segunda-feira, 17 de junho de 2013

Cerveja gelada





Sob o sol fustigante do meio-dia, Joaquim entra em uma lanchonete - dessas que têm piso elevado e mesas para fora - acomoda-se e, com a voz enroscada por causa da garganta seca, pede:
— Uma cerveja bem gelada pra limpar a garganta, garçom!
— Qual a marca, senhor?
— Não me interessa a marca. Minha cerveja preferida é aquela que está mais gelada.
— Um minuto só, já lhe trago uma estupidamente gelada.
Enquanto entrega o comando no balcão, o garçom vê entrar no estabelecimento um garoto raquítico, maltrapilho. Acompanha-o com os olhos. O menino pede para um cliente da mesa ao lado daquela em que está Joaquim um pedaço de lanche que o homem come. Antes mesmo de ele ouvir um sonoro não, o garçom se aproxima, serve a cerveja a Joaquim, pede licença e vai em direção ao garoto. Joaquim leva o copo à boca, assiste à cena, faz cara feia. O garçom pega o menino pelo colarinho carcomido e chuta-lhe o traseiro. Joaquim sorve o líquido. O privete, com o chute, rola escada abaixo. Joaquim se engasga com a cerveja, que lhe para na garganta. Com olhar de fúria, olha para o garçom, bate com os punhos fechados na mesa e o xinga de filho da puta. Sem jeito, o garçom tenta se explicar com gestos. Joaquim não quer entender. O garçom tenta falar. Joaquim não quer ouvir. O menino se levanta, dá uma sacudida na roupa imunda como se fosse limpar de uma só vez a sujeira de meses acumulada. Ele assiste à ira de Joaquim. O garçom insiste:
— Não fique nervoso, me desculpe, é que...
— Não fique nervoso? Uma ova, seu incompetente! E não tem mané desculpa, se não tem cerveja gelada nessa bodega, feche essa merda!

J.Damasio/ Oração de um Quase Descrente / 2006

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