enxergo a Esperança. como se prenhe dos pavores gelados da
morte, a Esperança, serzinho menor que esta joaninha, tivesse vindo debruçar o
poeta no parapeito do abalo sísmico de si mesmo. do poeta, conheço o desejo
fundo de ser bom. que anjos olham dos olhos de um homem caído? o filho vai
longe num tempo que ainda não se fez. a mulher da vida, anciã a mascar a
dentadura do que foi de alegre e cobiçada. ele, mais um que rememora com
fotografias e ninguém ama sozinho. e é ilusão o que não esqueço, o resto foi
real. e a memória resiste na umidade, no mofo que agarra onde pode, a memória,
falsificadora de quadros de água, não empoça – onda que bate na orla e
desmancha. o poeta é o esquecimento que não é capaz de fazer. o que ama vai diariamente
sendo comido pelos cardumes de peixes da mente. e nem é estourada feito a luz a
memória, nem completamente escura, pode que um espelho estilhaçado: grãos do
indefinível, fagulhas de universos. necessário é ir aonde somos ínfimos, olhar
cada pedaço isoladamente, quem sabe, apalpar algo do que um dia foi sem
comparação. lembrar não doeria se a lembrança não aprisionasse o que precisamos
esquecer. o desespero da memória é reinventar esquecimentos. e o futuro extremo
só poderá ser o fogo ou a terra com suas bibliotecas de ossos
Luiz Felipe Leprevost
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