Todas as noites, depois das aulas, Lourdes percorria um
longo caminho até chegar em casa. Se ela atravessasse o cemitério chegaria mais
rápido. Mas a garota não ousava desobedecer à mãe, que a proibira de atravessar
o cemitério para cortar caminho.
Na noite de sexta-feira, a lua cheia brilhava no céu limpo,
e a luz do luar motivou Lourdes a cortar caminho por dentro do cemitério. Seria
só uma vez e sua mãe nunca ficaria sabendo.
A garota pulou a mureta do cemitério e seguiu andando
cuidadosamente por entre os jazigos.
Lourdes caminhava com os olhos fixados para frente, com os passos
apertados e o material escolar apertado contra o peito.
Na metade do caminho ela divisou a imagem de uma moça
sentada sobre o tumulo. Sua cabeça estava abaixada, parecia estar compenetrada,
pensando em alguma coisa. Lourdes diminuiu os passos, quase parou. Pensou em
correr, fugir, mas era só uma moça.
Quando Lourdes chegou mais perto, a moça desconhecida ergueu
sua cabeça. Revelou sua pele pálida e seus olhos esbranquiçados, neutros.
— O que faz aqui? – perguntou a desconhecida.
— Estou indo embora para a casa – se explicou Lourdes.
— Você não pode andar por aqui durante a noite, é falta de
respeito.
— Me desculpe, é só essa noite.
— Gostaria de ficar presa aqui para sempre?
A pergunta fez Lourdes estremecer. Ela deu dois passos para
trás.
— Eu só quero voltar para a casa. Prometo que não passo mais
por aqui.
— Não quero saber de suas promessas – irritou-se a
desconhecida, se levantando do tumulo – Você usou a morada dos mortos como um
atalho. Gostaria que gente estranha usasse sua casa para cortar o caminho?
Lourdes virou-se para fugir, mas a desconhecida subitamente
surgiu em sua frente. A garota caiu de costas no chão junto com seus materiais
escolares.
— Me perdoe, eu não sabia – disse Lourdes.
— Você irá ficar presa aqui para sempre, nunca mais voltará
para sua casa! – condenou a desconhecida.
— Não! Não faça isso! Por favor, me deixe ir embora! – pediu
Lourdes em desespero.
— Eu só posso deixá-la sair do cemitério com uma condição.
— Qual?
— Terás que me dar um presente.
— Presente? Mas que presente?
— Pode dar qualquer coisa que lhe pertença e eu a deixarei
ir embora.
Lourdes pensou por um minuto e lembrou-se de seus brincos.
— Eu lhe dou os meus brincos.
No momento em que pegou os brincos, a pele da desconhecida
ganhou vida e seus olhos, que eram opacos, tornaram-se vibrantes.
— Posso ir embora? – perguntou Lourdes, enquanto se abaixava
para recolher seus materiais. Porém, seus dedos atravessaram o livro como se
ele fosse um holograma.
— O que é isso? – se assustou Lourdes, olhando suas mãos
pálidas.
— Você está presa neste cemitério – disse a desconhecida.
— Mas achei que você iria me deixar ir embora se eu desse o
presente – protestou Lourdes.
— Quando você ver alguém atravessando o cemitério à noite,
faça com ela lhe dê um presente, só assim você conseguirá ir embora.
A desconhecida deu as costas e saiu caminhando. Irritada,
Lourdes avançou naquela moça, mas seus braços transpassaram o corpo dela. Não
havia jeito de agarrá-la. Tranquilamente, a desconhecida pulou a mureta do
cemitério e foi embora. Lourdes tentou fazer o mesmo, mas foi impedida por uma barreira
invisível. Estava presa.
Desconsolada, Lourdes sentou-se em um tumulo e chorou. De
seus olhos não desciam lágrimas, sua pele não tremia pelo frio da madrugada e
ela não sentia o farfalhar de seus cabelos em seu rosto. Era um fantasma.
Tudo o que lhe restava a fazer era esperar algum desavisado
passar pelo cemitério à noite.
Biruta Ribeiro
Nenhum comentário:
Postar um comentário