo vento pensei em coisas difíceis. Soube que a cidade abriga condomínios de luxo. Vi que há um mosteiro beneditino, mas não tive tempo de visitar. Vim para um evento literário, conheci grandes escritores e o cipreste torto é o que mais me impressiona. Por causa do cipreste torto, percebi que não tenho vocação literária. Há tantas coisas que não sei fazer. Sou mais leitora que escritora. Há os que falam tão bem. Alguém fala comigo de vez em quando, perguntando sobre pessoas que conheceu de passagem. Não sinto desconforto em estar aqui, não quero voltar correndo pra casa. Penso que não consigo ter uma carreira de escritora porque fico a maior parte do tempo lendo, em vez de escrever. E quando estou num evento, em vez de conversar com outros escritores, trocar figurinhas, apresentar meus livros, fico calada ou me distraio com um cipreste torto e os rabiscos de uma criança. Vou embora levando um montão de livros - sempre juro que não vou levar nada, os meus não consegui vender - e uma ideia vaga de que a vida literária não combina comigo.

MK

Nenhum comentário: