terça-feira, 10 de dezembro de 2019

THE PLOT THICKENS




Na carta à irmã
ele escreveu –
era sete de maio –
como via as folhas
escolhendo a direção
de se abaixarem
dançando
sob a chuva.
Fazem muito bem
em não permitir
– registrou –
um enterro cristão
aos suicidas
que só transitam
de uma morte a outra
num labirinto frio e azul.
Me abandonando
quero mesmo que
falecesse.
Se estava
tão deprimido
com o olho duro de araponga
como me contaram.
Escreveu-me dizendo
que faria um estrondo e o topo
do crânio seria
feito em mil pedaços
que se alojariam
com massa branca e cinza e sangue
nos ladrilhos da cozinha.
Estou te escrevendo
continuava a carta
da mesa onde janto,
um dia cheio de presságios
me lembrando
de como a gente olhava
as árvores
no jardim da viúva
da janela estreita
do quarto do avô
o velho sempre de chinelos
macios de couro marrom
o vento empurrando um galho
contra a batente.
Ah, Henrique, não posso
levantar a cabeça
que te vejo com rosto de morto,
as pálpebras vazias.
Tuas mãos são como plantas
que qualquer remuo
dobra
teu olhar flutua
onde olho.

Vera Pedrosa Martins de Almeida

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