Sob o sol fustigante do meio-dia, Joaquim entra em uma
lanchonete - dessas que têm piso elevado e mesas para fora - acomoda-se e, com
a voz enroscada por causa da garganta seca, pede:
— Uma cerveja bem gelada pra limpar a garganta, garçom!
— Qual a marca, senhor?
— Não me interessa a marca. Minha cerveja preferida é aquela
que está mais gelada.
— Um minuto só, já lhe trago uma estupidamente gelada.
Enquanto entrega o comando no balcão, o garçom vê entrar no
estabelecimento um garoto raquítico, maltrapilho. Acompanha-o com os olhos. O
menino pede para um cliente da mesa ao lado daquela em que está Joaquim um
pedaço de lanche que o homem come. Antes mesmo de ele ouvir um sonoro não, o
garçom se aproxima, serve a cerveja a Joaquim, pede licença e vai em direção ao
garoto. Joaquim leva o copo à boca, assiste à cena, faz cara feia. O garçom
pega o menino pelo colarinho carcomido e chuta-lhe o traseiro. Joaquim sorve o
líquido. O privete, com o chute, rola escada abaixo. Joaquim se engasga com a
cerveja, que lhe para na garganta. Com olhar de fúria, olha para o garçom, bate
com os punhos fechados na mesa e o xinga de filho da puta. Sem jeito, o garçom
tenta se explicar com gestos. Joaquim não quer entender. O garçom tenta falar.
Joaquim não quer ouvir. O menino se levanta, dá uma sacudida na roupa imunda
como se fosse limpar de uma só vez a sujeira de meses acumulada. Ele assiste à
ira de Joaquim. O garçom insiste:
— Não fique nervoso, me desculpe, é que...
— Não fique nervoso? Uma ova, seu incompetente! E não tem
mané desculpa, se não tem cerveja gelada nessa bodega, feche essa merda!
J.Damasio/ Oração de um Quase Descrente / 2006
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