minha namorada
chega a cara na rua
e sussurra
viva a república
e ninguém responde nada
minha namorada
olha cabisbaixa pro lado
e reclama
viva a ditadura
e ninguém responde nada
minha namorada
aparece pelada na janela
e grita
viva o anarquismo
e ninguém responde nada
minha namorada
dá três tiros pro alto
e suspira
viva o surrealismo
e ninguém responde nada
venhamos e convenhamos
essa minha namorada
não é de nada
ou então não
tudo ao contrário:
todos dizem sim
e tudo acaba
numa imensa batucada
Leo Gonçalves
*
este poema, que está no meu "Use o assento para
flutuar", escrevi sob uma certa revolta diante das coisas deste meu país
da batucada em que você pode dizer e invocar as coisas mais urgentes e
prementes e nada acontece, ninguém responde, ninguém se agita, ninguém se
movimenta. ou se movimenta, é sempre e apenas para tocar tambor e depois fingir
que nada aconteceu.
apesar de não perder de todo sua atualidade, eu estou
emocionado de ver que nos tempos de agora, o caldo entornou e que, sim,
milhares estão respondendo, gritando, se rebelando, não se deixando sujeitar.
tudo sem (pelo menos por enquanto e espero que assim permaneça) um líder, um
aproveitador, um zé ninguém cuspindo pretensão e politicagem, como sói há 500
anos nessa terra que ainda vai cumprir seu ideal.
bora pra rua e viva o vinagre!
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