Naquela noite eu não fiz nada que não confirmasse plenamente
minha opção de vida, meu sacerdócio. Não decepcionei meu fígado bebendo menos
do que ele esperava. Não fui pra casa e fiquei ouvindo alguma música vagabunda
em alguma rádio de Internet. Não pedi desculpas, nem admiti erros que não
cometi. Em vez disso, apenas andei sem rumo como costumo fazer quando as coisas
fogem do controle. Entrei em bares e bebi Domecq como não costumo fazer. Sempre
vou de whisky, mas naquela noite a porra do bar não tinha gelo. Então fui de
Domecq já que a merda do boteco também não tinha Jack Daniels. Vi uma mulher
fazendo um boquete num sujeito dentro de um carro e o cara não parecia feliz. E
quer saber? Não o culpei por isso. Tenho evitado apontar o dedo na cara de quem
quer que seja. Tenho pensado insistentemente que no segundo seguinte posso
estar sendo chutado com a cara no chão. Então que adianta bancar o fodão? Penso
que apenas devo fazer as coisas do meu jeito antes de atravessar a fronteira.
Dizem que é pra breve. Naquela noite, pessoas morreram em algum lugar. Outras
enlouqueceram. Algumas até pareciam felizes. Eu era só um cara andando sem rumo
e bebendo Domecq como não costumo fazer. Mas teve um momento que eu me
emocionei ouvindo no telefone uma amiga que contava chorando sobre o amigo que
ela tinha perdido. Definitivamente perdido. Algumas coisas são definitivas. Eu
estava bêbado demais pra acreditar que aquele era o lugar ideal, pra se estar,
naquele momento, naquela hora da madrugada. Mas não era uma noite perfeita. Eu
estava bebendo Domecq. Pensando bem, era uma noite bem esquisita aquela. Então
voltei pra casa. Minha filha estava dormindo. Ela parecia tranqüila. Abri as
janelas e respirei com dificuldade. O telefone tocou e eu deixei tocar. Deitei
na rede e dormi como fazem os caras que não traem seu estilo de vida, seu
sacerdócio. Foi uma noite filha da puta de desgraçada, mas ainda era eu que
estava ali balançando naquela rede. E ainda era eu quando finalmente adormeci.
Eu merecia um sonho bom. Naquela noite.
Mário Bortolotto
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