segunda-feira, 30 de junho de 2014



enxergo a Esperança. como se prenhe dos pavores gelados da morte, a Esperança, serzinho menor que esta joaninha, tivesse vindo debruçar o poeta no parapeito do abalo sísmico de si mesmo. do poeta, conheço o desejo fundo de ser bom. que anjos olham dos olhos de um homem caído? o filho vai longe num tempo que ainda não se fez. a mulher da vida, anciã a mascar a dentadura do que foi de alegre e cobiçada. ele, mais um que rememora com fotografias e ninguém ama sozinho. e é ilusão o que não esqueço, o resto foi real. e a memória resiste na umidade, no mofo que agarra onde pode, a memória, falsificadora de quadros de água, não empoça – onda que bate na orla e desmancha. o poeta é o esquecimento que não é capaz de fazer. o que ama vai diariamente sendo comido pelos cardumes de peixes da mente. e nem é estourada feito a luz a memória, nem completamente escura, pode que um espelho estilhaçado: grãos do indefinível, fagulhas de universos. necessário é ir aonde somos ínfimos, olhar cada pedaço isoladamente, quem sabe, apalpar algo do que um dia foi sem comparação. lembrar não doeria se a lembrança não aprisionasse o que precisamos esquecer. o desespero da memória é reinventar esquecimentos. e o futuro extremo só poderá ser o fogo ou a terra com suas bibliotecas de ossos

Luiz Felipe Leprevost

Nenhum comentário: