terça-feira, 3 de março de 2015

OS GANCHOS DO AÇOUGUEIRO


Um dos suplícios mais usuais da Idade Média consistia em punçar
a língua dentro da boca com ganchos de açougueiro.
A vítima berrava para o carrasco mouco:
o único consolo dos mortos é não morrer nunca mais.
Ao ousar novas palavras,
o escritor aciona o fracasso do signo em dizer algo do que é:
o madeiro que me refresca a fronte é galho de limoeiro,
na tigela planto um trevo de quatro folhas para curar o aziago.
Aprendo com a voz do velho vento que sopra de leve a cortina:
“Só quem bebe do leque da pavoa
esquece vírgulas e mata a morte”.
Agimos sob a fascinação do impossível:
isto quer dizer que – uma sociedade incapaz de consagrar-se à ilusão –
está ameaçada de esclerose e de ruína.


Texto: Fernando José Karl

Nenhum comentário: