Os deuses nascem da angústia.
Diante do abismo, nasce um deus.
Diante da noite, nasce outro.
Diante do amor, diante da morte, diante do brilho do sol,
diante do mar tenebroso, diante da chama do fogo
nascem os deuses magníficos e terríveis
que nos atormentam.
Ajoelho-me ante o seu panteão, prostro-me, beijo a laje fria
do chão.
Não sou nada. Eles também.
Mas juntos criamos o mundo
pelo poder da palavra que é nada também.
Tudo é nada? O todo pode provir do nada?
Deixemos estas perguntas tolas para os cientistas e os
teólogos.
A mim cabe admirar o que não tem explicação,
o que não faz sentido
(admirar ou me indignar),
prostrado no chão, dançando no abismo, chorando a ida dos
dias.
Os deuses nascem da angústia.
Diante de um par de seios, diante da semente na terra,
diante da morte de um filho
nascem os deuses da revolta e da submissão.
A mim cabe apenas presidir o ofício divino
com minha mitra, meu báculo de pastor e meu espanto de
criança.
Eu mesmo acendo as velas, exorto os fiéis, faço a leitura
dos livros sagrados.
Depois transformo barro em cidades, trigo em banquetes,
vinho em civilizações antiquíssimas.
Não sou nada. Os deuses também.
Mas juntos criamos os mundos
que povoamos nas noites de angústia e solidão.
Pois cada mulher e cada homem nascem sozinhos (ainda que
gêmeos),
morrem sozinhos (ainda que num acidente de carro
ou na explosão de um míssil na Faixa de Gaza)
e entre um ponto e outro, entenda: ninguém te entenderá.
Nem os deuses. Nem você.
Os deuses nascem da angústia.
Os deuses e este poema.
olw
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