Ontem durante a insônia das três da manhã peguei-me pensando
em gorilas. Acordei deprimido com a onda de estupidez, canalhice a violência
que assola a nação, uma estupidez bruta, militar, gorilesca. Sem conseguir
lembrar do sonho do qual despertava, da sensação de incômodo inicial o cérebro
dominou e desatei a pensar; quando dei conta estava revisitando o filme O
Planeta dos Macacos, de onde lembrei, num raciocínio embotado pelo sono, que
nele a sociedade dos primatas era dividida em castas, como uma Índia.
O infortunado astronauta que foi cair no planeta dos macacos
deparou-se com orangotangos, chimpanzés cientistas e gorilas militares. Tinha o
horroroso general Urco, um gorila truculento, o sábio Doutor Zaius, um
orangotango estudioso, e Cornelius e sua namorada Zira, dois chimpanzés
pesquisadores. Quando o filme passou no Brasil vivia-se a ditadura militar, e
Urco bem representava o poder instituído: estúpido, injusto, surrreal, quase
cômico, não fosse um fato ali, à vista.
Pensei noutro gorila do cinema, Kong, uma besta bruta mas
sensível, capaz de apaixonar-se pela mocinha. O amor dos gorilas nunca é
compreendido, essa história de que os brutos também amam parece aqueles
aforismos que têm de ser repetidos infinitamente porque nunca o imaginário
popular assimila. Kong acabou abatido a tiros do alto do Empire State ante a
iminência de causar mal à heroína. Quando o pensamento guiado pelo
subconsciente me trouxe a imagem de King Kong descobri a primeira de duas
razões da minha tristeza: o gorila de Cincinatti, EUA, morto a tiros em
situação idêntica porque uma criança havia caído em sua jaula e sofria iminente
risco, Na dúvida, optou-se por sacrificar a besta fera.
O fundamento central do Direito, esta ciência humana,
demasiadamente humana, é a primazia do Homem sobre tudo o mais do Universo.
Ante a possibilidade de dano a um humano mata-se o animal e isto é legal, é
legítimo, podem os ambientalistas gritar se quiserem. A leis de meio-ambiente
são feitas tendo por escopo o interesse do Homem em primeiro lugar. São
Francisco de Assis e Ghandi, que pregavam um Direito Universal, extensivo às
coisas, aos animais, plantas e ao planeta, não são estudados em nossas
faculdades.
Kong, esta alegoria de uma masculinidade estúpida, está em
confronto com outro ícone da telas, Superman. Se o super homem é a metáfora do
respeito da força pela beleza, se ele muda o curso da história por causa da
mulher e sagra-se herói, Kong é assassinado pra que se preserve a vida do
frágil.
Nestes tempos loucos de machismo exacerbado, de covardia, de
estupro referendado, de saque, de golpe, de chicana, de canalhice, de violência,
as imagens de tantos gorilas me confundem a cabeça. Eu vejo uma legião de
cretinos posando em foto ao lado de gorilas fortemente armados, animais
perigosos, detentores de uma força que teria de ser comandada no mínimo por um
orangotango amoroso, mas parece estar a soldo de chimpanzés mentais, maléficos,
que só visam lucro.
Eu vi Harambe, o gorila de Cincinatti, ser morto a tiros só
pelo risco de estar perto de uma criança. No entanto eu também vi um gorila
treinado, violento, perigoso, atacar uma jovem mulher indefesa com um golpe que
só se deveria aplicar em vilões com potencial ofensivo exorbitante. Uma mulher;
uma menina; desarmada. Não se venha falar em vitimismo, um gorila não tinha era
que atacar ninguém, apenas defender os pobres macacos-pregos do trópico
subequatorial, casta de macacos ignorada pelos chimpanzés do mundo civilizado.
Mas os gorilas estão soltos, e não são aqueles bonzinhos do zoológico,
expatriados de uma África onde viviam em paz. Falo de gorilas de outras
qualidade, perigosos, armados, treinados, a mando de chimpanzés perversos. Uma
hora alguém terá de aplicar o princípio da primazia humana e começar a abater
estas feras.
Germano Quaresma.Asteroides Anabolizantes
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